sexta-feira, 25 de março de 2011

Tema: Etnicidades e Políticas Públicas

A Utilização da Identidade Construída

dos Auto Declarados Negros da UFS

Alan Max Vieira dos Santos

Mestrando NPPCS/UFS

A partir da década de 1980, nota-se de maneira mais contundente uma crescente assimilação declarada por parte da sociedade brasileira, principalmente pelos jovens, de instrumentos e símbolos ligados à cultura negro-africana.

Com o advento do movimento negro organizado, ou para os mais críticos, um grupo não tão organizado, mas com visibilidade e voz, que tinha, no mínimo, reclamações e reivindicações legítimas a fazer, no final da década de 1970, e do movimento de redemocratização, momento onde não era mais subversivo ou ilegal lutar pela obtenção de direitos, consolidado na forma da lei, com Constituição de 1988, formou-se o momento propício para o crescimento da valorização do negro como parte integrante, formadora e importante para ao Brasil. Dando-se a partir de então, uma maior visibilidade aos embates, críticas, protestos de toda ordem sobre a desigualdade racial nas suas diferentes e diversas estâncias. Diferente da década de 1930 até a de 60, onde a valorização do negro já era posta em discussão, neste momento essa discussão já está entranhada na vida social da população brasileira e passa a ser encarada como um problema a ser discutido pelos diferentes e diversos agentes sociais e não somente pelas elites acadêmicas.

E é na década de 90 que aparece de forma mais evidente uma aceitação e identificação, por muitas vezes declarada, para com os mais variados aspectos da cultura afro-brasileira, tendo suas causas ligadas desde a percepção do negro como um potencial consumidor emergente, até a discussão e implementação de políticas e legislações ligadas a esse segmento da população. Dessa forma, a sociedade em linhas gerais faz como regra e não mais como exceção, um crescente movimento de reconhecimento do negro.

A despeito desse quadro as desigualdades “reais” continuam a permanecer entre brancos e não-brancos nos mais diversos campos da vida social, o que pode ser constatado a partir de dados oficiais do próprio Governo Federal, das Organizações das Nações Unidas e institutos de pesquisa, revelando de forma inequívoca tal situação.

Essa falta de equidade é interpretada por Carlos Hasenbalg a partir da sua apropriação da definição que Lívio Sansone faz de “áreas duras” e “áreas moles” nas relações sócio-raciais no Brasil. Para Hasenbalg, as “áreas duras” remetem o sociólogo para dois elementos cruciais do sistema de estratificação social: a família e o mercado de trabalho, onde se define o lugar que as pessoas irão ocupar na hierarquia social, e é onde a maioria dos negros e mestiços estruturam as suas condições de exclusão e subordinação. Já as “áreas moles”, excluindo o espaço das religiões centrais, são as que aumentam as formas antigas e novas de preconceitos e visões estereotipadas do negro. Nas áreas duras, onde incluo o ensino superior, o negro não encontra seu “lugar” dentro desse sistema que é influenciado e reflete uma hierarquia social. Situação que dá embasamento aos dados que mostram que a população negra tem dificuldade para adentrar a universidade e por isso é dentro dela o seu menor quantitativo étnico/racial.

O atual momento de implementação de políticas de ações afirmativas de acesso ao ensino superior pelo Governo Federal sendo debatidas quanto a sua constitucionalidade e o alcance dos resultados pretendidos torna o estudo do impacto dessa política na população alvo (estudantes de escolas públicas, negros e indígenas) de importância crucial para compreender esse processo enquanto forma de inclusão e de superação de desigualdades. Por isso, desenvolvo, desde 2010, no âmbito do mestrado em sociologia do Núcleo de Pós Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais da Universidade Federal de Sergipe a pesquisa por ora intitulada: A Utilização da Identidade Construída dos Auto Declarados Negros da UFS sob orientação do Prof. Dr. Frank Nilton Marcon.

