Mostrando postagens com marcador antropologia visual. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador antropologia visual. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

ÍNDIOS E ICONOGRAFIA DIDÁTICA: EFEMÉRIDES METODOLÓGICAS

Diogo Francisco Cruz Monteiro (NPPA ⁄ GERTS ⁄ UFS)

O texto que segue pretende realizar um breve registro das etapas de constituição da metodologia que norteia as investigações inseridas no projeto de dissertação intitulado Índios e iconografia didática: análise das representações em manuais de história do PNLD 2011, em desenvolvimento no interior das atividades do Núcleo de Pós-Graduação e Pesquisa em Antropologia (NPPA), da Universidade Federal de Sergipe (UFS).

Esta pesquisa trata de identificar o nível de adequação das representações dos índios nos livros didáticos de história avaliados e distribuídos pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) do ano de 2011 aos termos da Lei 11.645⁄08, e de que maneira a sua incorporação à escrita didática pode influenciar as percepções de professores e alunos de 4 escolas públicas da cidade de Aracaju sobre as histórias e culturas indígenas.

Objetiva-se ainda analisar as formas de representações sobre os índios elaboradas pelos livros didáticos, professores e alunos do Ensino Fundamental, analisando-se as alegorias e retóricas presentes em seus discursos relacionados aos indígenas, examinar os critérios priorizados pelos professores para a avaliação e escolha dos livros didáticos, as modalidades de uso e apropriação, em situações de ensino e aprendizagem, das suas imagens e textos de temáticas indígenas, além de identificar o grau de conhecimento dos professores acerca das prescrições da Lei 11.645⁄08, e em que medida elas são contempladas em suas práticas pedagógicas cotidianas, principalmente, no que se refere aos modos de tratamento das temáticas indígenas dos livros didáticos em sala de aula.

Para a coleta de dados relacionados aos objetivos acima expostos, realizamos uma sondagem dos títulos de livros didáticos que mais foram adotados nas escolas públicas estaduais de Aracaju via PNLD 2011. Neste sentido, consultamos o Portal do Sistema do Material Didático (SIMAD), no sítio do Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE) na Internet. Nele, tivemos acesso aos títulos de livros didáticos que foram distribuídos às 61 escolas públicas estaduais aracajuanas que aderiram ao último PNLD. A partir daí, recorremos ao sítio na Internet da Secretária de Estado da Educação (SEED-SE), que fornece informações sobre as coleções de livros que foram adotadas nas respectivas escolas da rede. Somente assim, obtivemos uma percepção apurada sobre o nível de abrangência dos manuais nas instituições de ensino públicas estaduais de Aracaju.

Desta forma, optamos pela escolha para a análise dos 4 títulos de livros didáticos mais consumidos nas escolas públicas estaduais da cidade de Aracaju, a saber: História sociedade e cidadania (BOULOS JÚNIOR, 2009), Projeto Radix – História (VICENTINO, 2009), Saber e Fazer História: História Geral e do Brasil (COTRIM; RODRIGUES, 2009) e História e vida Integrada (PILETTI, N; PILETTI, C; TREMONTE, 2009). Destes manuais, examinamos aqueles volumes dedicados ao 7º ano do Ensino Fundamental, pois neles, segundo especialistas, estão contemplados de maneira mais recorrente os conteúdos relativos à história e cultura indígenas, sobretudo, quando se trata de suas experiências no período colonial americano.

As representações sobre os indígenas presentes nos livros didáticos foram expressas por meio da análise conjunta dos conteúdos de suas imagens e textos. Assim, trabalhamos com imagens de naturezas diversas, objetos de descrições, comentários e análises críticas dos autores, presentes tanto nos textos das legendas como nos textos nucleares dos manuais analisados.

O elemento indígena foi identificado nas imagens, através das legendas ou a partir dos textos base anexos que descrevem, analisam e explicam os seus conteúdos. Consideramos apenas as ilustrações em que o índio aparece em primeiro plano e descrito ou definido como “índio”. Por conta da possível deterioração das páginas, da dificuldade de reconhecimento de indivíduos da etnia indígena em imagens de multidões, pela falta de nitidez e má adequação da técnica empregada na figura à página, utilizamos a identificação visual imediata e as informações obtidas através das legendas e textos nucleares.

