Foto: Erna Barros |
GT Estudos de Gênero
Ana Paula O. Barros (PPGCOM/UFF)
Danielle Parfentieff de Noronha (DCOS/UFS)
Élida Braga (PPGS/UFS)
Élida Braga (PPGS/UFS)
Erna Barros (PPGS/UFS)
Lídia Matos (SEC/BA)
Mariana Rocha (GERTS/UFS)
Raissa Freitas (GERTS/UFS)
Renata Maria Santos Lima (DED/UFS)
Maria Teresa Ruas (PPGS/UFS)
Com o objetivo de refletir sobre o que é ser mulher e quais são as possíveis causas das opressões que são vivenciadas pelas mulheres, Simone de Beauvoir, em 1949, publica o clássico O Segundo Sexo e a ideia de que “não se nasce mulher, torna-se mulher”. O livro é um marco importante para o feminismo ocidental e abriu portas para estudos posteriores que irão culminar no conceito e interpretações sobre o gênero. Ao analisarmos o contexto em que ele foi produzido, quando poucas mulheres tinham espaço na filosofia, o livro de Beauvoir se torna ainda mais relevante. Entretanto, ele é apenas o início.
O
livro está localizado geográfica e socialmente num contexto
específico e foi necessário ampliar a visão sobre o que é ser
mulher e colocar a questão no plural, olhando para a diversidade e
especificidades que são vivenciadas nas mais distintas realidades.
Como exemplo, podemos citar o livro Mulheres, Raça e Classe,
publicado em 1981 por Angela Davis, que visibiliza as singularidades
que são causadas pela intersecção com raça e classe social. Além
disso, com o passar do tempo, a ideia de que se ‘torna mulher’ se
amplia ainda mais: o gênero se distancia do sexo biológico e começa
a ser compreendido como construção social (Scott, 1990), que está
vinculado a discursos, culturas, processos identitários e vivências
particulares, tanto no sentido individual quanto coletivamente.
Nesse
sentido, pesquisadoras brasileiras começaram na década de 1980 a
refletir sobre essa especificidade também regional, buscando
compreender mais a realidade das mulheres brasileiras e seus
diferentes marcadores sociais (Cadwell, 2000), como, por exemplo,
Lelia Gonzalez, além de também, principalmente nos últimos 10
anos, começarmos a considerar outras epistemologias possíveis para
os estudos de gênero, como aquelas que pensam outras formas de saber
através da decolonialidade do poder, do conhecimento, do ser
(Machado et. al, 2018) e do próprio gênero (Lugones, 2008).
A
compreensão do gênero como construção social ainda abre espaço
para pesquisas que pensem os gêneros, também no plural, e comecem a
discutir temas relacionados à identidade de gênero e à sexualidade
(Grossi, 1998). Desde as ciências sociais, o olhar para os distintos
grupos a partir dos estudos de gênero possibilitaram que muitas
pesquisas pudessem refletir sobre as relações de poder e como são
construídos culturalmente os diversos papéis sociais, como no caso
dos temas relacionados às juventudes (Weller, 2005), principalmente
a partir dos anos 2000.
Ademais, vale ressaltar que, dos termos cultura e identidade surgem discussões sobre diferença e diversidade, os quais suscitam as intersecções de raça, gênero e classe. Para tanto, percebe-se modos diferenciados de pensar na produção da diferença e da desigualdade em experiências cotidianas que, de modo articulado, evocam outros elementos que nos ajudam a compreender as violências em termos de gênero, raça e classe, os quais se constituem em marcadores sociais da diferença, vistos de maneiras interseccionadas (Brah, 2006).
Ademais, vale ressaltar que, dos termos cultura e identidade surgem discussões sobre diferença e diversidade, os quais suscitam as intersecções de raça, gênero e classe. Para tanto, percebe-se modos diferenciados de pensar na produção da diferença e da desigualdade em experiências cotidianas que, de modo articulado, evocam outros elementos que nos ajudam a compreender as violências em termos de gênero, raça e classe, os quais se constituem em marcadores sociais da diferença, vistos de maneiras interseccionadas (Brah, 2006).
O
gênero em nossas pesquisas
Este texto foi desenvolvido a partir das leituras que realizamos no primeiro momento do GT Estudos de Gênero, vinculado ao GERTs, e neste tópico vamos apresentar como cada participante do grupo traz a questão de gênero para suas pesquisas, apresentando na prática as possibilidades de diálogo com este conceito nas ciências sociais.
