Por Diogo Monteiro
Clifford Geertz (1926-2006) foi um antropólogo estadunidense professor da
Universidade de Princeton, em Nova Jersey. É o fundador da Antropologia
Hermenêutica ou Interpretativa, que floresceu a partir dos anos 1950, representando
um divisor de águas na teoria antropológica contemporânea.
A epistemologia de Geertz se desenvolveu como um contraponto ao modelo
estrutural Levi-straussiano. Para o estruturalismo, o conhecimento deveria originar-se
da elaboração de conceitos abstratos que explicariam, de modo homogêneo, os
diversos contextos empíricos observados pelo analista. Já o viés interpretativo,
propagado por Geertz, baseava-se na ideia de que a compreensão dos fenômenos
sociais deveria partir dos casos concretos - da empiria - através dos quais a
elaboração de teorias amplas seria possível.
Estudioso dos temas sobre religião, Geertz realizou pesquisas de campo na
Indonésia e no Marrocos. Dentre as suas obras publicadas, destacamos: Islam Observed (1968), A Interpretação das Culturas (1973), Negara. The theatre-state in Bali
(1980), O Saber Local (1983), Obras e vidas (1988), After the fact (1995) e Nova Luz Sobre a Antropologia (2000).
Em Uma Descrição Densa: Por uma
Teoria Interpretativa da Cultura - primeiro capítulo da obra A Interpretação
das Culturas - Geertz se propõe, em termos gerais, lançar novas bases para
a constituição do saber antropológico. Neste sentido, o autor trata da
especificidade da cultura como objeto de análise da antropologia, da sua
natureza enquanto conceito antropológico e das peculiaridades do fazer
etnográfico.
O autor inicia suas reflexões questionando a validade da aplicação
universal de conceitos científicos para a explicação de diversos fenômenos. Ao
combater a versatilidade do uso destes conceitos, afirmando que eles não são
passíveis de explicar tudo o que é humano, Geertz defende o emprego limitado do
conceito de cultura para a área da Antropologia, tornando-o mais especializado
e teoricamente mais poderoso (GEERTZ, 1978, p. 14).
No intuito de superar o uso corrente do conceito de cultura
estrutural-funcionalista, visto como “aquele todo complexo”, que inclui os
comportamentos universais das sociedades humanas, Geertz observa na cultura o
seu caráter “semiótico”. Como Max Weber, Geertz acredita que o homem é um
animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu e, a cultura, seria
essas teias e a sua análise. Em suma, ela não seria uma ciência experimental em
busca de leis, mas uma ciência interpretativa à procura do significado (GEERTZ,
1978, p.15).
Geertz indica que para compreender a ciência antropológica não é suficiente
debruçar-se sobre os seus resultados, suas teorias ou inteirar-se do que os
seus entusiastas falam sobre ela. Para isso, é necessário observar o que os
seus praticantes fazem: a etnografia, um esforço elaborado para uma “descrição
densa”, cujo objeto seria a análise “da hierarquia estratificada de estruturas
significantes, em termos das quais, segundo o exemplo extraído de Gilbert Ryle,
os tiques nervosos, as piscadelas, as falsas piscadelas, as imitações, os
ensaios das imitações são percebidos e interpretados”. (GEERTZ, 1978, p. 17).
Ao observar a cultura como um texto, Geertz sugere que fazer a etnografia
é como tentar ler – no sentido de “construir uma leitura de” – um manuscrito
estranho, desbotado, cheio de emendas suspeitas e comentários tendenciosos,
escrito não com os sinais convencionais do som, mas com exemplos transitórios
de comportamento modelado (GEERTZ, 1978, p. 20).
Geertz polemiza acerca do caráter objetivo ou subjetivo da cultura. Ao
combater as proposições da etnociência – antropologia cognitiva/psicológica –
que percebe a cultura como uma manifestação subjetiva da mente humana, o autor
enfatiza a sua essência pública, afirmando que os significados dos
comportamentos são compartilhados pelos indivíduos que convivem em determinados
contextos.
A etnografia, segundo Geertz, tem como fim situar o pesquisador entre os
nativos, sem que para isso ele tenha a pretensão de tornar-se um deles. O que
se pretende é conversar com eles, alargar o universo do discurso humano. Neste
particular, a cultura se desvencilharia da sua tendência hegemônica e abriria
espaço para a audiência das vozes dos nativos, possibilitando a compreensão dos
significados das suas condutas através dos seus pontos de vista particulares.
Deste modo, Geertz nos orienta a tratar as descrições etnográficas como
“construções de construções” dos nativos, encaradas em termos das
interpretações às quais pessoas de uma denominação particular submetem suas
experiências. Assim, os textos antropológicos seriam interpretações de segunda
e de terceira mão – somente o “nativo” faz interpretação de primeira mão – são
ficções, algo construído, modelado, não que sejam falsas, não-factuais ou
apenas experimentos de pensamento (GEERTZ, 1978, p. 25-26).
A descrição densa, para Geertz, possui quatro características principais:
é interpretativa, interpreta o fluxo do discurso social, fixa-o em suportes
pesquisáveis com o intuito de salvá-lo da extinção e é microscópica. Para esta
última propriedade, o autor estabelece que por meio da análise empírica extensiva
de contextos circunscritos - de assuntos extremamente pequenos-, a Antropologia
acessa grandes temas e realiza análises mais abstratas. “Os antropólogos não
estudam as aldeias [...] eles estudam nas aldeias”. (GEERTZ, 1978, p. 32).
Geertz observa a Antropologia Interpretativa como um conhecimento
científico não-cumulativo, em perpétua construção, cujos resultados são frequentemente
contestáveis. Segundo o autor, o progresso da ciência não se dá através do
consenso relacionado às pesquisas anteriores, mas por meio do debate e
contestação das inferências estabelecidas. Apesar disso, o autor constata que o
grau de validade de dado referencial teórico dependerá do seu maior ou menor
poder de explicação para os novos problemas analisados.
Portanto, os pressupostos teóricos de Geertz colaboraram para a renovação
da ciência antropológica contemporânea. Alvo de apreciações que a rotulavam
como perspectiva acrítica – ela obscurecia as mazelas vivenciadas pelos grupos
nativos – e da acusação de promover “racismo às avessas” – a valorização da
cultura alheia como critério para o julgamento pessimista da sociedade ocidental
– a antropologia de Geertz revelou, na realidade, os meios possíveis para a
superação da tendência etnocêntrica que ainda vigorava na prática
antropológica.
Desta forma, Uma Descrição Densa:
Por uma Teoria Interpretativa da Cultura, ao apresentar uma escrita
complexa, eivada de termos científicos, aprofundando debates epistemológicos
acerca da natureza da prática etnográfica, será lido com grande proveito por
estudantes e professores universitários das áreas da Antropologia, Sociologia,
História e demais interessados em aprofundar seus conhecimentos acerca das
teorias antropológicas contemporâneas.
Referência bibliográfica
GEERTZ,
Clifford. Uma Descrição Densa: Por uma Teoria Interpretativa da Cultura.
In:_____. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1978. Cap. 1, p. 13-41.