quarta-feira, 21 de julho de 2010

Uma Descrição Densa: Por uma Teoria Interpretativa da Cultura

Por Priscilla Araujo Guarino Silveira


Clifford James Geertz nasceu no dia 23 de agosto de 1926 na cidade estadunidense de São Francisco e morreu no dia 30 de outubro na Filadélfia. Ele foi um grande antropólogo, professor da Universidade de Princeton em Nova Jérsei e autor de importantes obras que ainda hoje contribuem para os estudos das ciências sociais. Dentre elas destacam-se: O Saber Local, Obras e Vidas, Nova Luz Sobre a Antropologia e A Interpretação das Culturas.
O livro A Interpretação das culturas é um tratado de teoria cultural desenvolvido através de análises concretas. Ele é constituído de cinco partes e tem em seu primeiro capítulo uma critica de Geertz ao uso desenfreado do conceito de cultura, pois, para o antropólogo o uso “desmedido” desse conceito confunde mais aos estudiosos, do que os esclarece em suas pesquisas. Assim, para o autor, esse conceito de cultura é essencialmente semiótico, pois ela não serve a uma ciência experimental regida por leis, mas, serve a uma ciência interpretativa em busca de significados e conclusões. Desta forma, a cultura não simboliza um poder sobre os quais possam ser atribuídos casualmente os comportamentos, os acontecimentos sociais, as instituições e os processos, o que de fato ela simboliza é um contexto na qual todos estes elementos estão inseridos.
Depois de analisar o uso do conceito de cultura, Geertz prossegue neste capítulo descrevendo qual é o objeto da antropologia e o que é a descrição densa. Deste modo, para o autor, o objeto antropológico é uma hierarquia de estruturas significantes e superpostas que permitem distinguir um comportamento espontâneo como um tique nervoso de suas imitações e de seus ensaios de imitações, através da observação e da interpretação do comportamento ocorrido. Já a descrição densa é analisada por Geertz como parte integrante do objeto antropológico, pois, distingue um tique nervoso de uma simples piscadela, por ser ela formada de dados significantes, cuja densidade exige interpretações. E essa descrição densa possui características peculiares, pois, além de ser microscópica, ela interpreta o fluxo do discurso social para salvar e transformar tudo o que fora dito em registros pesquisáveis, de modo que ele não se extinga.
Clifford Geertz ainda nesse capítulo, explica ao leitor o que significa à luz da antropologia a escrita fixa. Segundo ele, tudo aquilo que é falado num discurso é carregado de significados e do mesmo modo que a descrição densa exige que se compreenda o que fora dito e que se interprete o acontecimento, assim também o é a escrita fixa. Por isso, os textos antropológicos são considerados interpretações, porém, interpretações de segunda e terceira mão, pois, só é considerada de primeira mão a interpretação feita pelos interlocutores do diálogo original, já que a sua cultura está inserida no discurso. Assim, para o autor, a interpretação de um discurso seguida de sua escrita fixa faz parte do conhecimento antropológico e a cada pesquisa, é importante aprofundar a busca pelas particularidades e as condições de entendimento das culturas localizadas, diferentemente do que sugeria Levi- Strauss que propunha interpretar o conhecimento antropológico através da unidade psíquica do pensamento.
O autor conclui sua analise dizendo que ao olharmos as dimensões simbólicas dos comportamentos e ações sociais (arte, moralidade, religião, lei, ideologia, senso comum e etc.), não devemos afastar os nossos dilemas existenciais da vida em favor de algum domínio empírico de forma não emocionalizada, mas, que devemos mergulhar no meio delas. Sendo assim, a vocação essencial da antropologia não é responder as nossas questões mais profundas, mas colocar a nossa disposição as respostas que outros deram e assim incluí-las no registro de consultas para que estes posteriormente venham a ser pesquisados.
Por fim, esse primeiro capítulo apesar de toda sua “densidade” é muito importante para aqueles que são amantes das ciências sociais. Pois, para que possamos ampliar nosso conhecimento antropológico é necessário que leiamos e entendamos a analise que Geertz faz sobre o uso do conceito de cultura, o objeto antropológico, descrição densa e a escrita fixa.