Após a conclusão destas etapas, cruzamos as informações extraídas da descrição e análise das imagens e dos textos, para percebermos o nível de conexão entre as visões sobre os índios presentes simultaneamente nos textos visuais e verbais, que conformam o universo dos significados tecidos pelos livros didáticos.

O conhecimento sobre os critérios de avaliação e escolha dos livros didáticos, as formas de uso e apropriação de suas imagens e textos de temáticas indígenas, das representações de professores e alunos acerca dos índios e suas culturas, além da identificação do grau de conhecimento dos professores acerca da Lei 11.645⁄08, e do reflexo das suas prescrições nas atividades pedagógicas das escolas públicas de Ensino Fundamental de Aracaju, exigiram o estabelecimento de critérios para o recorte do público alvo a ser investigado e de novos procedimentos metodológicos para a coleta e análise dos dados.

Desta forma, decidimos estudar o cotidiano das práticas pedagógicas de 4 instituições de Ensino Fundamental da cidade de Aracaju: Escola Governador João Alves Filho, Escola Estadual Professor Acrísio Cruz, Colégio Estadual Leandro Maciel e Escola Estadual Senador Lourival Fontes. Nelas, iniciamos a extração de informações por meio de observações e posteriores descrições das aulas da disciplina história em 4 classes do 7º ano, respectivamente, uma classe para cada escola e de depoimentos coletados de entrevistas com professores e alunos.

A seleção das instituições e do público escolar (professores e alunos), acima citados, para a investigação é atribuída ao fato de adotarem e consumirem os livros didáticos mais solicitados entre as escolas aracajuanas durante o PNLD 2011. Esta escolha deveu-se ainda ao distanciamento territorial da comunidade escolar de Aracaju em relação às comunidades indígenas. Portanto, os professores e alunos de Aracaju constituem público privilegiado para a captação de impressões específicas e originais sobre os índios, que são construídas, primordialmente, a partir de leituras e interpretações das imagens e textos dos livros didáticos de história, seus principais meios de contato com estes povos e seus modos de vida.

Aqui é importante destacar que, estes últimos procedimentos da pesquisa (observações de campo) tiveram sua efetivação comprometida, em parte, devido à greve ocorrida durante quase todo o mês de maio do corrente ano, quando os docentes da rede pública estadual de ensino reivindicavam ao governo do Estado, via Sindicado dos Trabalhadores da Educação do Estado de Sergipe (SINTESE-SE) o cumprimento da Lei que estabelece o pagamento integral do piso salarial nacional aos professores.

As observações encontraram novos obstáculos nos cronogramas que orientam as aulas dos professores de história daquelas instituições. Eles, geralmente, elaboram o roteiro anual de aplicação dos conteúdos programáticos baseando-se na cronologia histórica proposta pelos livros didáticos de história. Por isso, naquelas escolas cujos livros didáticos trabalham os conteúdos de história e cultura indígenas nos seus capítulos derradeiros, as observações etnográficas tiveram de ser canceladas. Porém, apesar destes percalços, foram observados, num espaço de 4 meses, entre abril, junho, julho e agosto, momentos didáticos de história em que se abordavam conteúdos sobre indígenas, na Escola Estadual Lourival Fontes e no Colégio Estadual Leandro Maciel. Além disso, realizamos ainda 13 entrevistas com professores e alunos das escolas selecionadas para a pesquisa.

Apesar de todo esforço empregado para o cumprimento destas laboriosas tarefas de campo, e das dificuldades enfrentadas como aquelas relativas à aproximação dos informantes (professores e alunos) e ocasionadas pela greve docente acima relatada, a submissão da nossa proposta de pesquisa à banca de qualificação do NPPA, ao levar em consideração as críticas e sugestões dos seus componentes, apontou para a possibilidade de mudanças de orientações metodológicas, que de certa forma subtraem da análise os dados etnográficos coletados.