No bojo dos estudos de juventudes, a crítica perpassa pela ausência de pesquisas que focalizam o papel que os grupos juvenis assumem na construção das identidades femininas, ou seja, para além de questões relativas à sexualidade e a maternidade (Weller, 2005). Nesse sentido, uma pesquisa recente , intitulada “Jovens mulheres, hip hop, estilos de vida e feminismo”, desenvolvida por Raissa Freitas, consiste em analisar os significados da participação de mulheres ligadas ao Hip-Hop na região metropolitana de Aracaju/SE. Considerado como movimento juvenil contemporâneo e de grande visibilidade, o Hip-Hop conta com um público majoritariamente masculino. No entanto, observa-se um crescimento significativo de mulheres em suas expressões artísticas seja no rap, no grafite, seja no break. Desta forma, foi possível pensar a participação feminina nessa cultura a partir das identificações, dos discursos e das práticas que se constroem nesse contexto, mas também compreender como se dão atualmente as relações de gênero e as sociabilidades estabelecidas nas práticas culturais que envolvem esse universo.
Já a pesquisa intitulada “Uma Cidade muda não muda: graffiti e mulheres no espaço público”, realizada por Erna Barros na cidade de Aracaju-SE, propõe uma leitura do graffiti enquanto fenômeno urbano em diálogo com a estrutura da cidade como espaço de disputas a partir de uma perspectiva de gênero. A autora buscou contribuir para uma discussão sobre o transitar das mulheres pelo ambiente público “por sobre os ombros” de grafiteiras que ressignificam estes espaços, apoiadas na representação de entendimentos sobre uma cidade pensada e planejada segundo uma ideia de universalidade do humano, ou seja, uma perspectiva hegemônica do masculino em detrimento do feminino. A identificação de uma “hostilidade à presença das mulheres” no espaço público se dá a partir do acompanhamento de grafiteiras utilizando o registro fotográfico e fílmico como dispositivo de pensamento e da observação dos usos cotidianos e discursos da, para e através da cidade junto à prática do graffiti como ferramentas de representação, contestação e expressão. Sob um olhar de gênero, a hostilidade da cidade se apresenta em decorrência das relações sociais e desiguais de poder entre homens e mulheres, que irão aparecer no dia a dia na forma com que ambos ocupam e vivenciam suas experiências nas cidades.
Neste sentido, partindo do pressuposto que homens e mulheres possuem necessidades diferentes no espaço urbano e suportam as ocorrências neste ambiente também de maneiras distintas, a pesquisa intitulada “O corpo feminino no espaço urbano: desigualdades e resistências de uma vivência”, realizada por Mariana Rocha, propõe uma análise sobre o corpo feminino que, como sujeito, ocupa os espaços públicos, mas também busca conquistar lugar de fala na cidade. A autora buscou expandir a temática da experiência urbana, levando em conta a diversidade de condições humanas presentes no espaço público, como em todos os espaços da vida em sociedade. Neste intuito, a pesquisa foi realizada através de uma ponte construída com a disciplina Cultura, Paisagem e Cidade, do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Tiradentes, que propõe uma aproximação sensível com a cidade, através de errâncias exploratórias, junto com uma abordagem interdisciplinar em estudos da paisagem. Nesta exposição, acaba-se por provocar a vivência das relações sociais estabelecidas no espaço urbano, onde foi possível identificar a fragilidade existente na ocupação feminina do espaço público, que historicamente são produzidos no modelo patriarcal. Assim, a luz dos estudos de gênero e estudos da paisagem, investiga-se quais elementos definem e condicionam a vivência feminina na cidade.
Ainda sobre o corpo, mas a partir do diálogo com as artes e com a comunicação, a pesquisa intitulada “Reinvenções do feminino, corpos e sexualidades: Um mapeamento das artes gráficas contemporâneas produzidas por mulheres”, realizada por Ana Paula Oliveira Barros, entende as artes gráficas como um espaço de comunicação, sendo também uma importante referência para a construção da imagem feminina. Nas sociedades ocidentais, tanto o corpo de um modo geral como a sexualidade feminina em particular, foram durante muito tempo representados de modos idealizados por homens e para homens, de acordo com um conjunto específico de discursos acerca do que significa ser mulher. É possível apontar esses discursos como predominantemente patriarcais, que têm inundado a sociedade ocidental com visualidades heteronormativas e racistas, sempre colocando o corpo da mulher numa situação de objeto de desejo a ser observado e utilizado pelos homens. Considerando a riqueza desse objeto, a pesquisa se propõe a fazer uma análise genealógica de certas transformações históricas que afetaram tais representações ao longo dos últimos dois séculos. O objetivo final consiste em investigar de que maneira, nas últimas décadas, algumas artistas gráficas têm abordado o erotismo em suas obras, construindo assim as suas próprias subjetividades ao adotar diferentes estratégias de combate aos discursos hegemônicos em torno à feminidade. Nesse processo, estão acontecendo importantes reinvenções dos sentidos atribuídos aos corpos e às sexualidades associadas ao feminino.
