Escola de Manchester e encontro do IUAS de 2013.
sexta-feira, 29 de abril de 2011
Social Anthropology (School of Social Sciences - The University of Manchester)
quinta-feira, 21 de abril de 2011
JUVENTUDE E ESTILOS DE VIDA: OS USOS DOS LUGARES DE LAZER E SOCIABILIDADES NO BAIRRO SIQUEIRA CAMPOS
Por Mateus Antonio de Almeida Neto
No presente texto, eu tentarei estruturar algumas informações sobre minha pesquisa de mestrado em Antropologia Social (UFS), que versa sobre a juventude num bairro de Aracaju, estado de Sergipe, Brasil.. O problema de pesquisa gira em torno dos usos dos lugares de lazer e sociabilidades, onde jovens realizam processos de identificação e construtos de estilos de vida em territorialidades que se conflituam no espaço público da rua. Meu objetivo é analisar os processos identitários juvenis praticados nos usos dos lugares de lazer e sociabilidades no bairro Siqueira Campos. Nesse sentido, de forma mais operacional, delimitei a pesquisa a partir quatro estilos de vida juvenis distintos presentes no bairro: galera do "heavy metal", do "hip hop", do "reggae", e, principalmente, dos jovens que se identificam como do "pagode baiano". Tenta-se perceber as tensões, os gostos, as formas de lazer e o consumo cultural entre estes estilos de vida no uso desses espaços.
Localizado na zona oeste da cidade de Aracaju, “porta de entrada e saída da capital sergipana”, o bairro Siqueira Campos no final do século passado, aos poucos, tornou-se um grande pólo comercial. Hoje à área do bairro é recortada por vários estabelecimentos comerciais. A partir daí, constata-se pelos dados demográficos a diminuição de uma população permanente. No entanto, ao seguir a estratégia das caminhadas pela materialidade do lugar, nota-se um relativo aumento de uma população flutuante a procura das mercadorias, dos equipamentos urbanos e do consumo cultural ofertados nos estabelecimentos comerciais, de lazer e entretenimento, funcionando como ponto de referência para um número mais diversificado de freqüentadores ao permitir a circulação de indivíduos de várias procedências e estilos de vida juvenis distintos.
O referencial teórico que utilizo dialoga com os estudos sobre a temática das culturas juvenis, dos usos dos espaços de lazer e sociabilidades, do cotidiano, dos estilos de vida e das identidades culturais. Segundo Pais (2003, p. 70), as culturas juvenis têm que ser entendidas a partir de seus contextos vivenciais, cotidianos, “[...] isto é, no curso das suas interações, que os jovens constroem formas sociais de compreensão e entendimento que se articulam com formas específicas de consciência, de pensamento, de percepção e acção”.
Os estudos sobre os estilos de vida e das identidades culturais juvenis apontam que os contatos socioculturais, nesse sentido, supõem proponentes de uma cultura de consumo que se configuram a partir de símbolos, elementos culturais, como: vestuário, cortes de cabelo, gostos musicais, formas de lazer envolvendo grupos de amigos e territorialidades efêmeras, que denotam certas sensações constantes de segurança ontológica entre os praticantes nos usos desses espaços. (FEATHERSTONE, 1995).
Divido o trabalho em três capítulos. Inicialmente, no primeiro capítulo, Espaços de lazer e
sociabilidades no bairro Siqueira Campos: lugares e estilos de vida; dedico-me a traçar um panorama sobre o bairro. A análise se dá a partir da descrição do território, dos espaços de lazer, das vivências e das sociabilidades no cotidiano do bairro a partir de uma estratégia metodológica que implica caminhadas sistemáticas pela paisagem.
O percurso teórico utilizado no segundo capítulo, O cotidiano, os usos e os discursos da juventude sobre os lugares, paira sobre dois grandes eixos da antropologia: os usos dos espaços de lazer e sociabilidades cotidianas, e os processos identitários juvenis, como construtos de estilos de vida. Em relação ao primeiro eixo, procuro evidenciar os discursos sobre os usos e as práticas que caracterizam a cultura juvenil nesses espaços. Estabeleço a discussão sobre a categoria circuito como conceito analítico, salientando a sua importância na análise do significado e da experiência proporcionada pelos jovens e seus processos de identificação mediados pelas ações simbólicas. Pretendo, com isto, evidenciar os gostos, o consumo cultural, os grupos e as territorialidades no bairro.
No terceiro e último capítulo, intitulado, Processos identitários juvenis no Bairro Siqueira Campos, busco a partir das reflexões de Gilberto Velho (1979), pôr-me no lugar do “outro”, observando seus estilos de vida, as tensões entre os grupos identitários, o consumo e as experiências particulares realizadas nos espaços de lazer e sociabilidades no âmbito do bairro. Como diz o autor, trata-se de transformar o familiar em exótico e estranhar o que está próximo, pois o que encontramos pode ser familiar, mas não necessariamente conhecido, e o que não vemos e encontramos pode ser exótico, mas, até certo ponto, conhecido.