Neste sentido, a pesquisa tenderá, neste período de finalização de seus procedimentos metodológicos e de escrita do texto definitivo da dissertação, a focalizar as representações sobre os índios presentes nos manuais didáticos do PNLD 2011, analisando-se as alegorias e retóricas constantes em seus discursos acerca dos indígenas. Porém, os dados coletados durante as observações de campo, desde que analisados e transformados em relatos de experiência de pesquisa, podem contribuir, sobremaneira, para desvelar quais são os reflexos das prescrições da Lei 11.645⁄08 nas práticas pedagógicas cotidianas de professores e alunos, principalmente, quando se trata das formas de tratamento das temáticas indígenas em sala de aula por meio do uso que fazem das imagens e textos dos livros didáticos de história.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

ÍNDIOS E ICONOGRAFIA DIDÁTICA: ANÁLISE DAS REPRESENTAÇÕES EM MANUAIS DE HISTÓRIA DO PNLD 2011

(por Diogo Monteiro)

O texto que segue apresenta as propostas de um projeto de pesquisa, que estuda as formas de representação dos índios, a partir das imagens inseridas nos livros didáticos aprovados pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), edição 2011. O objetivo central é analisar as formas de representação elaboradas pelos autores de manuais escolares de história acerca da cultura e modos de vida indígenas. Pretende-se, ainda, perceber como consumidores de livros escolares, professores e alunos de escolas públicas estaduais da cidade de Aracaju, apropriam-se dessas imagens e constroem suas impressões sobre os índios.
Ao inserir nossas reflexões no interior dos debates acerca das implicações político-pedagógicas geradas pela instituição da Lei 11.645/08, que estabelece a obrigatoriedade da inclusão de conteúdos de História e Cultura indígenas no currículo de escolas do ensino básico, públicas e particulares do Brasil, levantamos os seguintes questionamentos: em que medida os conteúdos das imagens e dos textos dos livros didáticos, avaliados e distribuídos pelo PNLD 2011, refletem as disposições da Lei 11.645/08? Os autores de livros didáticos, a partir de uma visão relativizadora, atendem aos imperativos de respeito à diversidade cultural indígena e valorização das suas contribuições à formação da sociedade brasileira? Ou perpetuam a visão eurocêntrica sobre seus costumes e modos de vida? E, no âmbito das práticas de ensino-aprendizagem escolar da história, como professores e alunos têm reagido à introdução destas inovações legislativas nos livros didáticos que consomem? De que maneira estes manuais têm influenciado na construção de suas representações sobre a alteridade indígena?
Será relevante para o desenvolvimento da investigação o diálogo com o conceito de livro didático difundido pelo professor Kazumi Munakata, que afirmou: “O livro didático é um artefato de papel e tinta, costumeiramente utilizado em situações didáticas.” (MUNAKATA, 1997, p. 84). Ele, porém alerta: “não são meramente ideias, sentimentos, imagens, sensações ou significações que o texto possa representar. Nem tampouco é o texto em abstrato, pois esse texto de que as pessoas normalmente veem apenas ideias, sentimentos, imagens, etc., é constituído de letras (confeccionadas com tinta sobre o papel) segundo uma família de tipo (ou face de tipo ou fonte), que lhes dá homogeneidade. ”(id.,).
Já a imagem, elemento de imprescindível importância na constituição da materialidade dos impressos, será aqui entendida não como o “real”, mas pelo menos, como o seu “analogon” perfeito. Impregnada desta perfeição analógica da realidade, a imagem comporta duas mensagens: uma mensagem denotada, o próprio “analogon”, e uma mensagem conotada, a maneira pela qual a sociedade oferece à leitura, dentro de certa medida, o que ele pensa (BARTHES, 1990, p. 12-13).
Desta forma, entendemos representação, a partir de Foucault (1970 apud BURKE, 2004, p. 219), como uma imagem cuja produção e significado não se restringem à reprodução da realidade em si mesma, e que estão intimamente vinculadas às normatizações da sociedade. Em síntese, ela seria “uma imagem verbal ou pictórica de algum objeto, feita de acordo com um determinado conjunto de convenções”, que interessavam mais do que a maior ou menor fidelidade com a qual o objeto foi descrito ou pintado.