A presente pesquisa pretende compreender como a identidade racial construída dos jovens graduandos é utilizada por eles mesmos enquanto autodeclarados negros por ocasião do ingresso na instituição de ensino superior UFS. O interesse se fixa na construção identitária, pois como Nilma Lino Gomes acredita a identidade não é algo inato, ela é um modo de ser que se refere ao nível cultural, sócio-político e histórico. Assim, a identidade é invocada quando “um grupo reivindica uma maior visibilidade social face ao apagamento a que foi historicamente, submetido” (NOVAES, 1993:25). É importante perceber que o conceito de identidade deve ser investigado e analisado [...] porque ele é um conceito vital para os grupos sociais contemporâneos que o reivindicam (NOVAES, 1993: 24). Ela só pode ser entendida através da utilização do termo nós, no sentido da igualdade. É um recurso que serve ao sistema de representações que um grupo social tem para reivindicar um espaço social e político em uma situação de luta pelo poder.

O meu objeto de pesquisa é o indivíduo negro, jovem e escolarizado, que trata a “cultura negra” [1] como o seu lugar de pertencimento social, como um local de resistência difusa, onde é possível ser aceito e valorizado. Este indivíduo cria estratégias de auto-afirmação que reproduzem estereótipos positivos quanto a sua raça/etnia, que apesar de serem reproduções do senso comum os defende através da exaltação, da discriminação sentida e projetada. Esta exaltação se refere a campos como o: da libido, da virilidade, da sensualidade, da força, da resistência, da facilidade para dança (samba), da destinação de felicidade, da beleza exótica entre outros. Já a dinâmica metodológica a ser empregada a fim de se obter dados relativos à apropriação das identidades por esses jovens se dará a partir de questionários e sobretudo entrevistas semi-estruturadas.

Por fim, deixo claro que além da importância intrínseca e extrínseca do tema aqui apresentado, o debate relacionado às questões relativas às relações raciais e à identidade étnico/racial desde muito tempo é alvo de interesse individual, se intensificando ao decorrer da graduação em ciências sociais, especialmente após a minha participação, no ano de 2006, como monitor do Curso de Aperfeiçoamento em Estudos Africanos, História e Cultura Afro-Brasileira quando fazia parte do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UFS.

Referências Bibliográficas:

GOMES, Nilma Lino. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais no Brasil: uma breve discussão. In: Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal nº. 10.639/03 Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005, p. 39-62.

HASENBALG, Carlos. Entre o mito e os fatos: racismo e relações raciais no Brasil. SANSONE, Lívio. In. CHOR, Marcos. VENTURA, Ricardo (Orgs). Raça, Ciência e Sociedade. 1ª reimpressão. Rio de Janeiro: FIOCRUZ/CCBB, 1998. P. 235-246 & 207-21.

NOVAES, Silvia Caiuby. Jogo de espelhos. São Paulo: EDUSP, 1993.

SKIDMORE, Thomas C. Trad. Raul de Sá Barbosa. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro. 2. ed. Rio de Ja


[1] Cultura aqui entendida como toda a universalidade dos aspectos trazidos pelo negro africano ao Brasil e transformados por este, pelo seu contato com outras culturas e pelo tempo, mas preservados no imaginário geral da sociedade como partes originárias da bagagem desta “raça”.

Um comentário:

Frank Marcon disse...

Salve, salve. Parabéns pelos textos, creio que foi uma forma interessante de introduzir ao tema e possibilitará um debate interessante aqui e na reunião do grupo. Gostaria de começar indagando aos dois, Yérsia e Alan, sobre como estão estruturando a pesquisa, já que ambas estão em fase de execução. Ou seja, com maior clareza, qual o problema de pesquisa, o objetivo geral e a metodologia que está sendo proposta? No caso do texto do Alan, o objetivo está lá, mas a problemática e a metodologia precisariam ser mais claras. Vamos lá. O que dizem? Esperamos suas observações para que depois possamos ter mais sugestões dos outros colegas. Abraços.