Essa parte do trabalho dedica-se a perceber e analisar os processos identitários dos jovens nos usos dos lugares de lazer e sociabilidades no Bairro Siqueira Campos. Trata-se de evidenciar, primordialmente, quatro grupos juvenis de estilos de vida distintos: a galera do heavy metal, do hip hop, do reggae e principalmente os pagodeiros. Nesse sentido, busco compreender como cada um dos grupos percebe os “outros” e como vêem a “si” mesmos, além de analisar como eles se caracterizam e como se relacionam com os espaços de lazer e sociabilidades no bairro, imprimindo um sentido aos territórios.
Referências bibliográficas
FEATHERSTONE, Mike. Cultura de Consumo e Pós-modernismo. São Paulo, Studio Nobel, 1995.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 10. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
MAGNANI, José Guilherme Cantor. “Os circuitos dos jovens urbanos”. In: Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 17, n. 2, 2005, pp. 173-205. Disponível em:http://www.scielo.br/pdf/ts/v17n2/a08v17n2.pdf.
PAIS, José Machado. Culturas Juvenis. Edição: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2003.
VELHO, Gilberto. Desvio e divergência: uma crítica da patologia social. 3. ed. Rio de Janeiro, RJ: Zahar, 1979.
No presente texto, eu tentarei estruturar algumas informações sobre minha pesquisa de mestrado em Antropologia Social (UFS), que versa sobre a juventude num bairro de Aracaju, estado de Sergipe, Brasil.. O problema de pesquisa gira em torno dos usos dos lugares de lazer e sociabilidades, onde jovens realizam processos de identificação e construtos de estilos de vida em territorialidades que se conflituam no espaço público da rua. Meu objetivo é analisar os processos identitários juvenis praticados nos usos dos lugares de lazer e sociabilidades no bairro Siqueira Campos. Nesse sentido, de forma mais operacional, delimitei a pesquisa a partir quatro estilos de vida juvenis distintos presentes no bairro: galera do "heavy metal", do "hip hop", do "reggae", e, principalmente, dos jovens que se identificam como do "pagode baiano". Tenta-se perceber as tensões, os gostos, as formas de lazer e o consumo cultural entre estes estilos de vida no uso desses espaços.
Localizado na zona oeste da cidade de Aracaju, “porta de entrada e saída da capital sergipana”, o bairro Siqueira Campos no final do século passado, aos poucos, tornou-se um grande pólo comercial. Hoje à área do bairro é recortada por vários estabelecimentos comerciais. A partir daí, constata-se pelos dados demográficos a diminuição de uma população permanente. No entanto, ao seguir a estratégia das caminhadas pela materialidade do lugar, nota-se um relativo aumento de uma população flutuante a procura das mercadorias, dos equipamentos urbanos e do consumo cultural ofertados nos estabelecimentos comerciais, de lazer e entretenimento, funcionando como ponto de referência para um número mais diversificado de freqüentadores ao permitir a circulação de indivíduos de várias procedências e estilos de vida juvenis distintos.
O referencial teórico que utilizo dialoga com os estudos sobre a temática das culturas juvenis, dos usos dos espaços de lazer e sociabilidades, do cotidiano, dos estilos de vida e das identidades culturais. Segundo Pais (2003, p. 70), as culturas juvenis têm que ser entendidas a partir de seus contextos vivenciais, cotidianos, “[...] isto é, no curso das suas interações, que os jovens constroem formas sociais de compreensão e entendimento que se articulam com formas específicas de consciência, de pensamento, de percepção e acção”.
Os estudos sobre os estilos de vida e das identidades culturais juvenis apontam que os contatos socioculturais, nesse sentido, supõem proponentes de uma cultura de consumo que se configuram a partir de símbolos, elementos culturais, como: vestuário, cortes de cabelo, gostos musicais, formas de lazer envolvendo grupos de amigos e territorialidades efêmeras, que denotam certas sensações constantes de segurança ontológica entre os praticantes nos usos desses espaços. (FEATHERSTONE, 1995).
Divido o trabalho em três capítulos. Inicialmente, no primeiro capítulo, Espaços de lazer e
sociabilidades no bairro Siqueira Campos: lugares e estilos de vida; dedico-me a traçar um panorama sobre o bairro. A análise se dá a partir da descrição do território, dos espaços de lazer, das vivências e das sociabilidades no cotidiano do bairro a partir de uma estratégia metodológica que implica caminhadas sistemáticas pela paisagem.
O percurso teórico utilizado no segundo capítulo, O cotidiano, os usos e os discursos da juventude sobre os lugares, paira sobre dois grandes eixos da antropologia: os usos dos espaços de lazer e sociabilidades cotidianas, e os processos identitários juvenis, como construtos de estilos de vida. Em relação ao primeiro eixo, procuro evidenciar os discursos sobre os usos e as práticas que caracterizam a cultura juvenil nesses espaços. Estabeleço a discussão sobre a categoria circuito como conceito analítico, salientando a sua importância na análise do significado e da experiência proporcionada pelos jovens e seus processos de identificação mediados pelas ações simbólicas. Pretendo, com isto, evidenciar os gostos, o consumo cultural, os grupos e as territorialidades no bairro.
