sábado, 1 de julho de 2023

A Pandemia e as Emoções: os significados da experiência de ser jovem no cenário brasileiro de crises

por  Lúcia Verônica Muniz de Paulo


    A pandemia do vírus Sars-CoV-2 – conhecido como COVID-19 – trouxe desafios individuais e coletivos. Diante da crise sanitária, as pessoas perceberam-se impotentes e incapazes; passaram por alterações significativas nas formas de lidar com os seus afetos. Neste cenário, os grupos jovens foram apontados como os grupos mais afetados emocional e psiquicamente, sobretudo por certas particularidades em como vivenciaram este momento. As causas disto, embora tenham sido evidenciadas na pandemia, não são frutos exclusivos das mudanças trazidas por este contexto (WHO, 2022). 


Foto por Frank Marcon

    Para apreender em produndidade o cenário brasileiro da pandemia e as formas como as pessoas foram emocional e psiquicamente afetadas neste contexto, tomo como base, para a minha pesquisa de mestrado, os textos que trabalharei aqui. Frantz Fanon, mais especificamente os textos presentes no livro “Os condenados da Terra”. Este livro fora publicado pela primeira vez em 1961, e fala sobre o modo como a colonização vulnerabilizou – e ainda vulnerabiliza – a psique dos povos colonizados. E para abordar as emoções experimentadas pelos jovens diante da pandemia no Brasil, utlizo o texto de Lila Abu-Lughod e Catherine Lutz “Introduction: emotion, discourse, and the politics of everyday life”, que é um capítulo de introdução às discussões sobre a Antropologia das Emoções presentes no livro “Language and the politics of emotion”, publicado em 1990 e organizado por estas autoras.

Antes da crise sanitária espalhar-se pelo mundo, o sentimento no Brasil já era de desamparo e de desesperança. As crises sociais e políticas, decorrentes principalmente da instabilidade no Poder Exercutivo do país, traziam a sensação de que os brasileiros, sobretudo os que mais precisavam da atuação do Estado, tornavam-se cada vez mais “os condenados da terra” (FANON, 2022 [1961]). Este cenário, ao somar-se à chegada da pandemia, transformou-se em uma dupla crise, o que afetou diretamente a forma como este momento fora experimentado emocional e psiquicamente no país. Assim sendo, mesmo antes dessa conjugação de crises, os brasileiros já experimentavam a “hiper-afetividade” mencionada por Franz Fanon (2022), uma vez que as desigualdades sociais vivenciadas na pandemia decorreram – e ainda decorrem – de um processo de continuidade e aprofundamento da invisibilização e marginalização dos socialmente vulnerabilizados, que se iniciara antes mesmo da chegada do COVID-19 no Brasil. Por ser um país que segue marcado pelo colonialismo, o Brasil tem seu povo vulnerabilizado socialmente e mantido com sentimentos “à flor da pele, como uma chaga viva” (FANON, 2022, p. 48). Estes sentimentos, bem como a forma como as pessoas significam as emoções, para serem compreendidos, exigem a localização no tempo e no espaço de seus surgimentos.

Frantz Fanon (2022) ao falar sobre a colonização, diz que esta é uma grande provedora dos hospitais psiquiátricos, e que existe uma dificuldade de cura do colonizado dentro de um meio social com as marcas do colonialismo (p. 251). A forma como as pessoas são marcadas emocional e psiquicamente, portanto, está relacionada ao contexto social em que vivem, o que mostra que não há como prescindir dos resquícios coloniais ao falar sobre a pandemia em um país como o Brasil, que segue marcado pela colonização.

A investigação sobre as emoções, como disseram Abu-Lughod e Lutz (1990), exige a observância de dois pontos cruciais: sociabilidades e relações de poder (p. 13). Para identificar os modos como os jovens, a partir do cenário de crises que fora a pandemia no Brasil, produziram e significaram suas experiências emocionais, os aspectos sociais que envolvem a construção destas experiências exigem ser reconhecidos. As emoções suscitadas entre os jovens brasileiros durante a pandemia não têm suas origens tão somente nas individualidades, e sim na vida social; nas condições políticas e econômicas que intensificaram as suas vulnerabilidades e experiências de sofrimento.

Embora as emoções sejam manifestadas no corpo humano dos indivíduos, e ligadas à saúde mental, as suas origens também precisam ser situadas no corpo social, de forma que seja possível observá-las como socialmente construídas e significadas (ABU-LUGHOD; LUTZ, 1990, p. 13). Diferentemente da ideia de que a sociedade é feita por indivíduos isolados, em que cada um se encerra em sua subjetividade, parto da compreensão de que as subjetividades dos jovens foram afetadas por essa dupla crise, sobretudo entre os que já eram submetidos à vulnerabilidade social. As experiências emocionais deste grupo e investigadas na minha pesquisa são observadas como frutos das circunstâncias históricas e culturais; são frutos da forma como o poder apresenta-se nas relações sociais das juventudes.

As experiências não foram iguais, e as diferenças estiveram relacionadas a desigual distribuição de poder preexistente à pandemia. Por isto, a investigação tem se debruçado sobre as circunstâncias sociais que foram – e continuam sendo – o plano de fundo das experiências emocionais das juventudes, que cada vez mais interpretam seus sentimentos como enfermidades. A vulnerabilidade e a situação de crises, unidas, podem não ter sido provedoras para os hospitais psiquiátricos, como dissera Fanon (2022, p. 251), pois estes não mais existem como outrora. A relação destas circunstâncias, contudo, gerou uma exposição ao dano psíquico maior entre os que já enfrentavam socialmente as dores da chaga viva de viver com as emoções à flor da pele (FANON, 2022, p. 48).

 

REFERÊNCIAS:

ABU-LUGHOD, Lila; LUTZ, Catherine A. Introduction: emotion, discourse, and the politics of everyday life. In: ABU-LUGHOD, Lila; LUTZ, Catherine A. (orgs.). Language and the politics of emotion. Cambridge: Cambridge University Press, 1990. P. 1-23.

FANON, Frantz. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Zahar, 2022.

WHO. COVID-19 and mental health In: World mental health report: transforming mental health for all. Geneva: World Health Organization; 2022. p. 28-32. Disponível em: <https://www.who.int/publications/i/item/9789240049338>. Acesso em: 22 set. 2022.

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