Bibliografia:

GEERTZ, Clifford James. A Interpretação da Cultura. In: Uma Descrição Densa: Por uma Teoria Interpretativa da Cultura. Rio de Janeiro: Zahar Editoriais, 1978, PP 13-41.

8 comentários:

Felipe Araujo disse...

É interessante olhar para a antropologia interpretativista de Geertz a partir do debate contemporâneo sobre identidade e relações interétnicas que se desenvolve no grupo. Os efeitos da mundialização tecnológica sobre as sociedades, por um lado, aparentemente não encontraram totalidade para uma análise a partir da teoria de Geertz, porém as obras dele estão na base da discussão antropológica contemporânea e percorrem várias décadas de produção dos estudos antropológicos, dos anos 50 até a publicação de seu último livro, "Uma nova luz sobre a Antropologia", em 2000.

Martha disse...

Interessante pensar na dupla vocação em que a Antropologia se consiste a partir do que Geertz discute, no que tange a capacidade retórica e imaginativa dos autores e por outro lado a experiência destes no trabalho de campo, uma vez que a compreensão da prática da etnografia é fundamental para Geertz e essa requer não só o estabelecimento de relações, a seleção de informantes, a transcrição de textos, o levantamento de genealogias, o diário de campo e outras tantas práticas, como também exige um esforço intelectual que possa definir o empreendimento feito, indo no sentido do que ele chama de descrição densa (aqui mais uma vez lembrando as piscadelas). Outra coisa que me chama a atenção para comentar aqui caminha na direção das minhas pesquisas debruçdas sobre as Religiões Afro-brasileiras aqui em Sergipe, e sendo a relação entre religião e cultura objeto de sucessivas discussões no âmbito da Antropologia, encontro no conceito semiótico de cultura presente em Geertz apoio pra tratar este campo religioso sujeito a múltiplos diálogos e a própria dinâmica de trocas simbólicas em que se vê fundamentado. Fico aqui...
Martha.

Frank Marcon disse...

Antes de mais nada, gostaria de agradecer aos que têm apresentado, lido e comentado os textos. Parece que encontramos um espaço interessante de interlocução. Bem, sobre este texto do Geertz, gostaria de ressaltar algo que Felipe e Martha já mencionaram de algum modo, a inovação para antropologia marcada pelas influências da semiótica (que de certa forma faz parte da formação filósofica de Geertz) latente nos anos 60/70, a interlocução com o pós-estruturalismo, marcado pela irredutibilidade da palavra ao objeto. Ou seja, a coisa e o discurso (ou a representação ou a simbolização) são distintas. Apesar disto, os objetos podem se tornar apropriação simbólica no social. E qual é o projeto da análise antroposociológica, senão o trabalho com tal cenário ao mesmo tempo em que a própria ação do comunicação de uma pesquisa é fruto de tal simbolização. O círculo hermenêutico não se fecha e nem acaba. A estratégia etnográfica de descrição densa, não é uma mera etnografia no sentido malinowiskiano (ou pretensamente realista, dos tempos modernos), mas uma proposta de análise descritiva que intensamente vivencia o jogo da interpretação como referência crítica da própria análise. Uma etnografia de descrição densa implica no reconhecimento da ficcionalização (como ato de fazer/fixar), como próprio da ação social disponível para interpretação. Os métodos (enquanto procedimentos) são inúmeros, o que importa é fazermos exercícios de seleção, relação, descrição, justaposição, infindáveis... Além disto (e de muitas possibilidades de explorarmos este texto), cabe ainda chamar a atenção para a noção de cultura (em Geertz), ele amplia o conceito ao desobjetificá-lo, tirando-o da exclusividade da fixação à grupos ou práticas específicas, situando-o na esfera da simbologia, tornando tênue, frágil e polítizada as fronteiras delimitadoras de culturas... Espero ter provado mais alguns e embaralhado um pouco mais a discussão. Rsrsr. Abraços.

Mateus Neto disse...