Já
com as reflexões produzidas dentro do feminismo negro, acompanhamos
um crescente números de estudos como o de Lélia Gonzalez (1988) que
vai analisar como esse corpo feminino e negro é percebido. Ela
destaca a estigmatização desses corpos, ora como mulata, ora como
um corpo servil. Este é um esforço de produção de conhecimento
acerca das mulheres negras da perspectiva das próprias sujeitas. A
pesquisa desenvolvida por Lídia Matos
segue
essa linha no esforço em compreender como são produzidos conteúdos
sobre os cabelos crespos e cacheados, oportunizados pelo movimento de
transição capilar, em que analisa produtoras de conteúdo que
postam vídeos em canais no YouTube e elaboram um conhecimento
específico sobre os cabelos e seus cuidados, mas não apenas isto,
refletem a partir desse referencial estético sobre a construção
das identidades em torno das questões raciais e os desafios dentro
do contexto brasileiro.
Também através dessa relação com a comunicação e a arte, Danielle de
Noronha, na tese “Representacionesde la diferencia:Género, raza y trabajo en la prensa hegemónica brasileña”
buscou
entender como as representações relacionadas à gênero, em
intersecção com raça e trabalho, veiculadas no jornalismo
hegemônico brasileiro atuam para a manutenção de relações de
poder. O jornalismo, que possibilita pensar sobre a coexistência
entre discurso e realidade, é entendido como um importante mecanismo
de formação de opiniões sobre o mundo que nos rodeia. Deste modo,
a pesquisa parte do pressuposto que a imprensa exerce grande
influência nos processos identitários, atua na (re)formulação de
tradições, memórias e estereótipos sociais, além de ser um dos
principais meios em que se (re)produz o padrão colonial do poder, do
saber e do ser, que influencia tanto o imaginário como a vida
prática social. Danielle atualmente também desenvolve uma pesquisa
sobre a relação entre gênero e cinematografia, pensando na relação
entre aquelas e aqueles que estão atrás das câmeras com as
representações relacionadas à gênero no audiovisual brasileiro, e
sobre os discursos relacionados ao parto, ser mulher e ser mãe nas
rodas do projeto Parir- Parto Domiciliar Planejado
do
Vale do Capão (BA).
Interessada
na questão do trabalho e suas transformações no bojo da ascensão
neoliberal e da financeirização capitalista, Maria Teresa Ruas se
deparou com a necessidade de um olhar interseccional sobre a
realidade. Atenta ao ganho de força do debate sobre a
desdemocratização brasileira em sua área de origem, a ciência
política, em meio às tentativas de analisar os retrocessos
democráticos que se aceleram no país nos últimos anos, a
pesquisadora se propôs a identificar os impactos desses retrocessos
sobre a superexploração do trabalho, base estrutural da acumulação
no capitalismo periférico. Nessa trajetória, o tratamento dos
trabalhadores
em
seu plural masculino e homogeneizador mostrou-se não só
insuficiente à proposta de análise, como simplesmente irreal. A
realidade do trabalho é concretamente composta por inúmeras
transversais, entre as quais o gênero ganha protagonismo, mas não
basta: e daí resulta a necessidade do olhar interseccional.
Consciente de que tanto o enfoque que se pretende adotar na pesquisa,
quanto a realidade localizada histórica, espacial e contextualmente
se impõem na determinação de quais categorias de análise, dentre
as inúmeras possíveis na análise interseccional, Maria Teresa
passa a direcionar seu olhar para as trabalhadoras rurais.
Elida Braga, em sua pesquisa de doutorado, nos leva a compreender os sentidos construídos sobre as adolescentes em conflito com a lei que cumprem medidas socioeducativas por atos infracionais, na Unidade Feminina de Aracaju – UNIFEM, bem como aqueles produzidos a partir do Estado e dos envolvidos no sistema socioeducativo sob perspectiva de gênero. Com isso, aparece o modo pelo qual o Estado produz sentido sobre o que é ser mulher e como se aplica determinadas formas de intervenção sobre as adolescentes, além do desafio de trabalhar temáticas incomuns de modo sobreposto, a saber a adolescência e o gênero no contexto institucional estatal. Ademais, buscou-se nas adolescentes as percepções dos processos nos quais se constroem na condição de internas, como elas se percebem no processo e constroem a si neste contexto.