Esta pesquisa terá como fontes fundamentais para a extração de dados, alguns dos manuais listados no Guia do Livro Didático do PNLD 2011, selecionados pelos professores e gestores de escolas de Ensino Fundamental da rede pública estadual da cidade de Aracaju.
A triagem das obras a serem analisadas nesta investigação, seguiu o critério dos títulos do 7º ano mais adotados durante o processo de avaliação e escolha dos livros didáticos pelos professores e gestores de escolas públicas estaduais da cidade de Aracaju, a partir do Guia do Livro Didático do PNLD 2011.
Optamos por analisar os volumes dos livros didáticos do 7º ano do Ensino Fundamental, por neles estarem, geralmente, contemplados de maneira mais recorrente, os conteúdos de cultura e história indígena, quando trata, mais especificamente, do período colonial da história do Brasil e da América.
Efetivada a seleção das obras didáticas, realizaremos a classificação dos tipos de imagens inseridas em suas laudas (desenhos, gráficos, pinturas, xilogravuras, litogravuras, fotografias, reproduções, entre outros), pelo fundamento dos níveis de iconicidade, em que cada imagem possui um potencial expressivo e certa carga informacional.
As representações acerca dos povos indígenas, elaboradas pelos autores de livros didáticos alvos da investigação, serão percebidas através de uma análise conjunta dos conteúdos das imagens, legendas e textos nucleares.
Após a conclusão desta fase, cruzaremos as informações extraídas da descrição e da análise das imagens e dos textos para percebermos o nível de conexão entre as visões sobre os índios presentes simultaneamente nos textos visuais e verbais, que conformarão o universo dos significados tecidos pelos autores dos livros didáticos.
Coletaremos amostragens entre professores e alunos da área urbana de Aracaju. A comunidade escolar que habita esta região, distanciada territorialmente de comunidades indígenas, constitui um público privilegiado para a captação de impressões específicas e originais sobre os índios, que são construídas, primordialmente, a partir de leituras e interpretações das imagens e textos dos livros didáticos de história, seus principais meios de contato com estes povos e seus modos de vida.
Serão gravadas e filmadas entrevistas com 4 professores e 8 alunos do 7º ano de 4 instituições de Ensino Fundamental de Aracaju. Os depoentes serão submetidos a roteiros de entrevista de memória oral, que tratarão das suas trajetórias de vida (familiar, estudantil e profissional) e de aspectos relacionados aos processos de escolha, usos e apropriações do livro didático de história, principalmente, no que se refere às imagens sobre os índios inseridas em suas laudas.
Efetivaremos ainda a etapa de transcrição das entrevistas, a passagem dos depoimentos coletados da forma oral para a escrita. A partir destas transcrições, realizaremos a leitura, seleção e escolha dos trechos mais importantes das falas dos entrevistados, que servirão como base para a extração e interpretação das informações disponibilizadas.
O primeiro capítulo da pesquisa tratará da apresentação formal dos livros didáticos. Realizaremos uma breve exposição das características gerais das imagens sobre os índios, destacando o lugar que elas ocupam no interior das laudas, sua distribuição por unidades e capítulos, as tipologias, cores e temáticas mais recorrentes. Numa seção posterior, observaremos a construção das representações sobre os índios elaboradas pelos autores, a partir da conexão analítica entre imagens, legendas e textos base de seus livros didáticos.No segundo tópico, realizaremos breve exame das características epistemológicas dos livros didáticos, para compreendermos, ainda que residualmente, qual a concepção de História ou paradigmas historiográficos e sócio-antropológicos esses livros representam ou privilegiam.
No segundo capítulo, apreciaremos, pelos dados coligidos das entrevistas com professores e alunos, os critérios de avaliação e escolha dos manuais adotados, bem como as formas de uso e apropriação em situações didáticas das suas imagens sobre os índios.
No terceiro e último capítulo, exporemos as impressões dos professores e alunos acerca das culturas e modos de vida indígena, destacando a sua constituição por intermédio dos suportes imagéticos introduzidos nos manuais escolares de história analisados.