No terceiro e último capítulo, intitulado, Processos identitários juvenis no Bairro Siqueira Campos, busco a partir das reflexões de Gilberto Velho (1979), pôr-me no lugar do “outro”, observando seus estilos de vida, as tensões entre os grupos identitários, o consumo e as experiências particulares realizadas nos espaços de lazer e sociabilidades no âmbito do bairro. Como diz o autor, trata-se de transformar o familiar em exótico e estranhar o que está próximo, pois o que encontramos pode ser familiar, mas não necessariamente conhecido, e o que não vemos e encontramos pode ser exótico, mas, até certo ponto, conhecido.
Essa parte do trabalho dedica-se a perceber e analisar os processos identitários dos jovens nos usos dos lugares de lazer e sociabilidades no Bairro Siqueira Campos. Trata-se de evidenciar, primordialmente, quatro grupos juvenis de estilos de vida distintos: a galera do heavy metal, do hip hop, do reggae e principalmente os pagodeiros. Nesse sentido, busco compreender como cada um dos grupos percebe os “outros” e como vêem a “si” mesmos, além de analisar como eles se caracterizam e como se relacionam com os espaços de lazer e sociabilidades no bairro, imprimindo um sentido aos territórios.
Referências bibliográficas
FEATHERSTONE, Mike. Cultura de Consumo e Pós-modernismo. São Paulo, Studio Nobel, 1995.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 10. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
MAGNANI, José Guilherme Cantor. “Os circuitos dos jovens urbanos”. In: Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 17, n. 2, 2005, pp. 173-205. Disponível em:http://www.scielo.br/pdf/ts/v17n2/a08v17n2.pdf.
PAIS, José Machado. Culturas Juvenis. Edição: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2003.
VELHO, Gilberto. Desvio e divergência: uma crítica da patologia social. 3. ed. Rio de Janeiro, RJ: Zahar, 1979.
quarta-feira, 20 de abril de 2011
Mediaciones.net :: Jesús Martín-Barbero
Pessoal,
Dêem uma olhada neste site. Vai interessar a muitos de vocês. Vou colocá-lo também em nossos elos.
abraços
Mediaciones.net :: Jesús Martín-Barbero
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terça-feira, 19 de abril de 2011
PRATICANTES DO URBANO: ESTÉTICA E ÉTICA DE UM ESTILO DE VIDA MARGINAL
(Por Williams Souza Silva)
A perspectiva que situa o presente trabalho toma o espaço como um lugar carregado de sentido identitário e/ou histórico, atribuído por seus usuários. “O espaço é um lugar praticado. Assim a rua geometricamente definida por um urbanismo é transformada em espaço pelos pedestres” (DE CERTEAU, 2005). Ou seja, quando um lugar se transforma em espaço para uma “tribo urbana”, significa dizer que os indivíduos desta compartilham um sentimento de pertença para com o mesmo, elegendo-o como um traço especializado capaz de dá sentido as ações e fortalecer a solidariedade entre seus membros.
Como se dá o processo de construção, ou negociação, de um Estilo de Vida underground (marginal) a partir de uma Estética e de uma Ética partilhada por um grupo determinado de freqüentadores noturnos do centro de Aracaju, associada a uma forma peculiar de praticar as espacialidades da cidade, é o interesse da dissertação que estou desenvolvendo.
Embora o universo de interesse gire em torno de questões de identidade/identificação, solidariedade/sociabilidade na legitimação de estilos de vida (ética e estética) de microgrupos, a estruturação da abordagem em torno das espacialidades das cidades se torna necessário por serem estes “lugares de convivialidade” (MAFFESOLI, 2006), onde interagem grupos sociais distintos, com seus espaços fixos e móveis, sazonais e permanentes. Este tipo de abordagem permite demonstrar as especificidades dos estilos de vida, de acordo com os trajetos praticados por tribos urbanas no mapa sócio-geográfico da cidade contemporânea. Além disso, como bem argumenta Almeida (2003, 19), essas “novas formas de experiência espacial constituem um dos principais desafios para as Ciências Sociais na contemporaneidade”.
Entendemos que os usos dos espaços e a circulação no espaço da cidade, mesmo que de forma temporária, é resultado de estratégias e ações conflituosas e envolve diferentes indivíduos e redes de interesse que dão sentido e organicidade ao espaço pelo qual circulam ou ocupam. Segundo Fortuna “a cidade é a imagem alegórica da sociedade” e, como tal, um espaço privilegiado da experiência dinâmica, complexa e difusa da vida social na contemporaneidade.
A hipótese geral que orienta o trabalho é a de que o lugar onde se localiza a Catedral da cidade de Aracaju é apropriada pelo universo “marginal” como um emblema simbólico-espacial. De forma específica, a importância simbólica desse espaço para a estética underground, se deve ao seu passado, uma vez que o referido espaço sempre serviu de palco da boemia aracajuana; enquanto que sua importância espacial se deve a sua localização, situada no centro, o que possibilita uma maior trânsito, facilitando o acesso a outros locais de convivialidade tais como bares de funcionamento 24h, galerias e mercado central , assim como, pelos equipamentos ofertados (bares, barracas de lanche, vendas de artesanato).