Acho este texto do Geertz fascinante, principalmente, a forma como ele analisa e descreve seu objeto de pesquisa (o que ver). Ou seja, a forma ficcional, ou a questão da verossimilhança que um texto científico pode/deve ter. É como próprio Geertz diz, (...) “em antropologia social, o que os praticantes fazem é a etnografia. É justamente ao compreender o que é a etnografia, ou mais exatamente, o que é a prática da etnografia, é que se pode começar a entender o que representa a análise antropológica como forma de conhecimento. (...) praticar a etnografia é estabelecer relações, selecionar informantes, transcrever textos, levantar genealogias, mapear campos, manter um diário, e assim por diante. Mas não essas coisas, as técnicas e os processos determinados, que definem o empreendimento. O que o define é o tipo de esforço intelectual que ele representa: um risco elaborado para um ‘descrição densa’ (...)” (2005, p, 15). Dessa forma, acredito que temos que ir campo para melhor entender estas coisas e ver os traços culturais de cada grupos a partir de suas próprias teias de significados. Não sei se fui claro. kkk

Diogo Monteiro disse...

Considero a “Uma Descrição Densa” do Geertz um texto indispensável para aqueles que pretendem se iniciar na pesquisa antropológica, independente do objeto de pesquisa a ser desenvolvido. O que me chama a atenção nas discussões do autor é o seu diálogo, na maioria dos casos, conflitante com os pressupostos teóricos do Lévi-Strauss. Apesar dos distanciamentos entre as suas teorias, gostaria de destacar, de maneira pontual, um traço do contato “harmonioso” entre elas. Não obstante enfatize uma postura metodológica microscópica, Geertz admite não estudar “aldeias, mas sim nas aldeias” e que fatos pequenos podem relacionar-se a grandes temas, corroborando a idéia do “círculo hermenêutico”, as partes explicando o todo e o todo explicando as partes, de forma que ambos não se excluam na análise. E neste sentido, o próprio Lévi-Strauss, propõe uma antropologia “super-racional”, em que seria imprescindível a aliança entre os modelos explicativos da ciência e os conceitos dos nativos. “Harmonias teóricas” a parte, estou inclinado a concordar com o Geertz quando diz que a antropologia é uma ciência cujo progresso é marcado menos por uma perfeição de consenso do que por um refinamento do debate. Espero não ter forçada a barra para um consenso!!Rsrs. Até breve!!
Diogo Monteiro.

Unknown disse...

Interessante como esse texto nos mostra a análise antropológica de códigos culturais através de normas socialmente estabelecidas.Quantos "ensaios" interpretativos as pessoas podem estabelecer através de gestos feitos e socialmente analisados, essa complexidade imbricada nas formas de comportamento aparentemente simples , que pode ser analisada de forma mais isolada, especializada ou levando em conta o conjunto social ao qual está inserido, como no exemplo da piscadela. Mostra assim, como um ato, a depender do seu contexto muda totalmente de interpretação.O caso do relato do diário de campo, para mostrar o exemplo de Ryle, é mais complexo ainda, pois o encontro de interpretação culturais diferentes - o judeu, o berbere e o francês - a começar pela confusão de idiomas, leva a uma série de interpretações. Para que não nos percamos nas infinitas possibilidades de interpretações há as teorias, que nos prende ao raciocínio lógico dos acontecimentos e nos mostra assim uma forma interpretativa de determinado fato com o seu contexto. Essa complexidade desperta o fascínio do fazer etnográfico, "desvendar " o outro, através de sua simbologia e significados, abraços.
Alessandra Souza.

eduardo disse...

O que eu mais gostei do texto "Uma decrição densa" de Clifford Geertz, são as partes em que ele fala da etnografia. Porque ela parece influenciar na própria definição do que seja Antropologia. Pelo que entendi do texto, Antropologia é diferente de Etnografia. Afinal o que é entgrafia? É a ida a campo. Mas como se define essa ida a campo? Ir ao museu conhecer sobre seu objeto de estudo, conversar com pessoas... Acho um tema interessante para discussão. Se alguém puder me dar alguns esclarecimentos...
Abs.

cs disse...

Gostaria de citar este seu artigo numa recensão critica sobre Geertz , caso não visse objecção citaria segundo a seguinte norma,
"Silveira,P.A.G.,(2010), Blogue Diários Antroplológicos, dominio no Web site Blogspot. Com, acedido em 8 de Novembro de 2010,
http://dialogosantropologicos.blogspot.com/2010/07/uma-descricao-densa-por-uma-teoria.html"