segunda-feira, 16 de agosto de 2010

CONSUMO COMO CULTURA MATERIAL

Resenha do artigo de Daniel Miller

Daniel Miller nasceu em 1954, é Doutor em Antropologia e Arqueologia pela Universidade de Cambridge, professor de Cultura Material e Antropologia do Consumo no University College em Londres (UCL), compõe o corpo editorial dos periódicos Journal of Material Culture e Journal of Consumer Culture, e editor do Material World, um blog acadêmico sobre cultura material, resultado de um projeto colaborativo entre o University College London e a New York University. Daniel Miller é também autor e organizador de mais de 20 livros nas áreas de cultura material e estudos do consumo, como: A Theory of Shopping; Culturas de carro; Posses Home: Cultura Material à porta fechada; a cultura material e consumo de massa.
No artigo proposto, Daniel Miller, faz uma discussão sobre o consumo e a cultura material. Inicialmente o autor faz um apanhado geral de como o consumo é visto e tratado por muitos acadêmicos, geralmente de forma pejorativa. Depois explana algumas perspectivas disciplinares para depois entrar na discussão antropológica. Por fim, o autor trata do consumo através da abordagem da cultura material, exemplificando com estudos sobre o carro, a casa, o vestuário e a mídia.
Originalmente, a impressão negativa do consumo esta ligada à relação entre consumo, produção e troca. A troca é superestimada, sendo a responsável pelas relações sociais. A produção representa a criatividade e funciona como uma auxiliar do consumo, e para o consumo resta o papel de vilão responsável pela eliminação de recursos, o que é ratificado pela perspectiva ambientalista onde o consumo é sinônimo de destruição. Outro fator que corrobora com a visão pejorativa do consumo é a idéia de moralidade deste, que surge antes mesmo do conceito de consumo de massa, onde existiria um padrão moral de necessidade para definir o que seria um consumo “bom”. Algumas religiões auxiliam esta visão defendendo o antimaterialismo, como o hinduísmo, budismo e o jainismo. Nessas religiões a oposição à cultura material esta sustentada teologicamente, da mesma forma que a acumulação de bens assegurados pela hierarquia natural da sociedade, onde existem padrões diferentes para plebeus e nobres. Essa distinção faz com que o consumo seja associado à riqueza e a mesma é responsável pelo relaxamento das regras sociais.
Para o marxismo ocidental o consumo é o que sustenta o capitalismo e faz com que a sociedade se empobreça, uma vez que os bens de consumo estariam substituindo as relações pessoais ao invés de representá-las. O consumo ainda é responsável pela perda de autenticidade e das raízes de um povo, como se o consumidor exercesse um papel passivo, e não fosse consciente do que se esta consumindo. O autor defende que existem outras formas de rotular as pessoas no capitalismo muito mais fortes que o consumo, como o trabalho que por muito tempo determinava a condição do individuo na sociedade.
O autor critica ainda os acadêmicos que romantizam o trabalho manual e denigrem a cultura do consumidor, uma vez que a maioria destes faz parte do segundo grupo e esquece que muitos dos problemas estão diretamente relacionados à falta de recursos e a pobreza como causa do sofrimento humano. Isso não quer dizer que o consumo deva ser incentivado unicamente pelo consumo e sim por sua simbologia e as relações que o mesmo produz.
Com relação às perspectivas disciplinares, duas ciências que mantiveram o interesse no consumo foram a economia e a administração. Ambas utilizam o consumo como forma de compreensão da relação das pessoas com o mercado. A economia se deteve principalmente às teorias e modelos de mercado, já a administração esta mais preocupada com um microambiente isolado de escolha do consumidor e realizou pesquisas, juntamente com a economia e a psicologia mais qualitativas e interpretativa, estas mais interessantes para as ciências sociais.
Já dentro dos estudos ligados as ciências sociais, foi feita uma analogia à comunicação dentro de um sistema simbólico, vários estudos buscaram compreender o valor simbólico do consumo e como as sociedades se adaptam as novas informações que são passadas através do marketing e da globalização, uma vez que a globalização não resultaria num processo de homogeneização pois cada povo teria uma forma própria de lidar com novos bens de consumo. Dentro da globalização, a internet funciona como elemento de localização, destruindo fronteiras locais e nacionais, já que este “lugar” esta presente em todos os povos e não pertence a nenhum.
A cultura material tem uma abordagem diferente sobre o consumo, onde a produção de bens não é apenas uma expressão do capitalismo e a compra não é o fim da reflexão sobre os bens de consumo, alguns bens tem significado próprio para cada grupo, a exemplo da motocicleta para os rockers. O autor ainda trás outros bens como:
Casa – que além da moradia, possui valor agregado através da arquitetura e do design é tratado como bem de consumo, e não só como local, existindo pesquisas sobre organização de mobília, noção de organização domiciliar, entre outros.
Vestuário – usos de peças como representação de vestimenta de grupos específicos, a simbologia de vestuário como espartilho e sutien para manifestações no decorrer da historia.
Mídia – os estudos sobre mídia, originalmente, diziam respeito a pesquisas de audiência. Depois passou a ser elemento de interesse geral, pois ela possui conseqüências no processo de formação da sociedade, abrangendo vários aspectos, como radio, televisão, etc.
Carro – este é um bom exemplo de como os bens devem ser relativizados, o uso e a importância do carro para o taxista é muito diferente da importância e do uso para um aborígene australiano.
Dentro deste artigo, podemos observar alguns aspectos muito importantes para o estudo da cultura material, o mais importante é a relação entre produção e consumo e não os dois separadamente; o marketing e o varejo que foram colocados em segundo plano nos estudos sobre consumo, mas que ocupam papel fundamental; a capacidade dos bens de representar afeto através de presentes e do apego material, como no caso citado no texto da mãe que perde seu filho num estagio avançado da gravidez ou o tem natimorto, ela demonstra através dos objetos comprados para a criança que os pais não perderam simplesmente uma coisa e sim um filho.
“O que esse estudo demonstra é como uma abordagem genuína de cultura material ao consumo começa e termina com uma compreensão intensificada e não reduzida da humanidade, ao reconhecer também a sua materialidade intrínseca” (MILLER, 2007). O consumo como cultura material demonstra que mesmo bens possuem bagagem simbólica e deve ser trabalhado como forma de compreensão social.

By LYS

2 comentários:

Tania disse...

Oi gente! Adoro o jeito do Daniel Miller escrever, acho super válida a discussão que ele faz e ele me inspira bastante a continuar a discussão com a antropologia do consumo.
O que eu fico a me questionar e que não está muito claro na minha cabeça, é que sempre é enfatizada a importancia de pensar a relação produção e consumo. Em que aspecto, como seroa isso?? Help me!! Esclarecimentos please!!!

Unknown disse...

Olá! Bastante interessante podermos analisar a cultura de uma sociedade através da sua produção e consumo.Os bens de consumo sustentam não apenas sua representação, mas sua simbologia que o tornam como representação subjetiva, e em uma sociedade onde os meios tecnológicos e midiáticos estão cada vez mais presente e incitam o consumo por propagandas, marketing, etc. Seria a propaganda, determinante entre a relação grupos sociais e consumo? Seria ela, o verdadeiro reflexo da sociedade? abraços.
Alessandra Souza.