Referências
BARTHES, R. O óbvio e o obtuso: ensaios críticos III. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990
BURKE, P. Testemunha ocular: História e imagem. Bauru, SP, EDUSC, 2004.
MUNAKATA, K. Produzindo livros didáticos e paradidáticos. São Paulo, 1997. Tese (Doutorado em História e Filosofia da Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
BRASIL, Presidência da República. Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008. Dispõe sobre a obrigatoriedade dos estudos de história e cultura afro-brasileira e indígena nos estabelecimentos de Ensino Fundamental e de Ensino Médio, públicos e privados, no Brasil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 mar. 2008.

Fontes a serem consultadas
COTRIN, Gilberto; RODRIGUES, Jaime. Saber e Fazer História – História Geral e do Brasil. São Paulo: Saraiva Livreiros Editores. 2009.
JÚNIOR, Alfredo Boulos. História Sociedade e Cidadania – Nova edição. 7º ano. São Paulo: Editora FTD. 2009.
PILETTI, Nelson; PILETTI, Claudino; LEMOS, Thiago Tremonte. História e vida integrada. 7º ano. São Paulo: Editora Ática. 2009.
VICENTINO, Cláudio Roberto. Projeto Radix – História. São Paulo: Editora Scipione. 7º ano. 2009.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Juventudes e cinema no Brasil: memórias da ditadura militar

Mais de 40 anos depois do golpe militar ocorrido no Brasil, em 02 de abril de 1964, Barros (1994) acredita que a memória do regime ditatorial que se seguiu a ele pode parecer apenas um amontoado de generais-presidentes que desfilam de forma impositiva pela história do Brasil. Porém, há outras memórias sobre o período que buscam ser compartilhadas, já que a produção de uma memória supõe que outra foi silenciada, ou apenas não evidenciada.

O presente texto busca apresentar algumas questões sobre o meu projeto de dissertação de mestrado em antropologia, ainda em fase inicial. Partindo da ideia de que a ditadura militar é um tema que ainda mereça muita discussão e que, geralmente, tem apenas um lado mais divulgado, principalmente aos jovens, o trabalho busca analisar o cinema como um mecanismo de disseminação de memórias às juventudes de hoje sobre o período no Brasil.

As formas pelas quais o país passou da ditadura para a pós-ditadura, lenta e sem julgamento devido, “provocam diferentes imposições de silenciamento sobre os crimes cometidos” (SOUZA, 2008, p. 58). A questão das memórias da ditadura no país pode ser discutida através do que nos diz Pollak, que aponta o retraimento de lembranças sobre eventos e experiências traumáticas (POLLAK apud SOUZA, 2008, p. 58).

O cinema, devido o uso de imagens e a maneira com que se comunica com o espectador, além de ser uma forma de entretenimento, é um importante mecanismo de transmissão de informação. Imagens postas, dispostas podem ou não provocar reflexões e ser promotoras e construtoras de memórias. Neste caso, memórias com o sentido atribuído por Halbwaschs: como leituras do passado elaboradas no presente, sendo individuais e coletivas ao mesmo tempo. “O processo de rememoração provocado pela linguagem fílmica é ainda mais marcante” (ZANINI, 2008, p. 4) pela possibilidade de comunicação e facilidade de contar uma história.

Até o momento, o objetivo principal da pesquisa é entender como e de que forma o cinema pode revelar à juventude de hoje uma nova perspectiva sobre o período ditatorial brasileiro, diferente daquela contada pela história oficial e livros nas escolas, entendendo que a memória é um importante mecanismo de manipulação e criação de identidades. Dentre os objetivos específicos, a dissertação pretende também analisar como o cinema brasileiro trabalha com a temática, entender como o cinema produzido no país lida com a juventude e analisar a forma que obras transmitem uma história.

