terça-feira, 19 de abril de 2011

PRATICANTES DO URBANO: ESTÉTICA E ÉTICA DE UM ESTILO DE VIDA MARGINAL

(Por Williams Souza Silva)

A perspectiva que situa o presente trabalho toma o espaço como um lugar carregado de sentido identitário e/ou histórico, atribuído por seus usuários. “O espaço é um lugar praticado. Assim a rua geometricamente definida por um urbanismo é transformada em espaço pelos pedestres” (DE CERTEAU, 2005). Ou seja, quando um lugar se transforma em espaço para uma “tribo urbana”, significa dizer que os indivíduos desta compartilham um sentimento de pertença para com o mesmo, elegendo-o como um traço especializado capaz de dá sentido as ações e fortalecer a solidariedade entre seus membros.
Como se dá o processo de construção, ou negociação, de um Estilo de Vida underground (marginal) a partir de uma Estética e de uma Ética partilhada por um grupo determinado de freqüentadores noturnos do centro de Aracaju, associada a uma forma peculiar de praticar as espacialidades da cidade, é o interesse da dissertação que estou desenvolvendo.
Embora o universo de interesse gire em torno de questões de identidade/identificação, solidariedade/sociabilidade na legitimação de estilos de vida (ética e estética) de microgrupos, a estruturação da abordagem em torno das espacialidades das cidades se torna necessário por serem estes “lugares de convivialidade” (MAFFESOLI, 2006), onde interagem grupos sociais distintos, com seus espaços fixos e móveis, sazonais e permanentes. Este tipo de abordagem permite demonstrar as especificidades dos estilos de vida, de acordo com os trajetos praticados por tribos urbanas no mapa sócio-geográfico da cidade contemporânea. Além disso, como bem argumenta Almeida (2003, 19), essas “novas formas de experiência espacial constituem um dos principais desafios para as Ciências Sociais na contemporaneidade”.
Entendemos que os usos dos espaços e a circulação no espaço da cidade, mesmo que de forma temporária, é resultado de estratégias e ações conflituosas e envolve diferentes indivíduos e redes de interesse que dão sentido e organicidade ao espaço pelo qual circulam ou ocupam. Segundo Fortuna “a cidade é a imagem alegórica da sociedade” e, como tal, um espaço privilegiado da experiência dinâmica, complexa e difusa da vida social na contemporaneidade.
A hipótese geral que orienta o trabalho é a de que o lugar onde se localiza a Catedral da cidade de Aracaju é apropriada pelo universo “marginal” como um emblema simbólico-espacial. De forma específica, a importância simbólica desse espaço para a estética underground, se deve ao seu passado, uma vez que o referido espaço sempre serviu de palco da boemia aracajuana; enquanto que sua importância espacial se deve a sua localização, situada no centro, o que possibilita uma maior trânsito, facilitando o acesso a outros locais de convivialidade tais como bares de funcionamento 24h, galerias e mercado central , assim como, pelos equipamentos ofertados (bares, barracas de lanche, vendas de artesanato).
O ponto de partida de minha pesquisa foi, portanto, a escadaria da Catedral, por ser também um ponto de partida desses indivíduos para ação e significação coletiva de outros espaços (outras praças, galeria de arte do Yazige, o SINDIPETRO, a SOMESE), que não geram necessariamente um vínculo, uma identificação, ou seja, estes espaços são apropriados esporadicamente e momentaneamente (um vernissage, um show), como possibilidades adicionais de lazer: comida e bebida free, sociabilidades, bate-papo, diversão, reivindicação.
