GEERTZ, Clifford. O impacto do conceito de Cultura sobre o conceito de
Homem. In: A interpretação das
culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
ELISEU
RAMOS DOS SANTOS¹
(eliseu_ciso@hotmail.com)
Uma das principais ideias presentes no livro “A
interpretação das culturas” de Clifford Geertz, é a de que a cultura é composta por teias
de significados, cabendo a ciência não uma busca por leis e padronizações, e
sim uma postura interpretativa desses significados (p.14). Dessa forma, o autor rejeita
a concepção estruturalista que buscava alinhavar todas as sociedades a partir
de regularidades culturais pré-determinadas.
O
capítulo a ser discutido aqui, é um desdobramento dessa rejeição. Para mostrar
a cultura como teia de significados, Geertz busca primeiro desmistificar a
ideia de Homem como uma categoria universal, sustentada por características que
desconsideram as particularidades locais e estão presentes em qualquer
indivíduo. Essa busca pela universalidade, chamada no texto de concepção
“estratigráfica”, era alimentada pela noção da estratificação do homem, na qual
todo indivíduo era composto por camadas sobrepostas equivalentes a fatores
biológicos, psicológicos, sociais e culturais, que caso retiradas, revelariam o
Homem (com “H” maiúsculo) atomizado, no qual, despido de suas especificidades, eram
encontradas as “regularidades estruturais e funcionais da organização social”
(p.49).
Geertz
vê o estudo da cultura como uma ferramenta ordenadora da complexidade, e tal
definição universalista de Homem parece demasiado simplista para ele, tão
simplista que o mesmo não a considera uma possibilidade científica, pois uma
modelagem estrutural do Homem equivale somente a correlações intuitivas de
diferentes características presentes nas mais variadas sociedades. Outra
questão levantada por ele, nos parece também legítima: Geertz critica a ideia
de que um hipotético denominador comum, resultante de uma fração mínima da
composição do homem, possa se tornar um ponto de partida para uma reflexão do
que realmente somos. O autor, aliás, rebate essa problemática afirmando que é
justamente através dos fenômenos mais particulares encontrados nas sociedades
que podemos nos debruçar sobre uma concepção de homem, e que essa concepção não
teria uma proposta fechada, mas um aspecto de incompletude de disposições
conceituais, no qual era papel da Antropologia auxiliar na investigação dessas
facetas da humanidade.
Com
que postura a Antropologia adentraria no assunto? Em uma aproximação com o
pensamento de Nietzsche, o qual dizia que junto à existência humana nasceu a necessidade
de obediência como consciência formal e naturalizada², Geertz nos diz que para apreendermos minimamente uma imagem generalista do homem era preciso a) pensar
a cultura como conjunto de mecanismos de controle para governar o comportamento
e b) pensar o homem como animal dependente desses mecanismos de controle para
ordenar seu comportamento. A partir desses pressupostos, ele tenta desviar o
foco da definição do homem que enfatiza “as banalidades empíricas do seu
comportamento” para uma discussão sobre “os mecanismos através de cujo
agenciamento a amplitude e a indeterminação de suas capacidades inerentes são
reduzidas a estreiteza e especificidade de suas reais realizações” (p. 57). Ou
seja, a resposta para Geertz se encontra na própria condição do homem, que é limitada
através da cultura.
Ao
mesmo tempo em que cultura aparece para Geertz como mecanismo de controle,
ela figura como aspecto essencial no quadro evolutivo da espécie, sendo não
somente um ornamento da existência humana, mas uma condição essencial para ela
– a principal base de sua especificidade (p. 58). Dentro dessa formação, o
homem aparece como variado e multifacetado pela cultura; é nessas bases que se
torna possível construir um conceito da natureza humana, que deveria estar em
paralelo a diversidade dos modos de vida, com suas peculiaridades e detalhes
compondo o caráter de cada cultura e também dos vários tipos de indivíduos
dentro delas (p. 65).
¹ Mestrando
em Sociologia pelo Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade
Federal de Sergipe.
²
NIETZSCHE, F. Além do bem e do mal. Petrópolis – RJ: Vozes, 2012.