O ponto de partida de minha pesquisa foi, portanto, a escadaria da Catedral, por ser também um ponto de partida desses indivíduos para ação e significação coletiva de outros espaços (outras praças, galeria de arte do Yazige, o SINDIPETRO, a SOMESE), que não geram necessariamente um vínculo, uma identificação, ou seja, estes espaços são apropriados esporadicamente e momentaneamente (um vernissage, um show), como possibilidades adicionais de lazer: comida e bebida free, sociabilidades, bate-papo, diversão, reivindicação.
A proposta metodológica é, deste modo, a “caminhada” junto ao cotidiano do grupo escolhido, uma etnografia participante. De Certeau, usa como metáfora deste tipo de trabalho de campo na/da cidade, a idéia de se tornar um, andar e “viver” as práticas, táticas ou estratégias desses “homens ordinários”. Correr os riscos da noite e suas glórias, ou revive-las, tem se mostrado mais eficaz do que ser um “voyeur” desse cotidiano. A observação participante (caminhada pelo cotidiano social da cidade de Aracaju) tem como intuito a coleta de dados a partir da vivência do grupo. Essa interação com esses indivíduos, o viver suas práticas, possibilita observar a atuação destes perante as mais diversas situações e espacialidades.
Compõe a amostra desse grupo sete indivíduos, os mais freqüentes e talvez por esse motivo os mais reconhecidos como “verdadeiros undergrounds” na cena que estou recortando. Com uma faixa etária compreendida dos 21 aos 35 anos, uma predominância do gênero masculino (apenas duas mulheres), esse grupo amostra trás como forte característica, quiçá a que mais diferencie dos demais grupos em disputa por uma identidade underground, a marcação e valorização das diferenças individuais (idéias e valores). Não significa dizer que seja possível encontrar homogeneidade em outros grupos, apenas que nessa tribo as diferenças ganham maior visibilidade, sendo mais valorizada entre eles do que uma suposta igualdade.
A etnografia de rua (ROCHA; ECKERT, s/n), o olhar de perto e de dentro (MAGNANI, 2002), o ser um andarilho na cidade (DE CERTEAU, 2005) foram estratégias adotadas no desenvolvimento da presente pesquisa. O que consistiu em freqüentar, de junho até a presente data, o centro da cidade de Aracaju, em especial o Parque Teófilo Dantas, onde se situa a Catedral Metropolitana do Estado, sempre no período noturno.
O primeiro capítulo, Espaços Urbanas: o caráter espacializado das relações sociais na contemporaneidade. Volta-se ao estudo da sociologia e antropologia do espaço urbano, na construção dos saberes sobre as cidades e estilos de vida urbano. O desafio é relacionar a vasta produção sobre as cidades e seus espaço, com a discussão de estilos de vida. Assim como, traçar os trajetos dos personagens da noite aracajuana no centro histórico da cidade, no intuito de entender suas lógicas de mobilidade espacial.
O segundo capítulo, Identificação e negociações identitárias: construído um Estilo de Vida Underground vem como um suporte para a definição da escolha dos conceitos que melhor poderão caracterizar o objeto pesquisado. Propõe-se uma discussão a respeito de Identidades e Identificação, Solidariedade e Sociabilidade, Espaço e Lugar. O objetivo é perceber como são construídas diariamente as retóricas de identificação e como essas são influenciadas (ou influenciam) o uso dos espaços. Pretendo explorar no capítulo como os grupos, a partir do escolhido, se apropriam do espaço urbano atribuindo-lhe sentido de pertença e identificação, mesmo que esse sentido seja passageiro.
O terceiro e último capítulo, Caminhantes Noturnos: uma etnografia das práticas ordinárias, como sugere o próprio título, terá um cunho etnográfico. Acreditando ser capaz de propiciar um olhar de perto e de dentro (Magnani, 2000). A escolha desse método se justifica pela possibilidade deste propiciar ao pesquisador uma melhor visibilidade de determinados aspectos da dinâmica cotidiana do grupo que em geral passam despercebidas. Esse contato contínuo possibilitará uma melhor visualização da interação desses freqüentadores com o espaço urbano e com outros grupos, assim como, as lógicas de solidariedade e identificação estruturantes para esses freqüentadores da Praça da Catedral Metropolitana de Aracaju.
Referências Bibliográficas:
ALMEIDA, Maria Isabel M. Noites Nômades: espaço e subjetividade nas culturas jovens contemporâneas. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.
DE CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano. Petrópolis/RJ: Vozes, 1994 V. I.
MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos: declínio do individualismo nas sociedades de massa. Rio da Janeiro: Forense Universitária, 2006.
A perspectiva que situa o presente trabalho toma o espaço como um lugar carregado de sentido identitário e/ou histórico, atribuído por seus usuários. “O espaço é um lugar praticado. Assim a rua geometricamente definida por um urbanismo é transformada em espaço pelos pedestres” (DE CERTEAU, 2005). Ou seja, quando um lugar se transforma em espaço para uma “tribo urbana”, significa dizer que os indivíduos desta compartilham um sentimento de pertença para com o mesmo, elegendo-o como um traço especializado capaz de dá sentido as ações e fortalecer a solidariedade entre seus membros.