A proposta metodológica é, deste modo, a “caminhada” junto ao cotidiano do grupo escolhido, uma etnografia participante. De Certeau, usa como metáfora deste tipo de trabalho de campo na/da cidade, a idéia de se tornar um, andar e “viver” as práticas, táticas ou estratégias desses “homens ordinários”. Correr os riscos da noite e suas glórias, ou revive-las, tem se mostrado mais eficaz do que ser um “voyeur” desse cotidiano. A observação participante (caminhada pelo cotidiano social da cidade de Aracaju) tem como intuito a coleta de dados a partir da vivência do grupo. Essa interação com esses indivíduos, o viver suas práticas, possibilita observar a atuação destes perante as mais diversas situações e espacialidades.
Compõe a amostra desse grupo sete indivíduos, os mais freqüentes e talvez por esse motivo os mais reconhecidos como “verdadeiros undergrounds” na cena que estou recortando. Com uma faixa etária compreendida dos 21 aos 35 anos, uma predominância do gênero masculino (apenas duas mulheres), esse grupo amostra trás como forte característica, quiçá a que mais diferencie dos demais grupos em disputa por uma identidade underground, a marcação e valorização das diferenças individuais (idéias e valores). Não significa dizer que seja possível encontrar homogeneidade em outros grupos, apenas que nessa tribo as diferenças ganham maior visibilidade, sendo mais valorizada entre eles do que uma suposta igualdade.
A etnografia de rua (ROCHA; ECKERT, s/n), o olhar de perto e de dentro (MAGNANI, 2002), o ser um andarilho na cidade (DE CERTEAU, 2005) foram estratégias adotadas no desenvolvimento da presente pesquisa. O que consistiu em freqüentar, de junho até a presente data, o centro da cidade de Aracaju, em especial o Parque Teófilo Dantas, onde se situa a Catedral Metropolitana do Estado, sempre no período noturno.
O primeiro capítulo, Espaços Urbanas: o caráter espacializado das relações sociais na contemporaneidade. Volta-se ao estudo da sociologia e antropologia do espaço urbano, na construção dos saberes sobre as cidades e estilos de vida urbano. O desafio é relacionar a vasta produção sobre as cidades e seus espaço, com a discussão de estilos de vida. Assim como, traçar os trajetos dos personagens da noite aracajuana no centro histórico da cidade, no intuito de entender suas lógicas de mobilidade espacial.
O segundo capítulo, Identificação e negociações identitárias: construído um Estilo de Vida Underground vem como um suporte para a definição da escolha dos conceitos que melhor poderão caracterizar o objeto pesquisado. Propõe-se uma discussão a respeito de Identidades e Identificação, Solidariedade e Sociabilidade, Espaço e Lugar. O objetivo é perceber como são construídas diariamente as retóricas de identificação e como essas são influenciadas (ou influenciam) o uso dos espaços. Pretendo explorar no capítulo como os grupos, a partir do escolhido, se apropriam do espaço urbano atribuindo-lhe sentido de pertença e identificação, mesmo que esse sentido seja passageiro.
O terceiro e último capítulo, Caminhantes Noturnos: uma etnografia das práticas ordinárias, como sugere o próprio título, terá um cunho etnográfico. Acreditando ser capaz de propiciar um olhar de perto e de dentro (Magnani, 2000). A escolha desse método se justifica pela possibilidade deste propiciar ao pesquisador uma melhor visibilidade de determinados aspectos da dinâmica cotidiana do grupo que em geral passam despercebidas. Esse contato contínuo possibilitará uma melhor visualização da interação desses freqüentadores com o espaço urbano e com outros grupos, assim como, as lógicas de solidariedade e identificação estruturantes para esses freqüentadores da Praça da Catedral Metropolitana de Aracaju.

