GEERTZ,
Clifford. Do ponto de vista dos nativos: a natureza do entendimento
antropológico. In: O Saber Local.
Eline Limeira dos Santos[i]
O texto “Do ponto de vista dos
nativos”: a natureza do entendimento antropológico procura interpretar o
significado da ação para os nativos a partir da categoria da ação simbólica
onde ele onde busca compreender as
representações que a sociedade faz de si e do outro com base nos significados
simbólicos imprimidos na noção do eu. Neste sentido, Geertz procura
compreender o significado da ação dos
nativos a partir desses, relativizando o olhar sobre o significado da ação do
homem.
Citando o grande burburinho causado com a divulgação dos diários de
campo de Malinowski, realizado por sua esposa também antropóloga é que Geertz
inicia o texto, apontando que a discussão se concentrou em detalhes não
essenciais, ignorando a questão mais importante que o livro continha, deixando
de lado uma questão epistemólogica que o livro levanta, além de outros
pressupostos.
Para
ele, a questão que o diário introduz, com uma seriedade que talvez só um
etnógrafo da ativa possa apreciar é: “como é possível que antropólogos cheguem
a conhecer a maneira como um nativo pensa, sente e percebe o mundo?” (p.86).
Segundo Geertz é necessário que os antropólogos vejam o mundo do ponto de vista
dos nativos, para ele a voz de Malinowski do túmulo tornou a questão um dilema
humano que passou a ser mais importante que o profissional, e esse tem sido um
problema bastante discutido na antropologia nos últimos anos.
Desta
forma, questionando o caráter dualógico da formulação do problema da
antropologia X em oposição a Y, ele
coloca que a forma mais simples e direta de colocar a questão é, talvez vê-la
nos termos de uma distinção formulada pelo psicanalista Heinz Kohut para seu
próprio uso que são os conceitos de: experiência próxima e experiência distante
(p.87).
A
definição de experiência próxima é mais ou menos o que alguém usaria para
naturalmente e sem esforço definir
aquilo que seus semelhantes veem, sentem, pensam, imaginam. E que ele próprio
entenderia facilmente, se outros utilizassem da mesma maneira. De acordo com
Geertz, as pessoas usam os conceitos de experiência próxima espontaneamente, e
as ideias e as realidades que elas representam estão naturalmente unidas.
Já
a definição de experiência distante é aquela que os especialistas de qualquer
tipo utilizam para levar a cabo seus objetivos científicos, filosóficos e
práticos (p. 87). Nas pesquisas esses conceitos são empregados em maior ou
menor grau, tornando uma questão de grau e não de oposição, por que na
antropologia a diferença não é
normativa, podendo-se afirmar que um dos conceitos não é melhor que o outro. O
etnógrafo não pode limitar-se a nenhum dos conceitos. A verdadeira questão
relaciona-se com os papeis que os dois tipos de conceitos desempenham na
análise antropológica.
Geertz
afirma que a seu ver o etnógrafo não percebe aquilo que seus informantes
percebem, o que ele percebe e com bastante insegurança é o com que, ou por
meios de que ou através de que os outros percebem (p.89).
A
experiência próxima e a experiência distante devem estar em sintonia para que o
pesquisador possa “captar” conceitos de forma eficaz e esclarecedora. No
entanto essa não é uma tarefa fácil, e que o importante para o pesquisador é
descobrir o que os nativos acham que estão fazendo.
A
partir desses pressupostos o autor cita suas pesquisas com as sociedades Javanesa,
balinesa e marroquina para mostrar de certo modo como esses conceitos são
empregado, analisando particularmente a definição de pessoa .
Se
intitulando como um etnógrafo de significados e símbolos, Geertz afirma que
descobrir o que é uma pessoa na visão de algum grupo de nativos, traduz em um
movimento de vai e vem entre duas perguntas que faz a si mesmo:
Como é a sua maneira de viver de um modo geral? E Quais são precisamente os
veículos através dos quais esta maneira de viver se manifesta? Chegando dessa
forma a uma espiral semelhante com a noção de que eles consideram o eu como uma
composição, uma persona, ou um ponto em uma estrutura.