Como se dá o processo de construção, ou negociação, de um Estilo de Vida underground (marginal) a partir de uma Estética e de uma Ética partilhada por um grupo determinado de freqüentadores noturnos do centro de Aracaju, associada a uma forma peculiar de praticar as espacialidades da cidade, é o interesse da dissertação que estou desenvolvendo.
Embora o universo de interesse gire em torno de questões de identidade/identificação, solidariedade/sociabilidade na legitimação de estilos de vida (ética e estética) de microgrupos, a estruturação da abordagem em torno das espacialidades das cidades se torna necessário por serem estes “lugares de convivialidade” (MAFFESOLI, 2006), onde interagem grupos sociais distintos, com seus espaços fixos e móveis, sazonais e permanentes. Este tipo de abordagem permite demonstrar as especificidades dos estilos de vida, de acordo com os trajetos praticados por tribos urbanas no mapa sócio-geográfico da cidade contemporânea. Além disso, como bem argumenta Almeida (2003, 19), essas “novas formas de experiência espacial constituem um dos principais desafios para as Ciências Sociais na contemporaneidade”.
Entendemos que os usos dos espaços e a circulação no espaço da cidade, mesmo que de forma temporária, é resultado de estratégias e ações conflituosas e envolve diferentes indivíduos e redes de interesse que dão sentido e organicidade ao espaço pelo qual circulam ou ocupam. Segundo Fortuna “a cidade é a imagem alegórica da sociedade” e, como tal, um espaço privilegiado da experiência dinâmica, complexa e difusa da vida social na contemporaneidade.
A hipótese geral que orienta o trabalho é a de que o lugar onde se localiza a Catedral da cidade de Aracaju é apropriada pelo universo “marginal” como um emblema simbólico-espacial. De forma específica, a importância simbólica desse espaço para a estética underground, se deve ao seu passado, uma vez que o referido espaço sempre serviu de palco da boemia aracajuana; enquanto que sua importância espacial se deve a sua localização, situada no centro, o que possibilita uma maior trânsito, facilitando o acesso a outros locais de convivialidade tais como bares de funcionamento 24h, galerias e mercado central , assim como, pelos equipamentos ofertados (bares, barracas de lanche, vendas de artesanato).
O ponto de partida de minha pesquisa foi, portanto, a escadaria da Catedral, por ser também um ponto de partida desses indivíduos para ação e significação coletiva de outros espaços (outras praças, galeria de arte do Yazige, o SINDIPETRO, a SOMESE), que não geram necessariamente um vínculo, uma identificação, ou seja, estes espaços são apropriados esporadicamente e momentaneamente (um vernissage, um show), como possibilidades adicionais de lazer: comida e bebida free, sociabilidades, bate-papo, diversão, reivindicação.
A proposta metodológica é, deste modo, a “caminhada” junto ao cotidiano do grupo escolhido, uma etnografia participante. De Certeau, usa como metáfora deste tipo de trabalho de campo na/da cidade, a idéia de se tornar um, andar e “viver” as práticas, táticas ou estratégias desses “homens ordinários”. Correr os riscos da noite e suas glórias, ou revive-las, tem se mostrado mais eficaz do que ser um “voyeur” desse cotidiano. A observação participante (caminhada pelo cotidiano social da cidade de Aracaju) tem como intuito a coleta de dados a partir da vivência do grupo. Essa interação com esses indivíduos, o viver suas práticas, possibilita observar a atuação destes perante as mais diversas situações e espacialidades.
Compõe a amostra desse grupo sete indivíduos, os mais freqüentes e talvez por esse motivo os mais reconhecidos como “verdadeiros undergrounds” na cena que estou recortando. Com uma faixa etária compreendida dos 21 aos 35 anos, uma predominância do gênero masculino (apenas duas mulheres), esse grupo amostra trás como forte característica, quiçá a que mais diferencie dos demais grupos em disputa por uma identidade underground, a marcação e valorização das diferenças individuais (idéias e valores). Não significa dizer que seja possível encontrar homogeneidade em outros grupos, apenas que nessa tribo as diferenças ganham maior visibilidade, sendo mais valorizada entre eles do que uma suposta igualdade.
A etnografia de rua (ROCHA; ECKERT, s/n), o olhar de perto e de dentro (MAGNANI, 2002), o ser um andarilho na cidade (DE CERTEAU, 2005) foram estratégias adotadas no desenvolvimento da presente pesquisa. O que consistiu em freqüentar, de junho até a presente data, o centro da cidade de Aracaju, em especial o Parque Teófilo Dantas, onde se situa a Catedral Metropolitana do Estado, sempre no período noturno.
O primeiro capítulo, Espaços Urbanas: o caráter espacializado das relações sociais na contemporaneidade. Volta-se ao estudo da sociologia e antropologia do espaço urbano, na construção dos saberes sobre as cidades e estilos de vida urbano. O desafio é relacionar a vasta produção sobre as cidades e seus espaço, com a discussão de estilos de vida. Assim como, traçar os trajetos dos personagens da noite aracajuana no centro histórico da cidade, no intuito de entender suas lógicas de mobilidade espacial.