Referências Bibliográficas:

ALMEIDA, Maria Isabel M. Noites Nômades: espaço e subjetividade nas culturas jovens contemporâneas. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.
DE CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano. Petrópolis/RJ: Vozes, 1994 V. I.
MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos: declínio do individualismo nas sociedades de massa. Rio da Janeiro: Forense Universitária, 2006.

8 comentários:

jeff dante disse...

Interessante como a ideia de anômico, de um sujeito errante, agora na contemporaniedade, configura-se como algo tão harmonioso(solidário) quanto uma instituição, por exemplo. É como o Maffesoli diz " a sede de infinito" foi deslocada. Essa virada epistemológica promove uma melhor compreensão dos fenômenos desta natureza.

Frank Marcon disse...

Salve Will! Aqui vai uma questão que tenho feito em nossos encontros e agora gostaria que você tentasse dar uma resposta neste espaço do blog. Quais os critérios que você está definindo para o recorte do grupo, de sua escolha dos 7? Você fala de uma identidade "underground", esta é uma categoria reconhecida pelo grupo ou por aqueles que interagem com eles? Quem são os outros grupos (não seria interessante tentar perceber como eles se distinguem e se nomeiam)? O que a palavra "underground" e "identidade underground" significaria no próprio universo de pesquisa entre o grupo estudado e os "outros" da praça?

Frank Marcon disse...

Sobre "estilos de vida" sugiro a leitura do TCC do Maurício (sobre o Metal em ARacaju) e da Tânia (sobre os restaurantes naturalistas), ambos defendidos no DCS. Além destes, indico a leitura de Antony Giddens, Mike Featherstone, Daniel Miller, George Simmel, Michel de Certeau, José Machado Pais,
e Pierre Bourdieu. Sobre a noção deste último, tenho uma crítica ao seu texto "gostos de classe e estilos de vida". Para ele, estas duas noções se confundem e se completam, o estilo de vida está associado ao mundo de consumo, de formação e de referência simbólica das classes. Eu diria que não se trata de nomear o princípio gerador dos estilos de vida, caracterizando-os, como propõe Bourdieu, mas de perceber através da ação (ou das escolhas) dos indivíduos se e como eles compartilham (mesmo que temporiamente) de práticas similares, gostos semelhantes e sentimentos de afinidade implicadas por suas práticas cotidianas (Certeau diria suas artes de fazer, seus usos ou seu "Ler e Consumir"). Me parece que a partir daí sim, tais indivíduos produzem não só práticas, mas retóricas de afinidade e distinção. Então estudamos tais ações. Por uma lado, para Bourdieu (p. 83), as preferências são distintivas e por isto contribuem para distinção de grupos por gostos e "estilos de vida" (que seria o conjunto das preferências de um grupo). No entanto, aqui não concordo que possamos pressupor a existência de um grupo, nem mesmo que o gosto seja uma distinção de classes ou de grupo, mas sim poderia ser uma forma de identificação. Noutra perspectiva, o que interessa-nos são os consumidores ou praticantes da cultura e os usos que eles fazem do que tem a sua disposição. Neste sentido, o consumo como a produção são diferentes formas de usos, são práticas. Então, a idéia é podermos analisar o que fazem, como fazem, onde fazem, porque fazem e em nome de que ou de quem o fazem os indivíduos. Com quem, como e porque compartilham de usos ou práticas comuns? Neste caso, teoricamente as classes não estão subentendidas, nem mesmo há estruturantes da ação. Podemos lidar com experiências ou trajetórias de vida no sentido de pensarmos as inconsistências, incoerências, mas também as regularidades conscientes ou não de afinidades em torno das práticas, mesmo que de modo especulativo, sem nos preocuparmos com um definição de grupo que não aquela apontada pelo próprio grupo. Se quisermos entender que o perfil social pode ser parte da trajetória de vida que se constrói na oralidade pelos próprios sujeitos, por eles mesmos. Então, como se sustentam os argumentos e atos em torno delas?

Aline disse...

Olá Williams!
Achei muito interessante o seu trabalho e mais ainda a forma como você resolveu trabalhar esta temática.
Tenho uma dúvida que vai um pouco na linha do que Frank questiona. Quem são estas pessoas que você chama de undergroud? Quais são as características que as definem com tal?
São os vendedores de artesanato? São os que se reunem pra beber a noite?

Williams disse...