A pesquisa busca encontrar, a partir de uma interpretação da arte cinematográfica, uma sensibilidade maior sobre o período analisado, compreendendo como tais memórias individuais podem se tornar importantes para a criação da memória coletiva. Para Geertz (1997), a capacidade de uma arte fazer sentido varia de indivíduo para outro, é, como todas as outras capacidades plenamente humanas, um produto da experiência coletiva que vai bem mais além dessa própria experiência. O diálogo entre cinema, história e memória (SANTOS, 2009) é possível devido a importância que os filmes têm hoje na vida das pessoas. A arte faz parte da vida e não há outro meio de interpretá-la senão dentro do curso da vida do mundo (GEERTZ, 1997). No caso das obras cinematográficas sobre a ditadura militar, “os filmes organizam imaginativamente, pela emoção, uma memória suplementar, a qual se refere tanto àquele passado como aos momentos posteriores” (SOUZA, 2008 p. 51).

Os filmes selecionados para análise serão a partir do período conhecido como “retomada do cinema brasileiro”, em 1995. No primeiro momento, no qual se encontra a presente pesquisa, está sendo realizado um levantamento bibliográfico e filmográfico para concluir a metodologia, além de entender a relação entre memória, cinema e antropologia. A princípio, o passo seguinte é analisar a relação do jovem com o cinema brasileiro, a partir do levantamento de filmes feitos para a juventude e a recepção deles pelo público, pesquisando dados como bilheteria, temáticas e a forma como o jovem é retratado.

Em seguida, haverá uma discussão de aspectos da ditadura militar no Brasil, além de um estudo de como os filmes nacionais tratam o tema, analisando obras consideradas importantes devido a temática, seu sucesso e a história por trás de sua produção, como Batismo de Sangue e Ação entre Amigos.

Por último, será demonstrado como o cinema pode ajudar a contar outra história da ditadura no país, disseminando diferentes memórias para a juventude e como ela a recepciona, a partir da análise da linguagem, da narrativa, dos atores, das histórias e também da carreira cinematográfica, a recepção e a opinião dos jovens.

Barbosa (1999) acredita que o cinema e a antropologia têm estabelecido um intenso diálogo ao longo de suas histórias, sendo um deles compreender as relações entre a produção imagética de uma sociedade e sua própria vida social. Sem cair ingenuamente no engano de considerar o cinema como espelho da vida, procura-se caminhos para desvendar essa complexa relação entre arte e vida

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BARBOSA, Andréa C. M. Marques. Ana Lúcia Andrade. O filme dentro do filme. Revista de Antropologia, 2000. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-77012000000100013. Acesso em outubro de 2010.
BARROS, Edgar. Os governos militares. São Paulo: Editora Contexto, 1994.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1978
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, Editora Revista dos Tribunais, 1990.
POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Rio de Janeiro: Estudos históricos, 1989.
SOUZA, Maria Luiza Rodrigues. Tese de doutorado: Um estudo das narrativas cinematográficas sobre as ditaduras militares no Brasil (1964 – 1985) e na Argentina (1976 – 1983). Brasília: Universidade de Brasília, 2007.
ZANINI, Maria Catarina Chitolina. Por que cinema com antropologia? Breve relato de uma experiência etnográfica de recepção fílmica. UFSCAR, 2008.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

A Simbologia do corpo em 'Antropologia da Comunicação Visual', de Massimo Canevacci.



Com o término da guerra fria (década de 1950) a juventude libertou-se da perspectiva da experiência da guerra, de fato, e com isso emergiu dentre os mesmos uma falsa sensação de liberdade, a qual era expressa nas vestimentas, no comportamento e no imaginário. No entanto, tal sensação de liberdade chocava-se diretamente com as normas morais vigentes de então, e com ela, veio também uma grande onda de repressão à mesma. Dentro desses anos, no meio de todas as contradições sociais de então, “O corpo tornou-se o símbolo que remete à utopia de uma sociedade harmonizada com a natureza, depois de dissolvidas as ilusões das mercadorias.” (CANEVACCI, 1990) e as crescentes quantidades de imagens que remetiam ao mesmo iam de encontro com as relações jurídicas e éticas de tal contexto.