Elida Braga, em sua pesquisa de doutorado, nos leva a compreender os sentidos construídos sobre as adolescentes em conflito com a lei que cumprem medidas socioeducativas por atos infracionais, na Unidade Feminina de Aracaju – UNIFEM, bem como aqueles produzidos a partir do Estado e dos envolvidos no sistema socioeducativo sob perspectiva de gênero. Com isso, aparece o modo pelo qual o Estado produz sentido sobre o que é ser mulher e como se aplica determinadas formas de intervenção sobre as adolescentes, além do desafio de trabalhar temáticas incomuns de modo sobreposto, a saber a adolescência e o gênero no contexto institucional estatal. Ademais, buscou-se nas adolescentes as percepções dos processos nos quais se constroem na condição de internas, como elas se percebem no processo e constroem a si neste contexto.
Por
último, sabendo que a educação é transformadora e que somente
através dela podemos nos libertar das amarras da desigualdade, a
pesquisa de Renata Maria pretende abordar a importância do acesso à
educação para todos, todas e todes, sem distinção, para que assim
então, ela cumpra seu papel. Para que uma educação seja
transformadora é necessário incluí-la na sociedade de acordo com
as realidades de cada grupo, a aula que será ministrada em uma
escola pública de um bairro periférico, não vai ser a mesma aula
dada em uma escola particular de um bairro burguês, a educação
liberta quando se encaixa e colabora com o desprender das correntes
que cada indivíduo possui. Partindo desse pressuposto, a autora fará
uma pesquisa de campo em diferentes escolas, de diferentes regiões,
detalhando a importância da educação naquele espaço e expondo as
diferentes desigualdades presentes em cada uma. A luz de autores como
Paulo Freire, Djamila Ribeiro, José Carlos Líbaneo, Angela Davis,
dentre outros, a pesquisa trará as diferentes desigualdades
presentes na sociedade, seja de gênero, seja de raça, seja de
classe, e a importância da educação na transformação.
Com
estes exemplos, esperamos visibilizar diversos trabalhos que estão
contribuindo para o desenvolvimento das pesquisas relacionadas à
gênero no âmbito das ciências sociais a partir de distintas
realidades brasileiras, no geral, e principalmente sergipanas, no
específico.
Referências
bibliográficas
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BRAH, Avtar. Diferença, Diversidade e Diferenciação. In: BRAH, Avtar. Cartographies of diaspora: contesting identities. Longon/New York, Routledge, 1996, capítulo 5, p. 95-127. Cadernos Pagu (26) jan-jun de 2006, pp. 329-376.
CADWELL,
Kia Lilly. Fronteiras da diferença: raça e mulher no Brasil.
Estudos
feministas,
Florianópolis, v. 8, n.2, 2000. Disponível em:
https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/11922
DAVIS,
Angela. Mulheres,
raça e classe.
São Paulo: Boitempo editorial, 2016.
GONZALEZ, Lélia. "Por um feminismo afrolatinoamericano". Revista Isis Internacional, Santiago, v. 9, p. 133-141, 1988.
GROSSI,
Miriam Pillar. "Identidade de Gênero e Sexualidade".
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em Primeira Mão,
n. 24, Florianópolis, PPGAS/UFSC, 1998. Disponível em:
http://bibliobase.sermais.pt:8008/BiblioNET/upload/PDF3/01935_identidade_genero_revisado.pdf
LUGONES,
María. 2008. “Colonialidad y género”. Tabula
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nº 9: 75-101.
MACHADO,
Débora. COSTA, Maria Luisa; DUTRA, Delia. Outras Epistemologias para
os Estudos de Gênero: feminismos, interseccionalidade e divisão
sexual do trabalho em debate a partir da América Latina. Revista
de Estudos e Pesquisas sobre as Américas
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https://periodicos.unb.br/index.php/repam/article/view/20997/19336
SCOTT,
Joan W. 1995. “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”.
Educação
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Porto Alegre, v. 20, nº 2: 71-99.
WELLER, Wivian. A presença feminina nas (sub)culturas juvenis: a arte de se tornar visível. Rev. Estud. Fem. [online]. 2005, vol.13, n.1, pp.107-126. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ref/v13n1/a08v13n1.pdf.
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