Favela,
bairro de São Paulo, Brasil. Foto: freeimagens
|
Por Raissa Freitas
Para
introduzir uma reflexão em que a cidade é tomada como objeto de um constante fazer
antropológico, Michel Agier[1] (2015) ao iniciar sua
reflexão chama atenção para uma perspectiva metodológica que busca descrever a
dinâmica entre “etnografia das margens” e “antropologia da cidade”. Assim, sem
a pretensão de reproduzir uma oposição radical ou mesmo “ontológica” entre
essas concepções, muitas vezes presentes nos manuscritos antropológicos, o objetivo
do autor é o de implementar um método que permita pensar a universalidade da
cidade fora de qualquer pretensão normativa. Neste sentido, Agier (2015)
reforça ainda que para o desenvolvimento de uma pesquisa etnográfica urbana é necessário
um movimento constante de construção e desconstrução, evitando qualquer definição
a priori para que a cidade seja assim
apreendida enquanto uma ferramenta analítica antropológica.
Ao questionar sobre o que faz e desfaz uma
cidade permanentemente, Agier (2015) busca nas premissas de Henri Lefebvre o
significado social de uma “virtualidade” descrita em seus manuscritos que
impulsionou o desenvolvimento de novos estudos na década de 60. Mais recente
lembra que o geógrafo David Harvey, ao retomar tais premissas, conferiu a
virtualidade um “significante vazio” relativo a quem lhe dá sentido, daí a mola
propulsora de uma apreensão etnográfica em que o “fazer cidade” é entendido
pelo autor enquanto movimento feito pelos citadinos. Nesta perspectiva, a
fronteira na qual ganha sentido os processos identitários é o quadro
privilegiado para se observar e compreender a existência das coisas na cidade
que segundo o autor são difíceis de definir como essencialmente urbanas.
Para
concluir, Agier (2015) traz três exemplos de pesquisas etnográficas realizadas
na África e na América Latina em que o “fazer cidade” foi utilizado como método
etnográfico para descrição de grupos. No primeiro caso o interesse é a fundação da cidade desde as chamadas “margens
urbanas”. Essa perspectiva envolveu os bairros populares ou as ditas “invasões”,
bem como os estabelecimentos provisórios de migrantes e os campos de refugiados.
Para o autor esses grupos são considerados citadinos que aparecem nesses
lugares nascidos como refúgios, abrigos ou esconderijos no coração da Europa. A
partir da matéria-prima disponível ou residual de produtos manufaturados, esses
grupos desenvolvem uma arquitetura das favelas ou dos chamados bidonvilles.
Neste sentido, a abordagem adotada aqui foi a de uma etnografia urbana dos acampamentos
em que Agier (2015) procurou dar conta para além das criações sociais ou das
mudanças culturais das novas formas políticas que apareceram nesses acampamentos.
Com o crescimento proporcional das
urbanizações consideradas informais nesses países Agier (2015) notou ainda que
os termos bidonville, slum ou favela ressoavam no plano político e midiático
trazendo uma visibilidade a esses processos, porém, por serem inoperantes no
plano do conhecimento antropológico, o autor se propôs observar e descrevê-los ao
invés de se deixar levar pelos termos que os definiam. Neste sentido, a favela
é encarada no segundo exemplo como uma modalidade de cidade entendida enquanto movimento
onde existe uma negociação para sua existência.
Para
finalizar, no terceiro caso, Agier (2015) nos mostra como o agir humano movido
pelo desejo foi entendido como essencial para a concepção da cidade como uma construção
permanente. Assim, uma de suas declinações é o deslocamento observado como movimento
em direção ao centro que perpassa as periferias e os subúrbios enquanto uma
conquista espacial. Segundo o autor, os debates recentes que envolvem as
questões das lutas urbanas ganhariam força se pensássemos a cidade a partir de
espaços precários da margem.
AGIER, Michel. Do direito
à cidade ao fazer- cidade: o antropólogo, a margem e o centro. Mana.
483-498, 2015.
[1]
Antropólogo, diretor de estudos na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais
(EHESS) e pesquisador no Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD).
Nenhum comentário:
Postar um comentário