REFLEXÕES DO GRUPO DE ESTUDOS DE JUVENTUDES NO SEMESTRE 2020.2
Anatil Maux de Souza
João Víctor Pinto Santana
Mateus Antonio de Almeida Neto
Em meio a uma pandemia viral de contágio por vias de transmissão aérea, o Brasil passa, no ano de 2021, pelo décimo terceiro mês de calamidade sanitária em toda a sua extensão territorial. A generalização não é universalizadora aqui. É o próprio caos que se dissemina em variantes num embate cuja resistência consiste em apontar para a vacina como solução. A experiência no Sudeste brasileiro é diferente da experiência no Nordeste, que É diferente nos contextos de classes médias e nos contextos baixa-renda e zonas periféricas.
Neste
momento atual – mesmo com todos os decretos dos governos estaduais/municipais e
o empenho para conter a pandemia, tanto através de auxílios, lockdown, hospitais de campanha e da corrida
europeia e asiática para a confecção de uma vacina eficaz – o Brasil apresenta o
maior número de casos e mortes durante toda a pandemia.
Não
restam dúvidas, portanto, que é preciso olhar para o
que se tem como ideal utópico da quarentena e o que efetivamente é possível
realizar dela em termos práticos e distópicos. A pandemia é um acometimento
global, mas não é um fenômeno universal.
Os
dados mundiais, relacionados ao ranking de vítimas da covid-19, demonstram que
o Brasil está atrás apenas dos Estados Unidos da América - que em janeiro de
2021 elegeu o democrata Joe Biden como novo presidente (o que pode ser
traduzido como uma grande insatisfação do povo norte-americano com a política
do republicano Donald Trump). O presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro,
era totalmente afinado com a política de Trump, um tipo de neoliberalismo com
características nacionalista e conservadora. Esta realidade pode demonstrar que
as esferas políticas do Brasil não se afinaram de forma objetiva para conter o
avanço da Covid-19.
Paralelamente, no Brasil, fatos jurídicos e sociais (decisões judiciais;
escândalos de corrupção; requerimentos de impeachment,
protestos, panelaços, negacionismos etc...) reacendem as chamas da polarização
político-partidária (delimitada, basicamente, entre esquerda/direita), que em
nada contribuem para um direcionamento efetivo da crise humanitária e sanitária
que envolve a realidade brasileira, que já possui variantes específicas do
covid-19.
Enquanto a pandemia do covid-19 exacerba e revela cenários
problemáticos de uma trajetória nacional nos níveis estruturais verticais
(política nacional ou política “global”) e horizontais (grupos de risco e
populações vulneráveis), o isolamento social se torna um privilégio para
populações com empregos estáveis e para quem tenha uma seguridade e que garanta
o regime de emprego sem afetar a subsistência.
A juventude assume um protagonismo social e moral em toda essa
discussão, visto que, por um lado, se apresenta como o principal grupo social etário responsável por amenizar/evitar um colapso financeiro/econômico no país
em um futuro próximo, entretanto, por outro lado, os jovens assumem uma excessiva
responsabilização pela transmissão do coronavírus, pelo fato de não terem
condições de parar as suas atividades laborais (é o caso, por exemplo, dos
trabalhadorxs em serviço de delivery)
e/ou, eventualmente, estarem buscando manter seus espaços de sociabilidade como
forma de resistência.
Ao que parece, a discussão da juventude como “problema” volta à
tona nas ciências sociais. Desta vez, com uma roupagem diferente,
pois a juventude passa a ser compreendida, ao mesmo tempo, como “salvadora”
e/ou “vilã” da pandemia no Brasil.
Assim, nota-se
que os jovens têm se articulado pelas redes sociais, divulgando festas e
encontros movidos à música, dança, bebidas e drogas em geral. Estes momentos
fortuitos, para esta população, são formas de dinamizar o lazer
maquinofaturado, trabalho e renda diante dos impactos causados pela Covid-19,
ao mesmo tempo em que negligenciam os impactos causados pela pandemia.
Dentro
desse contexto de instabilidade e insegurança sanitária-político-social, os
jovens, diante da denominada “segunda onda” da Covid-19, têm sido descritos
pelas mídias e os profissionais da área da saúde como um dos principais
vetores de infecção e da propagação do vírus neste momento.
