NOVAES, Regina. Juventude e sociedade: jogos de espelhos, sentimentos, percepções e demandas por direitos e políticas públicas. Sociologia Especial: ciência e vida, v. 1, n. 2, p. 6-15, 2007.
Resenha
Por Raiane Santos
A autora do texto em questão, Regina Célia Reyes Novaes é uma antropóloga que tem dedicado seus estudos no campo das juventudes desde seu processo de formação. Regina contribui para o campo dos estudos sobre juventude a partir de múltiplas perspectivas, sobretudo sobre as políticas públicas para juventude em âmbito nacional.
O texto Juventude e sociedade: jogos de espelhos, sentimentos, percepções e demandas por direitos e políticas públicas, publicado em 2007, traz como ponto de partida a junção de eixos como o processo de globalização e o desenvolvimento de políticas públicas para a juventude a partir do âmago da sociedade contemporânea.
Ainda que a categoria juventude não seja mencionada de forma plural, ao menos no que diz respeito especificamente a este texto, a autora ressalta a importância de reconhecer a universalidade por trás de tal categoria, pontuando que que existem diversos contextos históricos a serem considerados. Neste sentido, Novaes pontua que “ser jovem é viver uma contraditória convivência entre a subordinação à família e à sociedade e ao mesmo tempo, grandes expectativas de emancipação.” (p.1).
O conceito de moratória social é mencionado no texto quando a autora associa a perspectiva das juventudes às diversas condições atribuídas como "pré-requisito" para a experiência juvenil. Tais atribuições podem ser postergadas dependendo da condição e posição socioeconômica dos jovens, pois, “em uma sociedade marcada por grandes distâncias sociais, são desiguais e diferentes as possibilidades de se viver a juventude como “moratória social”, tempo de preparação.” (p.1).
A importância de não universalizar a categoria juventude dentro dos debates sociológicos vincula-se à necessidade de acessar realidades que atravessam a dimensão da faixa-etária. Para a antropóloga, a pergunta “onde você mora?” pode desencadear respostas fundamentais para a restrição e exclusão de jovens específicos. A autora chama este processo de “discriminação por endereço”, afetando principalmente o acesso aos âmbitos educacionais, campo de trabalho e espaços de lazer.
As categorias políticas públicas e juventude estão nitidamente conectados no texto, contudo, é importante mencionar que a autora parte, também, do pressuposto geracional para chegar até os quadros que atingem as juventudes a partir da globalização. Menciona-se que, “para além do aspecto biológico, e apesar dos abismos sociais existentes, ser jovem em um mesmo tempo histórico é viver uma experiência geracional comum.” (p.2).
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É importante notar que a autora faz um comparativo a partir do campo geracional, situando a similaridade de jovens que vivem em um mesmo tempo social” para acessar as condições no campo do econômico, assim, pontua: Os jovens do século XXI, que vivem em um mundo que conjuga um acelerado processo de globalização e múltiplas desigualdades sociais, compartilham uma experiência geracional historicamente inédita. Para além das evidentes distâncias sociais que os separam, os jovens de hoje vivem em um momento no qual a tensão local-global se manifesta no mundo de maneira contundente. Nunca houve tanta integração globalizada e ao mesmo tempo, nunca foram tão agudos os processos de exclusão e profundos os sentimentos de desconexão. (2007, p.2)
Dentro da concepção moderna de juventude, a entrada no âmbito escolar era considerada inerente dentro do processo de transição para a maturidade, contudo, atualmente nota-se que ocorre o inverso e tal fato retrata-se a partir do momento em que ““estar na escola” passou a definir a condição juvenil”. (p.3). Ainda que a “moratória social” seja experienciada por jovens de classes sociais específicas, pensar a relação entre juventude e trabalho é compartilhar antes de tudo a condição geracional, a relação do estar num mesmo tempo social. Isso porque, jovens de diversas classes sociais demonstram medo e insegurança com relação ao campo de trabalho em consequência do processo de globalização. Este sentimento conecta os jovens através da “consciência de que sua geração está submetida às rápidas
transformações tecnológicas no mundo do trabalho.” (p.3).
