quinta-feira, 31 de maio de 2012

Os estudos culturais e as metáforas de transformação

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Daniela Nogueira Amaral
Danielle Parfentieff de Noronha
Tânia Carolina Viana de Oliveira

O texto Para Allon White: Metáforas de Transformação é resultado de uma palestra ministrada por Stuart Hall em memória de Allon White, organizada pela Universidade de Sussex. A partir do texto A política e a poética da transgressão, de White em coautoria com Peter Stallybrass, Hall fala sobre a mudança nas metáforas de transformação, o diálogo que os autores fazem com Mikhail Bakhtin e a relação com a teoria cultural desenvolvida no Centro de Estudos Culturais, iniciada nos anos 1970.
As mudanças culturais são pensadas a partir de diferentes tipos de metáforas, como por exemplo, as ideias sobre o que aconteceria se o discurso da cultura hegemônica fosse questionado e novos discursos e configurações socioculturais começassem a ser evidenciados. Tais metáforas, além de permitir discorrer sobre possibilidades de transformação, devem ainda promover meios de imaginar as relações entre os domínios sociais e simbólicos.
As metáforas clássicas de transformação eram modeladas pelo “momento revolucionário” e pensadas sempre a partir da inversão, quando há a substituição total da cultura alta pela cultura baixa. White e Stallybrass expandem estas metáforas e desenvolvem uma nova forma de pensá-las, não apenas a partir da transposição que coloca o baixo no lugar do alto, mas infringindo este binarismo e levando em consideração outras questões simbólicas e culturais que estão em jogo no cerne destas relações.
No livro A política e a poética da transgressão, os autores ultrapassam os limites propostos pelas metáforas clássicas da transformação e estabelecem um diálogo crítico com a psicanálise de Freud e, principalmente, com Bakhtin.  Para os autores, a noção de transgressão se funda na ideia de Bakhtin sobre o carnaval. “O carnaval é a metáfora da suspensão e inversão temporária e sancionada da ordem, um tempo em que o baixo se torna alto e o alto, baixo, o momento da reviravolta, do mundo “às avessas” (p. 224).
No carnaval há uma inversão das categorias simbólicas de hierarquia, os discursos e as práticas são alterados e os modelos clássicos do que se entende por formal são ultrapassados. “A natureza contraditória das hierarquias simbólicas” é o que move a mudança nas metáforas de transformação proposta por White e Stallybrass. Para Stuart Hall, o processo de mudança entre as metáforas é resultado de uma transição na vida política e cultural de uma forma geral, que também pode ser percebido no trabalho mais crítico desenvolvido nas últimas décadas, como o realizado no Centro de Estudos Culturais a partir dos anos 1970.
Com base em três exemplos, Hall pontua as “afinidades eletivas” do trabalho de Bakthin, e também com o livro de White e Stallybrass, com os debates da teoria cultural dos estudos culturais. O primeiro exemplo pertence ao início dos estudos culturais, quando já era questionado o uso das categorias alto e baixo; o segundo é sobre um trabalho com subculturas jovens, onde é repensado o termo popular e, o terceiro, sobre a análise do discurso ideológico, com base num debate com o livro Marxismo e filosofia da linguagem, conhecido como sendo um trabalho de V. N. Volochínov, mas que carrega a suspeita de ter sido escrito por Bakhtin.
Atualmente, a transgressão do binarismo entre alto e baixo já é comum dentro da teoria crítica, mas como demonstra Hall, não se trata apenas de abandonar esta distinção, mas transcendê-la. Para White e Stallybrass, os processos de ordenação e classificação que os eixos alto e baixo representam como processos culturais fundamentais são essenciais para a constituição da identidade de qualquer domínio cultural. Os conceitos de ambivalência e hibridismo, por exemplo, que começaram a transgredir a ordem binária do campo cultural em alto e baixo, “não destroem a força operacional do princípio bieráquico da cultura” (p. 239), sendo ainda fundamental para a organização e regulação da prática cultural.
Segundo Stuart Hall, é necessário “mudar o foco da atenção teórica das categorias “em si mesmas”, enquanto repositórios de valor cultural, para o próprio processo de classificação cultural” (p. 239). Não se deve esquecer que as práticas culturais fazem parte do jogo do poder e das tensões que permeiam os mecanismos da hegemonia cultural.
Dessa maneira, Hall chama atenção para a relevância de retomar um texto lançado há anos, que se torna bastante pertinente nas discussões presentes no âmbito dos Estudos Culturais, em que o fluxo da transformação cultural não ocorre apenas de cima para baixo, como numa dualidade antes proposta, e sim proveniente de diversas maneiras e “direções” presentes no debate cultural. Não é preciso abandonar certas metáforas de transgressão, e sim deslocá-las para outro patamar discursivo.

[i] Resenha de HALL, Stuart. Para Allon White: metáforas de transformação. In: Da diáspora – Identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: EdUFMG/Humanitas, 2003, pp. 219 – 244.

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