Entendemos
por “juventudes” um recorte geracional complexo, que vai desde aqueles indivíduos
nascidos pós-queda do Muro de Berlim (1989), que vivenciaram a emergência das
transformações tecnológicas do modelo analógico para o digital, como os que são
considerados nativos da revolução digital, imersos numa cultura de trocas,
trabalho e socializações diante das redes sociais digitais. As juventudes do
tempo presente podem ser consideradas herdeiras de uma cultura de consumo e
estética correlacionada a uma dinâmica do capitalismo de “rede de fluxos”, que
tem demonstrado uma necessidade crescente por reformas trabalhistas, que
paulatinamente tem precarizado as formas de autonomia desta população,
principalmente das classes baixas, que associam o tempo da juventude entre a
escolarização, o trabalho, o lazer e a constituição de família.
No
contexto atual, o uso de aparelhagem tecnológica, a exemplo de computadores,
notebooks, tabletes e celulares modelos smartphones conectados a internet, tem
contribuído e fissurado os bloqueios da indústria cultura e do espetáculo,
dinamizando toda uma cultura e estética que, provavelmente, até o final do século
passado, eram restritas a determinado territórios, a exemplo de uma cultura que
emergia e circulava apenas em contextos vistos como periféricos, que passou a
se movimentar por outros lugares, a exemplo de espaços considerados mais
elitizados. São as novas “agências estetizadas”, um fenômeno que tem impactado
indústria burguesa que se apropria da estética como meio de produção e formam
estilos de vida e nichos de mercado em escala transnacional. Portanto, é
crucial refletir sobre as “juventudes” e a noção de “agências estetizadas” no
cenário de pandemia no Brasil.
Nesta toada, as universidades brasileiras assumem o papel social
de resistência e reforçam a função das infraestruturas que funcionam como produtoras de ciência e de conhecimento, e atuam no âmbito da formação de recursos
humanos. Afinal, a quem serve o aparato das técnicas nos avanços tecnológicos e
científicos? De fato, atualmente não estão no Ministério da Saúde, nem muito menos
inseridos em reflexões e embasamentos de políticas públicas. Diante
dessas condições estruturais, existe uma experiência distinta dos indivíduos
nas suas experiências de vida em relação ao pertencimento desse projeto de
saúde coletiva. Universitários docentes e discentes com o isolamento social
ficaram impossibilitados (fisicamente) de ocuparem as salas de aula
de fato, assim como também muitas pesquisas se viram estagnadas diante desses
agravantes. O fazer científico assumiu outras formas e passa a existir (e resistir!)
na modalidade remota.
Exatamente dentro desse contexto que o “Grupo de Estudos
Culturais, Identidades e Relações Interétnicas” (GERTS), através do Grupo de
Trabalho intitulado: “Juventudes”, sob a supervisão de Prof. Dr. Frank Marcon,
no ano de 2020, entre os meses de Agosto e Dezembro, realizou atividades mensais,
por meio de encontros remotos através do aplicativo googlemeet, com o intuito de manter em circulação o conhecimento
acerca da temática “juventudes” como uma faixa-etária geracional interessante
para pensar processos históricos no país, especialmente no atual contexto de
pandemia do covid-19.
As sessões contaram com a presença de pesquisadores e
pesquisadoras de diversas universidades brasileiras (a exemplo da: Unb, UFAL,
UFRN e UFS), em diferentes níveis (doutores; doutorandxs; mestres e mestrandxs;
graduadxs e graduandxs) e foram divididas entre debates e compartilhamentos
teóricos sobre os textos e troca de experiências dos pesquisadorxs durante o
contexto da pandemia. Os encontros do grupo de estudos foram divididos em
quatro sessões temáticas, que trataram de: (a) práticas e representações
juvenis em suas nuances desde corporeidades e estetizações à formas de
comunicar; (b) geração propriamente dita na literatura clássica da sociologia
da juventude; (c) a temática da precariedade na construção de ser e estar nas
relações e, por fim, (d) a discussão sobre juventudes e políticas públicas com
o enfoque na modulação teórica das relações das juventudes com o sistema
democrático e os modelos convencionais de participação política que inscreve
alguns fatores que são melhores entendidos quando olhamos para as gerações de juventudes
em termos comparativos em meio a seu meio sócio político vigente a época.
