A Utilização da Identidade Construída
dos Auto Declarados Negros da UFS
Alan Max Vieira dos Santos
Mestrando NPPCS/UFS
A partir da década de 1980, nota-se de maneira mais contundente uma crescente assimilação declarada por parte da sociedade brasileira, principalmente pelos jovens, de instrumentos e símbolos ligados à cultura negro-africana.
Com o advento do movimento negro organizado, ou para os mais críticos, um grupo não tão organizado, mas com visibilidade e voz, que tinha, no mínimo, reclamações e reivindicações legítimas a fazer, no final da década de 1970, e do movimento de redemocratização, momento onde não era mais subversivo ou ilegal lutar pela obtenção de direitos, consolidado na forma da lei, com Constituição de 1988, formou-se o momento propício para o crescimento da valorização do negro como parte integrante, formadora e importante para ao Brasil. Dando-se a partir de então, uma maior visibilidade aos embates, críticas, protestos de toda ordem sobre a desigualdade racial nas suas diferentes e diversas estâncias. Diferente da década de 1930 até a de 60, onde a valorização do negro já era posta em discussão, neste momento essa discussão já está entranhada na vida social da população brasileira e passa a ser encarada como um problema a ser discutido pelos diferentes e diversos agentes sociais e não somente pelas elites acadêmicas.
E é na década de 90 que aparece de forma mais evidente uma aceitação e identificação, por muitas vezes declarada, para com os mais variados aspectos da cultura afro-brasileira, tendo suas causas ligadas desde a percepção do negro como um potencial consumidor emergente, até a discussão e implementação de políticas e legislações ligadas a esse segmento da população. Dessa forma, a sociedade em linhas gerais faz como regra e não mais como exceção, um crescente movimento de reconhecimento do negro.
A despeito desse quadro as desigualdades “reais” continuam a permanecer entre brancos e não-brancos nos mais diversos campos da vida social, o que pode ser constatado a partir de dados oficiais do próprio Governo Federal, das Organizações das Nações Unidas e institutos de pesquisa, revelando de forma inequívoca tal situação.
Essa falta de equidade é interpretada por Carlos Hasenbalg a partir da sua apropriação da definição que Lívio Sansone faz de “áreas duras” e “áreas moles” nas relações sócio-raciais no Brasil. Para Hasenbalg, as “áreas duras” remetem o sociólogo para dois elementos cruciais do sistema de estratificação social: a família e o mercado de trabalho, onde se define o lugar que as pessoas irão ocupar na hierarquia social, e é onde a maioria dos negros e mestiços estruturam as suas condições de exclusão e subordinação. Já as “áreas moles”, excluindo o espaço das religiões centrais, são as que aumentam as formas antigas e novas de preconceitos e visões estereotipadas do negro. Nas áreas duras, onde incluo o ensino superior, o negro não encontra seu “lugar” dentro desse sistema que é influenciado e reflete uma hierarquia social. Situação que dá embasamento aos dados que mostram que a população negra tem dificuldade para adentrar a universidade e por isso é dentro dela o seu menor quantitativo étnico/racial.
O atual momento de implementação de políticas de ações afirmativas de acesso ao ensino superior pelo Governo Federal sendo debatidas quanto a sua constitucionalidade e o alcance dos resultados pretendidos torna o estudo do impacto dessa política na população alvo (estudantes de escolas públicas, negros e indígenas) de importância crucial para compreender esse processo enquanto forma de inclusão e de superação de desigualdades. Por isso, desenvolvo, desde 2010, no âmbito do mestrado em sociologia do Núcleo de Pós Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais da Universidade Federal de Sergipe a pesquisa por ora intitulada: A Utilização da Identidade Construída dos Auto Declarados Negros da UFS sob orientação do Prof. Dr. Frank Nilton Marcon.
A presente pesquisa pretende compreender como a identidade racial construída dos jovens graduandos é utilizada por eles mesmos enquanto autodeclarados negros por ocasião do ingresso na instituição de ensino superior UFS. O interesse se fixa na construção identitária, pois como Nilma Lino Gomes acredita a identidade não é algo inato, ela é um modo de ser que se refere ao nível cultural, sócio-político e histórico. Assim, a identidade é invocada quando “um grupo reivindica uma maior visibilidade social face ao apagamento a que foi historicamente, submetido” (NOVAES, 1993:25). É importante perceber que o conceito de identidade deve ser investigado e analisado [...] porque ele é um conceito vital para os grupos sociais contemporâneos que o reivindicam (NOVAES, 1993: 24). Ela só pode ser entendida através da utilização do termo nós, no sentido da igualdade. É um recurso que serve ao sistema de representações que um grupo social tem para reivindicar um espaço social e político em uma situação de luta pelo poder.
O meu objeto de pesquisa é o indivíduo negro, jovem e escolarizado, que trata a “cultura negra” [1] como o seu lugar de pertencimento social, como um local de resistência difusa, onde é possível ser aceito e valorizado. Este indivíduo cria estratégias de auto-afirmação que reproduzem estereótipos positivos quanto a sua raça/etnia, que apesar de serem reproduções do senso comum os defende através da exaltação, da discriminação sentida e projetada. Esta exaltação se refere a campos como o: da libido, da virilidade, da sensualidade, da força, da resistência, da facilidade para dança (samba), da destinação de felicidade, da beleza exótica entre outros. Já a dinâmica metodológica a ser empregada a fim de se obter dados relativos à apropriação das identidades por esses jovens se dará a partir de questionários e sobretudo entrevistas semi-estruturadas.
Por fim, deixo claro que além da importância intrínseca e extrínseca do tema aqui apresentado, o debate relacionado às questões relativas às relações raciais e à identidade étnico/racial desde muito tempo é alvo de interesse individual, se intensificando ao decorrer da graduação em ciências sociais, especialmente após a minha participação, no ano de 2006, como monitor do Curso de Aperfeiçoamento
Referências Bibliográficas:
GOMES, Nilma Lino. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais no Brasil: uma breve discussão. In: Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal nº. 10.639/03 Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005, p. 39-62.
HASENBALG, Carlos. Entre o mito e os fatos: racismo e relações raciais no Brasil. SANSONE, Lívio. In. CHOR, Marcos. VENTURA, Ricardo (Orgs). Raça, Ciência e Sociedade. 1ª reimpressão. Rio de Janeiro: FIOCRUZ/CCBB, 1998. P. 235-246 & 207-21.
NOVAES, Silvia Caiuby. Jogo de espelhos. São Paulo: EDUSP, 1993.
[1] Cultura aqui entendida como toda a universalidade dos aspectos trazidos pelo negro africano ao Brasil e transformados por este, pelo seu contato com outras culturas e pelo tempo, mas preservados no imaginário geral da sociedade como partes originárias da bagagem desta “raça”.
Salve, salve. Parabéns pelos textos, creio que foi uma forma interessante de introduzir ao tema e possibilitará um debate interessante aqui e na reunião do grupo. Gostaria de começar indagando aos dois, Yérsia e Alan, sobre como estão estruturando a pesquisa, já que ambas estão em fase de execução. Ou seja, com maior clareza, qual o problema de pesquisa, o objetivo geral e a metodologia que está sendo proposta? No caso do texto do Alan, o objetivo está lá, mas a problemática e a metodologia precisariam ser mais claras. Vamos lá. O que dizem? Esperamos suas observações para que depois possamos ter mais sugestões dos outros colegas. Abraços.
ResponderExcluir