O
autor afirma que para se chegar a essa compreensão vai depender de uma
habilidade para analisar seus modos de expressão, ou sistemas simbólicos, e o
sermos aceitos contribui para o desenvolvimento desta habilidade.
Dessa
forma, começa o seu relato propriamente etnográfico, citando primeiro a
sociedade Javanesa, definindo que o significado de pessoa para os javaneses,
eram dispostas em dois conjuntos contrastantes, que tinham como base a religião
(dentro X fora; refinado X vulgar) esses termos não são o significado exato,
mais na verdade ele pretendia mostrar que como um conjunto elas formavam uma
concepção específica do eu que, longe de ser simplesmente teórica, era a
concepção através da qual os javaneses
realmente se viam uns aos outros e também a si próprios. Ao longo do texto o
autor aponta exemplos de como ele conseguiu analisar os dados e defini-los como
uma experiência próxima e uma experiência distante. Seguindo o seu relato com
Bali e depois o Marrocos.
Para
concluir esse capítulo volta para a sua questão inicial que é: o ponto de vista
dos nativos.Se pergunta se ao descrever o ponto de vista dos nativos em Java,
Bali e no Marrocos e ao descrever o uso dos símbolos, estaremos também descrevendo
percepções, sentimentos, pontos de vista? Ele vai afirmar que na tentativa de
descobrir o significado do “eu” nessas sociedades, oscilamos incansavelmente
entre um tipo de miudeza exótica que faz com que a leitura da melhor das
etnografias seja uma tortura, e uma caracterização tão abrangente que se
tornariam implausíveis (p.105). Geertz afirma que durante a pesquisa o
etnógrafo salta continuamente de uma visão da totalidade, para uma visão das
partes através da totalidade, e vice-versa tentando fazer com que uma seja
explicação para a outra.
Para
encerrar o capítulo, Geertz coloca que tudo isso implica no método de Dilthey
de círculo hermenêutico, já bastante conhecido, e que sua intenção é mostrar
que ela é tão essencial para interpretações etnográficas como para outras
interpretações como literárias, históricas, etc.
[i]_
Mestranda em Antropologia pela Universidade Federal de Sergipe. elinelimeira@gmail.com
[ii] _
Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de
Sergipe.raissafreitas18@hotmail.com
Um comentário:
Parabéns Eline e Mara Raissa, uma instigante problematização. Inicio ressaltando que há décadas que a Antropologia vem chamando atenção para a importância de entende a existência e a aplicação da noção da incomensurabilidade das culturas, ou seja, destacando que as culturas não podem ser hierarquizadas e mensuradas face à sua diversidade interna e seus padrões e contextos peculiares. Tal discurso sempre foi tomado e utilizado de forma explícita, “praticamente como um dogma”, não sujeito a questionamento. Contundo, se refinarmos nosso olhar para determinadas dimensões do relacionamento intercultural, sobretudo reveladas pela etnografia, trazendo novos questionamentos, verificaremos que essa incomensurabilidade pode ser tanto mais problemática quanto mais envolver proferimentos de juízos de valor e que, por mais intricada que possa ser a nossa forma de tratar tais dimensões, em nenhum momento devemos considerá-la imune à análise e à reflexão antropológica. Outro ponto que me chamou atenção e que vocês trazem de forma bem legal são os limites do discurso ou linguagem antropológica, que se articula com as fronteiras de nossa própria compreensão, de acordo com os nossos próprios critérios de racionalidade, mais uma vez, é Geertz, que nos direciona como podemos tornar inteligíveis, em nossos termos, instituições pertencentes às culturas consideradas possuidoras de padrões de ‘racionalidade’ e ‘inteligibilidade estranhas’ aos colocado em cheque com a nossa.
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