Diversos autores discutem a relação entre juventude e trabalho numa perspectiva de realização humana. A antropóloga Regina Novaes aponta críticas a este cenário pelo fato de que o senso comum ainda associa o sentimento de realização plena a partir da inserção no mercado de trabalho. É um fato que a condição de trabalho gera possibilidades de emancipação, porém, as condições em que os jovens são inseridos com o discurso de estabilidade e conquista de emancipação financeira precisam ser discutidas a partir de realidades plurais. Embora a questão geracional seja pontuada a partir da ótica da globalização, em que os jovens estão adquirindo experiências similares no quesito tempo social, os abismos sociais são mencionados frequentemente no texto. “De certa forma, ser jovem é ser suspeito”, Novaes pondera sobre a realidade protagonizada pelos jovens na contemporaneidade, todavia, o ser suspeito é estigmatizado por fatores como raça, classe e gênero. Todas estas condições estão presentes na sociedade no geral, entretanto, tais vertentes são evidenciadas diante do alto índice de violência urbana.
O “medo de sobrar", como a autora menciona, permeia principalmente os espaços em que as vulnerabilidades são ainda mais expostas. Concomitante a isto, a autora pondera que, [...] para se contrapor ao precoce “medo de morrer” de maneira violenta que tem lugar entre os jovens de hoje, políticas públicas devem se desenvolver com o objetivo de assegurar-lhes o direito à vida segura. Para tanto, não deve haver uma hierarquização e/ou uma cisão entre políticas de inclusão social e políticas específicas de enfrentamento e prevenção à violência. Isto porque há uma interdependência entre os processos de exclusão social que atingem diferentes segmentos juvenis e os mecanismos sociais detonadores de atos e atitudes de violência física e simbólica. (2007, p.6)
Para adentrar na discussão entre jovens como sujeitos de direitos, a autora menciona que a partir de um processo de criação de direitos, outros direitos são condicionados gerando uma dinâmica em que a consolidação de uma necessidade/direito abre espaço para outros. Três tipos de gerações são mencionados para demonstrar que a consolidação de direitos, bem como a luta por estes precisam ser constantes, pois um processo leva ao outro. A primeira geração foi marcada pela consagração dos direitos civis e políticos, a segunda tem a marca dos grupos sociais que acentuou a emergência de novos direitos, e a terceira geração, sendo interconectada às demais, carrega a consagração dos direitos difusos. De acordo com Novaes, esta terceira geração “teve amplas consequências sociais.” (p.8).
Para atravessar o debate sobre políticas na era contemporânea, a antropóloga ressalta que na modernidade a busca por direitos ocorria de maneira individual, enquanto na perspectiva contemporânea, temos a predominância do “reconhecimento e valorização das diferenças e das identidades coletivas''. (p.8). A concepção de direitos difusos a qual a autora pontua como terceira geração remete a teoria do reconhecimento, sobretudo por entender que “os direitos da juventude podem ser vistos como uma nova intersecção entre direitos de cidadania (civis, sociais e difusos)” (p.8), podendo, assim, ser visualizada com eixos que se conecta em prol de uma política de redistribuição.
Tanto para o reconhecimento quanto para fortalecer a categoria “juventude como sujeito de direitos”, a autora pontua que é imprescindível que os âmbitos nacional e internacional dispensem o diálogo conjunto a respeito desses grupos (juventudes), uma vez que “as principais transformações que atingem os jovens também escapam ao nível de decisões nacionais (transformações no mundo do trabalho, narcotráfico mundial, indústria bélica)(...).” (p.9).
Pensar o “jovem como sujeito de direitos” diz respeito, também, à particularidade de cada um, sem a ideia de exclusão dos “direitos difusos”. A experiência que cada indivíduo e/ou grupo adquire no processo de desenvolvimento fomenta as possibilidades de engajamento social, e, por consequência, amplia a conexão solidária da coletividade a partir de experiências similares. Respeitar as especificidades e considerá-las é um passo fundamental para o desenvolvimento e ampliação de políticas públicas para as juventudes, uma vez que “a juventude não só refletirá a sociedade, mas está desafiada a reinventá-la." (p.9).
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