O segundo capítulo, Identificação e negociações identitárias: construído um Estilo de Vida Underground vem como um suporte para a definição da escolha dos conceitos que melhor poderão caracterizar o objeto pesquisado. Propõe-se uma discussão a respeito de Identidades e Identificação, Solidariedade e Sociabilidade, Espaço e Lugar. O objetivo é perceber como são construídas diariamente as retóricas de identificação e como essas são influenciadas (ou influenciam) o uso dos espaços. Pretendo explorar no capítulo como os grupos, a partir do escolhido, se apropriam do espaço urbano atribuindo-lhe sentido de pertença e identificação, mesmo que esse sentido seja passageiro.
O terceiro e último capítulo, Caminhantes Noturnos: uma etnografia das práticas ordinárias, como sugere o próprio título, terá um cunho etnográfico. Acreditando ser capaz de propiciar um olhar de perto e de dentro (Magnani, 2000). A escolha desse método se justifica pela possibilidade deste propiciar ao pesquisador uma melhor visibilidade de determinados aspectos da dinâmica cotidiana do grupo que em geral passam despercebidas. Esse contato contínuo possibilitará uma melhor visualização da interação desses freqüentadores com o espaço urbano e com outros grupos, assim como, as lógicas de solidariedade e identificação estruturantes para esses freqüentadores da Praça da Catedral Metropolitana de Aracaju.
Referências Bibliográficas:
ALMEIDA, Maria Isabel M. Noites Nômades: espaço e subjetividade nas culturas jovens contemporâneas. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.
DE CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano. Petrópolis/RJ: Vozes, 1994 V. I.
MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos: declínio do individualismo nas sociedades de massa. Rio da Janeiro: Forense Universitária, 2006.
segunda-feira, 18 de abril de 2011
Encontro do Gerts - 28 de abril de 2011
A Antropologia da Ayahuasca
Felipe Silva Araujo, estudante do NPPA-UFS
Felipe Silva Araujo, estudante do NPPA-UFS
O objetivo principal desse texto é transmitir algumas informações sobre o atual estado da pesquisa que dará forma para a dissertação que estou desenvolvendo, intitulada “A Antropologia da Ayahuasca” (Mestrado em Antropologia Social, Universidade Federal de Sergipe, previsão 2011). O problema central que se coloca diz respeito à relação entre ciência (prática antropológica) e fé (antropólogo ayahuasqueiro). Como se dá o processo através do qual a produção acadêmica sobre ayahuasca ganha forma? Quais os limites que separam a fronteira entre o exercício acadêmico e a cosmovisão ayahuasqueira?
“Ayahuasca” é um dentre os diversos nomes usados para designar um chá bebido milenarmente por indígenas na América Latina e que no Brasil, através do século XX, ganhou forma de três religiões nacionais: Santo Daime, Barquinha e União do Vegetal (UDV). É preparado pelo cozimento de duas espécies vegetais, sendo as mais tradicionais a Banisteriopsis caapi (cipó, jagube, mariri, ayahuasca) e a Psychotria viridis (chacrona, rainha). Como estamos diante de um uso de pelo menos dois mil anos, como aponta Naranjo (1979, 1986), e que se deu através de inúmeras formações sociais e foi ritualizado para os mais diversos fins, a primeira observação que se pode retirar do quadro diz respeito à complexidade da configuração social do fenômeno de uso e expansão da ayahuasca.
Em contrapartida, muito se tem pesquisado sobre o chá através do mundo e o Brasil tem um papel importante na configuração das políticas regulamentadoras. O aumento mais significativo do interesse pelo assunto se deu na década de 1980, quando a legitimidade do uso ritual da ayahuasca foi contestada por diversos setores sociais. Quem fez a mediação do diálogo entre uma sociedade assombrada pelo fantasma do uso de drogas inventado no final do século XIX e os grupos religiosos foram pesquisadores dentre os quais muitos simpatizaram com a causa e o uso da bebida. Seus trabalhos, no entanto, nunca foram questionados como sendo dotados de um menor valor científico. O foco de nossos interesses está colocado nesse espaço de ambiguidade compartilhado pelo antropólogo nativo.
Em todas as batalhas judiciais que enfrentou até hoje, sendo sempre associado ao uso de entorpecentes devido à presença no preparo de uma substância psicoativa conhecida como DMT, os estudos reconheceram a legitimidade do uso “estritamente religioso” do chá. No Brasil, Espanha, Holanda e Estados Unidos, o livre exercício da religiosidade está oficialmente reconhecido e ficou declarada a necessidade de preservação da prática como representante de uma tradição religiosa.
Como Beatriz Labate (2004) aponta, existe um campo de pesquisas compartilhado entre diversos países empenhado no esclarecimento das mais variadas faces dos contextos sociais ayahuasqueiros. Depois de mais três décadas de pesquisas, a discussão começa a demonstrar sinais de especialização, a dissertação que desenvolvo surge então num determinado contexto histórico tanto para os usos ayahuasqueiros como para a antropologia. Para contemplar a relação reconhecidamente imparcial entre uma disciplina acadêmica e um outro universo de conhecimento, o dos bebedores de ayahuasca, realizamos um esforço no sentido de caracterizar o processo de construção dos métodos antropológicos e o processo de construção social de legitimidade do uso da ayahuasca através do séc. XX. Nesse intento, deparamos com semelhanças que, se não justificam, ao menos esclarecem a atuação coerente de pesquisas realizadas pelos próprios ayahuasqueiros.
