quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Resenha do livro “Histórias Locais / Projetos Globais: colonialidade, saberes subalternos e pensamento liminar”, de Walter Mignolo (2008).

Foto: Cristina Conti


Por Eliseu Ramos dos Santos

O autor Walter Mignolo nasceu na década de 1940 em Buenos Aires, e é professor de literatura na Universidade de Duke, Estados Unidos. Contemporâneo de Aníbal Quijano, Mignolo se aproximou dos estudos decoloniais através de seminários na universidade que lecionava e do contato com autores desta vertente, diálogos que o ajudaram a ressignificar seus estudos em semiologia. O livro em questão é o ponto de contato mais evidente do autor com as teorias decoloniais, uma releitura das perspectivas epistemológicas ocidentais que leva em conta o processo de colonização do hemisfério Sul e suas consequências na produção de narrativas históricas e de conhecimentos universalizantes.

Ao dialogar com o campo de estudos decoloniais, Mignolo vislumbra a possibilidade de reflexão de que o conhecimento e compreensão acadêmica sejam enriquecidos por uma relação direta com aqueles que vivem e refletem a partir dos legados coloniais e pós-coloniais (p. 25). Ou seja, a interseção entre a epistemologia colonialmente estabelecida e as novas formas de conhecimento subalternizados geram pontos de tensão passíveis de investigação científica.

Minha intenção [...] é transportar os saberes subjugados até os limites da diferença colonial onde os saberes subjugados se tornam subalternos na estrutura da colonialidade do poder. E concebo os saberes subjugados em pé de igualdade com o ocidentalismo como o imaginário dominante do sistema mundial colonial/moderno (p. 45).

Pensando nisso, o autor se utiliza do que ele chama de semiose colonial a fim de tratar desses conflitos entre dois núcleos de histórias e saberes locais, um reagindo no sentido de avançar para um projeto global unificado e planejado para se impor, e o outro visando valorizar narrativas e conhecimentos autóctones, forçados a se acomodar a essas novas realidades. Configura-se então, a tentativa de Mignolo em reconfigurar linhas de diálogo, correlacionando o “universalismo abstrato” da epistemologia moderna e da história mundial com uma totalidade alternativa distribuída numa rede de histórias locais e múltiplas hegemonias locais (p. 48).

Essa iniciativa de reposicionamento do imaginário do sistema moderno/colonial (que é arraigada pela colonialidade do poder e diferença colonial), esboça o esforço para uma descolonização epistêmica baseada em novos locus de enunciação gerados na produção de saberes subalternos no embate com formas de saberes hegemônicos. Esse embate produz uma outra forma de epistemologia, ou um pensamento liminar, que atua nos limites das histórias locais e borram as fronteiras da geopolítica do conhecimento.

A meu ver, a principal contribuição de Mignolo com esta obra é a de repensar o processo de produção e transmissão de conhecimento nos países colonizados a partir do questionamento sobre a subalternização dos saberes locais nessa região. O autor identifica que esse processo está sendo radicalmente transformado por novas formas de conhecimentos para as quais o que foi subalternizado e considerado apenas como “objeto de estudo”, e secundarizado no cotidiano, passa a ser articulado como novos locus de enunciação, em contraponto com o paradigma epistemológico imperial/colonial, que englobava somente uma concepção de conhecimento eurocêntrica e unificadora, construída e difundida nas modernidades coloniais.

Essa obra se mostra como uma grande impulsionadora da descolonização intelectual, e incentiva ao leitor reflexões voltadas para a desconstrução de universalismos que pareciam “inquestionáveis”, mas que na verdade se revelam impostos historicamente, passíveis de reinterpretações. É um exercício de reposicionamento no mundo, de contestação do conhecimento moderno em favor de um olhar mais crítico às formas de apreensão do mundo e das consequências estruturais do colonialismo.

MIGNOLO, Walter. Histórias Locais / Projetos Globais: Colonialidade, Saberes Subalternos e Pensamento Liminar. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.

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