Ao
debatermos sobre o tema “Práticas e representações juvenis”, analisamos as
agências estetizadas que se verificam nas novas formas de protagonismo juvenil,
como é o caso dos ativismos e protestos sociais que partem de um processo de
socialização no universo digital. Portanto, entendemos como as formas de
acionamento, estetização, mobilização, sentidos de resistência e reivindicação
se tornam essenciais nesse contexto. A grande questão que se levanta dessa
discussão parece ser a seguinte: e no contexto de pandemia, onde o isolamento
social é a melhor medida de prevenção ao contágio, como é possível analisar
este fenômeno? Formas de protagonismo virtual também foram discutidas e problematizadas.
Considerando
a necessidade de compreender o conceito de geração nas teorias sobre
juventudes, bem como debater sobre o problema da juventude na sociedade
moderna, a sessão 2, sob o título:
“Geração nas teorias sobre juventudes”, partiu da premissa de que é necessário
um aprofundamento acerca da teorização sobre os estudos geracionais na
sociologia das juventudes.
Na
sessão 3, tendo o objetivo de refletir sobre as diversas formas de
precarização, nas esferas: simbólica, econômica e social, que envolvem a
juventude contemporânea foi fundamental dimensionar as facetas do fenômeno
social denominado de: “juvenicídio moral”, bem como suas causas e efeitos na
realidade prática e no estilo de vida dos jovens. Nesse sentido, percebe-se que
a juventude vem se tornando a categoria social que arcará com o ônus (não
somente econômico, mas também social, político e ideológico) oriundo da
pandemia do coronavírus e das omissões dos representantes institucionais para
combate deste vírus.
E, por fim, tendo como premissa o entendimento de que a relação entre juventude e políticas públicas é um pilar fundamental na compreensão sociológica das juventudes, a sessão 4 visou debater sobre as concepções sociológicas de juventude com a perspectiva de problematizar o alcance e efetividade de políticas de/para/com a(s) juventude(s), assim como a questionar a visão “romantizada” e, ao mesmo tempo, pejorativa, da relação entre juventude e política. Nesse sentido, temas como: a (in)efetividade da Lei Aldir Blanc; e operacionalização do auxílio emergencial foram trazidos à baila nas discussões.
*Este breve texto faz parte de um conjunto de reflexões do Grupo de Estudos de Juventudes durante o semestre letivo de 2020.2. Desde já, agradecemos o espaço de interlocução que foi criado entre os pesquisadores participantes e, aproveitando a oportunidade, registramos a nossa expectativa de que este debate tenha continuidade nos próximos semestres, motivo pelo qual, em breve, estaremos divulgando um novo cronograma de atividades para o semestre de 2021.1. Contamos com a sua participação e colaboração!
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FEIXA, Carles; LECCARDI, Carmem. O conceito de geração nas teorias
sobre juventude. In: Revista Sociedade e Estado, volume
25, número 2 Maio / Agosto, 2010.
GROPPO, L. A. Juventudes e políticas públicas: comentários sobre as concepções sociológicas de juventude. Desidades: Revista eletrônica de divulgação científica da infância e juventude, Rio de Janeiro, N. 14. ano 5. Mar. 2017. Disponivel em: <https://revistas.ufrj.br/index.php/desidades/article/view/9574>. Acesso em: 15 Jun 2018.
MANNHEIM, Karl. O problema da juventude na sociedade moderna. In:
Org. BRITO de, Sulamita. Sociologia da juventude, 1: da Europa de
Marx à América Latina de hoje. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1968.
MARCON, F.
Agências Estetizadas, Geração Digital, Ativismos e Protestos no Brasil.
In: PONTO URBE, v. 23, p. 1-19, 2018.
MARCON, F. Juventudes,
precariedades e estetização: mobilidades, formas de trabalho e estilos de vida.
In: MARCON, F.; NORONHA, D. P. D. Juventudes & Movimentos.
Aracaju: Criação, 2018. p. 335-353
STRECKER, T.; BALLESTÉ, E.; FEIXA, C. El juvenicídio moral en España: antecedentes del concepto causas y efectos. In: CABASÉS, M. À.; PARDELL, A.; FEIXA, C. Jóvenes, trabajo y futuro. Valencia: Tirant Lo Blanch, 2018. p. 430-460.
Nenhum comentário:
Postar um comentário