Minha proposta é desenvolver a dissertação em três capítulos:
1) A Ayahuasca como objeto de estudo da Antropologia
2) O antropólogo ayahuasqueiro como objeto de estudo da Antropologia
3) Um estudo de caso
No primeiro capítulo concentro um esforço teórico para compreender as transformações sobre as concepções da prática etnográfica através do séc. XX bem como realizo uma observação dos processos legais que o uso ritual da ayahuasca enfrenta pelo mundo através de sua associação ao uso de “drogas”. O “uso de drogas” como infração penal representou uma bandeira levantada por importantes países, como os Estados Unidos, e a guerra empreendida contra alguns psicoativos específicos esteve mais associada a interesses econômicos e sociais do que propriamente ao interesse científico.
Bilhões de dólares continuam sendo utilizados como ferramenta de repressão e aparentemente a questão das “drogas” em nossa sociedade nunca esteve tão incontida. Felipe Calderón, em quatro anos de mandato como presidente do México, contabiliza mais de 35 mil mortes na guerra às drogas. Cidades inteiras viraram campos de guerra contra o narcotráfico e inúmeros civis são prejudicados pela política ofensiva de controle que não está livre de erros. O contexto social de pânico relativo ao uso de drogas em todo o mundo, alimentado pelo sensacionalismo midiático, dificulta a aceitação social de práticas tradicionais como o uso ritual da ayahuasca devido à associação direta entre a prática religiosa e a presença da DMT na bebida. Os contextos sociais ayahuasqueiros são profundamente influenciados pela posição de legalidade que oficialmente detêm, sendo que, no outro extremo, a imagem do “drogado” amplamente reificada pela mídia é assumida como um exemplo daquilo que não representa a própria prática. Os processos de identificação se dão através da negação do outro (o “drogado”) e muitas vezes de acusações contra grupos ayahuasqueiros que estariam em tese violando as regras de tradição que possibilitaram o reconhecimento do uso.
No segundo capítulo, pretendo realizar entrevistas com o maior número possível de antropólogos ayahuasqueiros na tentativa de compreender o exercício da posição acadêmico-religiosa. Diversas vezes alguns aspectos diretamente ligados à prática da pesquisa podem ser minimizados no texto final como resultado de uma conjuntura acadêmico-social que demanda cientificismo e objetivismo como legitimadores per si do trabalho científico, o que coloca o antropólogo “nativo” num espaço de ambiguidade a partir do qual a enunciação precisa ser objetivamente reforçada sob pena de a emoção penalizar os resultados científicos finais.
O terceiro capítulo surge como fruto de um envolvimento com grupos do Santo Daime e da UDV em Aracaju; representa uma tentativa de colocar em prática o exercício do dialogismo etnográfico dentro das possibilidades de alargamento e apropriação temática apontados pelos dois capítulos anteriores.
Referências
LABATE, Beatriz Caiuby. A reinvenção do uso da ayahuasca nos centros urbanos Mercado de Letras, Fapesp, 2004.
NARANJO, P. "Hallucinogenic plant use and related indigenous belief systems in the Ecuadorian Amazon". Journal of Ethnopharmacology 1:121- 45. 1979.
__________ ."EI ayahuasca in Ia arqueología ecuatoriana". America Indígena 46:117-28, 1986 apud MCKENNA, Dennis J. “Ayahuasca: uma história etnofarmacológica”. In: Ayahuasca: alucinógenos, consciência e o espírito da natureza. Rio de Janeiro: Gryphus, 2002
“Ayahuasca” é um dentre os diversos nomes usados para designar um chá bebido milenarmente por indígenas na América Latina e que no Brasil, através do século XX, ganhou forma de três religiões nacionais: Santo Daime, Barquinha e União do Vegetal (UDV). É preparado pelo cozimento de duas espécies vegetais, sendo as mais tradicionais a Banisteriopsis caapi (cipó, jagube, mariri, ayahuasca) e a Psychotria viridis (chacrona, rainha). Como estamos diante de um uso de pelo menos dois mil anos, como aponta Naranjo (1979, 1986), e que se deu através de inúmeras formações sociais e foi ritualizado para os mais diversos fins, a primeira observação que se pode retirar do quadro diz respeito à complexidade da configuração social do fenômeno de uso e expansão da ayahuasca.
Em contrapartida, muito se tem pesquisado sobre o chá através do mundo e o Brasil tem um papel importante na configuração das políticas regulamentadoras. O aumento mais significativo do interesse pelo assunto se deu na década de 1980, quando a legitimidade do uso ritual da ayahuasca foi contestada por diversos setores sociais. Quem fez a mediação do diálogo entre uma sociedade assombrada pelo fantasma do uso de drogas inventado no final do século XIX e os grupos religiosos foram pesquisadores dentre os quais muitos simpatizaram com a causa e o uso da bebida. Seus trabalhos, no entanto, nunca foram questionados como sendo dotados de um menor valor científico. O foco de nossos interesses está colocado nesse espaço de ambiguidade compartilhado pelo antropólogo nativo.