Tomei como critério de escolha indicadores como tempo que frequenta a praça e assiduidade, assim como, as indicações dos próprios sujeitos da pesquisa que coincidiu com os nomes levantados durante a sondagem do campo. Então foi muito mais uma indicação do próprio campo, digo, de critérios estabelecidos a partir da observação do cotidiano do grupo. Quanto a categoria underground, eu não diria reconhecida, mas conhecida pelo grupo, assim como por todos os outros grupos que fazem parte da cena underground (hard Cores, metal, hippies, streiede). Neste sentido, ser underground é ir contra uma idéia de mainstream, ou seja, ter uma postura crítica a cultura de massa, que seria por sua vez, essa cultura imposta, "direcionada pelas diversas mídias". Ser underground, ou partilhar de um ideário underground estético e ético é ir contra o tido convencional, seja lá em que área for: música, moda, bebida, culinária... Desta forma a categoria underground é ao mesmo tempo reconhecida, tanto entre os grupos como entre os pesquisadores destes, assim como a categoria cena.
O interessante é se perceber que apesar de todos os grupos que compõe o que chamo de "universo underground" terem em comum a crítica, oposição ao mastriend, cada um destes constroem sua oposição a partir de diferentes marcadores. Enquanto o que marcaria uma postura underground para os frequentadores da praça, por exemplo, seria um consumo exagerado de bebida e o aspecto nômade noturno(critérios validos também para os hardcore, metal e hippies), para os streiiedes, sua oposição se dá sobretudo pela negação do consumo de drogas em geral. Com esse rápido exemplo, podemos perceber que apesar de comungarem a negação de uma idéia de "cultura de massa", entre os diversos "grupos undergrounds” essa negação se faz de diversas formas.

Felipe Araujo disse...

Oi Williams!

A "negação" do mainstream pelo "underground" é direcionada contra as práticas de grupos específicos? E existe tolerância e afinidade com grupos específicos?

Williams disse...

Apesar de existir a negação de certas práticas de consumo e postura, vista como mainstream (freqüentar botes, postos de gasolina, ir para tal show...) por parte do grupo estudado, esta negação não é feita de forma direta, digo, voltada aos possuidores de uma estética e ética (todo conjunto visual e moral acionado no processo de legitimação, aceito ou não, deste ou aquele Estilo de Vida) de influência mainstrem, digamos assim. Me parece que observamos ai uma negação não-excludente: nega-se a lógica de imposição mercadológica de um Estilo de Vida mainstream, que se traduz em negação de certas praticas vistas como “pleyboy” praticadas por este ou aquele grupo. Entretanto, esta negação se resume em crítica, não em impossibilidade de interação. Deste modo o que observamos em campo é uma equilibrada, apesar de territralizda e muitas vezes tensas, relação de igualdade e diferença vivida cotidianamente pelos diversos indivíduos representantes de um estilo de vida, seja de tendencia underground ou mainstream.

Williams disse...

Apesar de existir a negação de certas práticas de consumo e postura, vista como mainstream (freqüentar botes, postos de gasolina, ir para tal show...) por parte do grupo estudado, esta negação não é feita de forma direta, digo, voltada aos possuidores de uma estética e ética (todo conjunto visual e moral acionado no processo de legitimação, aceito ou não, deste ou aquele Estilo de Vida) de influência mainstrem, digamos assim. Me parece que observamos ai uma negação não-excludente: nega-se a lógica de imposição mercadológica de um Estilo de Vida mainstream, que se traduz em negação de certas praticas vistas como “pleyboy” praticadas por este ou aquele grupo. Entretanto, esta negação se resume em crítica, não em impossibilidade de interação. Deste modo o que observamos em campo é uma equilibrada, apesar de territralizda e muitas vezes tensas, relação de igualdade e diferença vivida cotidianamente pelos diversos indivíduos representantes de um estilo de vida, seja de tendencia underground ou mainstream.