Um belo retrato de tal momento pode ser conferido no filme Easy Rider, dirigido por Dennis Hopper e lançado em 1969, onde dois amigos viajam pelos EUA no fim da década de 1960, experimentando tanto as venturas quanto as desventuras desta incipiente liberdade. As mensagens corporais tornam-se uma obsesão da civilização, ao mesmo tempo em que supostamente legitimam a maturidade dos indivíduos . Uma “cultura do consumo”, onde cada um e seu modelo de vida tornam-se mercadorias, passa a se instituir e se estabelecer a partir do estabelecimento e difusão compulsiva de símbolos. Tais símbolos incitam seu consumo, e minúcias passam a distinguir roupas e livros, bem como classes e subculturas.

A troca de mercadorias passa a implicar em troca de imagens e experiências corporais, segundo Canevacci, nasce um “status game” onde cada um expõe seus próprios signos e dedica-se a decifrar os que os cercam, para chegar dessa forma a uma “consciência do seu papel”. Esta sociedade, definida pelo autor como “pós-industrial”, utilizada tão demasiadamente os signos que termina por gerar uma “sign-flacion” onde o corpo situa-se no centro. Tal ‘cultura do consumo’, preocupa-se mais com o estabelecimento de hierarquias e diferenças de gosto, do que com sua suposta autonomia.

No interior do significado do termo símbolo, subjaz a existência de algo maior ao qual tal símbolo remete, este funciona como a parte fracionada de um todo e aludir constitui sua “condição existencial”. Com o advento da sign-flacion, o processo de simbolização começa retroceder. Segundo Canevacci, uma pressão social passa a desejar com mais intensidade uma união rápida do signo ao todo que representa, iniciando dessa forma uma “dessimbolização do corpo em público”. Cultura de massa e cultura visual passam a fundir-se.

Para Canevacci, 2 exemplos dessa ânsia pela união rápida ou até mesmo óbvia entre o símbolo e seu todo são fundamentais, a video-music e as simulações sexuais em público. Segundo o autor, o corpo e o sexo tornam-se mais eles mesmos, na medida em que passam a ser visualizados, musicalizados e representados em público, “(...) os símbolos sexuais, expressos tradicionalmente pela música e pela dança, são agora concentrados e acelerados em performances repetitivas – o video scape -, que expõe atos genitais dessimbolizados.” (CANEVACCI, 1990). Esse novo cenário, dos clipes musicais, proporcionam uma paisagem onde o narcisismo e a simulação sexual se condensam em verdadeiros “manuais sexuais”. As imagens abaixo foram retiradas de clipes musicais contemporâneos:

Prince 50 Cent Lady Gaga

Simulações sexuais em público é o segundo exemplo, citado por Canevacci. Segundo o autor, tais simulações representam transformações antropológicas mais abrangentes referentes aos valores sociais aceitos. O quadro abaixo, retirado do texto de Canevacci, exemplifica tais posições, atravéz das quais os jovens, a partir da divulgação de habitos privados, adquirem status de maturidade genital.



Numa breve comparação conclusiva, o videograma musical de Prince ou de Madonna produz um video-scape através da reprodutididade técnica; e o ideograma corporal dos jovens pares produz um visual-scape através da aurática ‘hic et nunc’. Ambos são aspectos da ‘paisagem cultural visual, que unifica os códigos e comportamentos através da dessimbolização do herói em público. ” (CANEVACCI, 1990). A comunicação visual, e sua característica reprodutividade, proporciona ao corpo, então, a capacidade de apresentar-se como ambiente rico em possibilidades de montagens simbólicas.


Referências

- CANEVACCI, Massimo. Antropologia da Comunicação Visual. São Paulo, Editora Brasiliense, 1990.

- RIBEIRO, José da Silva. NOTAS PARA UM DEBATE EM ANTROPOLOGIA VISUAL. Revista Mackenzie Educação, Arte e História da Cultura, 2003/2004. Disponível em http://www.mackenzie.br/fileadmin/Editora/Revista_Arte_Historia_Cultura/Revista_20Mack._20Arte_20jose_20da_20silva_20ribeiro_2006.pdf. Acesso em 07/07/10.


Texto produzido por Carla Luedy para o Gerts.


Ps: publico através da conta de Yérsia devido a problemas com a minha.