Em todas as batalhas judiciais que enfrentou até hoje, sendo sempre associado ao uso de entorpecentes devido à presença no preparo de uma substância psicoativa conhecida como DMT, os estudos reconheceram a legitimidade do uso “estritamente religioso” do chá. No Brasil, Espanha, Holanda e Estados Unidos, o livre exercício da religiosidade está oficialmente reconhecido e ficou declarada a necessidade de preservação da prática como representante de uma tradição religiosa.
Como Beatriz Labate (2004) aponta, existe um campo de pesquisas compartilhado entre diversos países empenhado no esclarecimento das mais variadas faces dos contextos sociais ayahuasqueiros. Depois de mais três décadas de pesquisas, a discussão começa a demonstrar sinais de especialização, a dissertação que desenvolvo surge então num determinado contexto histórico tanto para os usos ayahuasqueiros como para a antropologia. Para contemplar a relação reconhecidamente imparcial entre uma disciplina acadêmica e um outro universo de conhecimento, o dos bebedores de ayahuasca, realizamos um esforço no sentido de caracterizar o processo de construção dos métodos antropológicos e o processo de construção social de legitimidade do uso da ayahuasca através do séc. XX. Nesse intento, deparamos com semelhanças que, se não justificam, ao menos esclarecem a atuação coerente de pesquisas realizadas pelos próprios ayahuasqueiros.
Minha proposta é desenvolver a dissertação em três capítulos:
1) A Ayahuasca como objeto de estudo da Antropologia
2) O antropólogo ayahuasqueiro como objeto de estudo da Antropologia
3) Um estudo de caso
No primeiro capítulo concentro um esforço teórico para compreender as transformações sobre as concepções da prática etnográfica através do séc. XX bem como realizo uma observação dos processos legais que o uso ritual da ayahuasca enfrenta pelo mundo através de sua associação ao uso de “drogas”. O “uso de drogas” como infração penal representou uma bandeira levantada por importantes países, como os Estados Unidos, e a guerra empreendida contra alguns psicoativos específicos esteve mais associada a interesses econômicos e sociais do que propriamente ao interesse científico.
Bilhões de dólares continuam sendo utilizados como ferramenta de repressão e aparentemente a questão das “drogas” em nossa sociedade nunca esteve tão incontida. Felipe Calderón, em quatro anos de mandato como presidente do México, contabiliza mais de 35 mil mortes na guerra às drogas. Cidades inteiras viraram campos de guerra contra o narcotráfico e inúmeros civis são prejudicados pela política ofensiva de controle que não está livre de erros. O contexto social de pânico relativo ao uso de drogas em todo o mundo, alimentado pelo sensacionalismo midiático, dificulta a aceitação social de práticas tradicionais como o uso ritual da ayahuasca devido à associação direta entre a prática religiosa e a presença da DMT na bebida. Os contextos sociais ayahuasqueiros são profundamente influenciados pela posição de legalidade que oficialmente detêm, sendo que, no outro extremo, a imagem do “drogado” amplamente reificada pela mídia é assumida como um exemplo daquilo que não representa a própria prática. Os processos de identificação se dão através da negação do outro (o “drogado”) e muitas vezes de acusações contra grupos ayahuasqueiros que estariam em tese violando as regras de tradição que possibilitaram o reconhecimento do uso.
No segundo capítulo, pretendo realizar entrevistas com o maior número possível de antropólogos ayahuasqueiros na tentativa de compreender o exercício da posição acadêmico-religiosa. Diversas vezes alguns aspectos diretamente ligados à prática da pesquisa podem ser minimizados no texto final como resultado de uma conjuntura acadêmico-social que demanda cientificismo e objetivismo como legitimadores per si do trabalho científico, o que coloca o antropólogo “nativo” num espaço de ambiguidade a partir do qual a enunciação precisa ser objetivamente reforçada sob pena de a emoção penalizar os resultados científicos finais.
O terceiro capítulo surge como fruto de um envolvimento com grupos do Santo Daime e da UDV em Aracaju; representa uma tentativa de colocar em prática o exercício do dialogismo etnográfico dentro das possibilidades de alargamento e apropriação temática apontados pelos dois capítulos anteriores.
Referências
LABATE, Beatriz Caiuby. A reinvenção do uso da ayahuasca nos centros urbanos Mercado de Letras, Fapesp, 2004.
NARANJO, P. "Hallucinogenic plant use and related indigenous belief systems in the Ecuadorian Amazon". Journal of Ethnopharmacology 1:121- 45. 1979.
__________ ."EI ayahuasca in Ia arqueología ecuatoriana". America Indígena 46:117-28, 1986 apud MCKENNA, Dennis J. “Ayahuasca: uma história etnofarmacológica”. In: Ayahuasca: alucinógenos, consciência e o espírito da natureza. Rio de Janeiro: Gryphus, 2002
sexta-feira, 15 de abril de 2011
quarta-feira, 13 de abril de 2011
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