GEERTZ, Clifford. Anti anti-relativismo. In: Nova luz sobre
a antropologia. – Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2001.
Élida Damasceno Braga [1]
elidabraga74@gmail.com
Numa proposta incisiva, Geertz
inicia o texto com a tarefa de “destruir um medo”, a saber, do relativismo
cultural. Nele, o autor aponta para a forma equivocada de contrapor o
relativismo, rejeitando a mesma sem, no entanto, comprometer-se com o que está
sendo rejeitado (p.48). Assim, ideia principal do texto está na crítica ao
anti-relativismo.
Geertz (2001) observa através de
uma série de autores citados que os ataques a abordagem relativista não sugerem
muita clareza sobre o assunto, haja vista ter uma tendência absolutista, ora
vendo o relativismo equiparado ao niilismo, ou seja, uma redução a nada, ora
como algo desprovido de um posicionamento político. O autor adverte que à
teoria antropológica não pode ser atribuída uma mensagem de relativismo e que o
argumento de que esta é “contra o absolutismo no pensamento” está nos dados antropológicos
obtidos nas diversas pesquisas e não por inclinações relativistas. Isso,
segundo Geertz (2001) “ não passa de mais um mito a confundir toda essa
discussão” (p.49).
A ideia de que as opiniões e
costumes de onde vivemos é o critério racional válido, possibilitou avanços no
campo antropológico, discussões e posicionamentos que ora se alinham, ora se contrapõem.
Para Geertz (2001), o relativismo e o anti-relativismo são formas de se
responder às questões que afetam a percepção das coisas.
O autor segue sua argumentação
apresentando o pensamento de outros autores. De modo que, ao relativismo cabe a
preocupação de não estarmos tão focados em nossa própria sociedade, de não
sermos tão provincianos. Enquanto aos anti-relativistas cabe à preocupação de
que a postura relativa que se deriva das culturas faça com que essa visão
limitada seja empecilho de uma maior comunicação, assim como a incapacidade de
realizar críticas interculturais. Ele destaca ainda que há um medo exagerado e
que este foi se instalando entre os antropólogos. Medo de que o foco na
diversidade, na diferença,
[…]possa
acabar deixando-nos com pouco mais a dizer senão que nos outros lugares as
coisas são diferentes e que a cultura é o que a cultura faz. Esse medo
intensificou-se tanto, na verdade, que nos conduziu por rumos sumamente
conhecidos, na tentativa, a meu ver mal concebida, de aplacá-lo. (GEERTZ, 2001,
p. 54)
Na verdade, não se trata, segundo
o autor, de defender o relativismo, mas sim a forma como o anti-relativismo se
apresentou, esta é que foi mal elaborada. O foco se intensifica, ao invés de
traçar inúmeras proposições de diversos antropólogos contemporâneos, sobre as
questões da “Natureza Humana” e da “Mente Humana”, as quais o autor julga como
pontos importantes dessa discussão, ou seja, historicisismo radical x empirismo
primitivo. Para o autor, a questão principal está em como entender, analisar e
interpretar fatos que, na verdade, são indiscutíveis.
Bem, nesse momento do texto
aparecem os movimentos que concebem a ideia de cultura. A concepção naturalista
de um lado e do outro a concepção racionalista. Estas, segundo Geertz (2001),
possuem formas bastante diversificadas, não concordando entre si a não ser na
caracterização geral. Então, numa tentativa de “banir o espetáculo do
relativismo” o que aparece é um empreendimento desordenado de esforços, cada
qual visando interesses e direções próprias em defesa de suas causas. Vale
destacar aqui que este autor possui uma linguagem muito particular, na qual
envolve sutileza e ironia, deixando bastante evidente quando arremata um
pensamento com “ o pecado pode ser um só, as propostas de salvação são muitas”.
Ele reforça ainda que sua crítica recai sobre a forma exagerada como se opõem
ao relativismo e não aos programas de pesquisas que se ligam às correntes que
fazem essa crítica (GEERTZ, 2001, p. 55).
O texto adentra um pouco mais no
âmbito da Natureza Humana para o qual o autor redige severas críticas, ora ao
determinismo biológico, ora às imposições advindas dos juízos culturais, bem
como a legitimação de malabarismos conceituais e uma recorrência ao
funcionalismo como amparo anti-relativista. O autor acrescenta também que a
introdução da ideia de desvio, vista a partir do afastamento de uma norma
inseparável, é algo abominável, haja vista que tais argumentos são forjados no
fato de que a natureza humana independa do contexto (GEERTZ, 2001, p. 60).
Com relação a questão da Mente
Humana, Geertz é mais sucinto, como ele mesmo se coloca. A tendência é a mesma
de ver a como superficial a diversidade e como profunda a universalidade. O que
difere da questão da Natureza Humana é
que esta aponta os problemas para o relativismo moral, enquanto a outra aponta
para o relativismo conceitual. Esse panorama faz com que as atenções se voltem
para as concepções de “desvio social” e “pensamento primitivo” seguindo as duas
orientações. O autor explica ainda que há uma diversidade de perspectivas e que
estas trazem contribuições para a análise da cultura e sobremodo o nosso modo
de pensar. Assim, a questão da Mente Humana propõe o desarme da diversidade
cultural, bem como a desconstrução da alteridade acontece na Natureza humana.
No entanto, existe mais profundidade nessa discussão que a torna bem mais ampla
do que apenas os que estão em debate nos parâmetro relativistas. Assim, "Examinar
dragões, não domesticá-los ou abominá-los, nem afogá-los em barris de teoria, é
tudo em que consiste a antropologia. [...] Tranquilizar é a tarefa dos outros,
a nossa é inquietar" (GEERTZ, 2001, p. 65).
Geertz (2001) acredita que a
disponibilidade para mudanças provoca inquietações necessárias ao avanço da
ciência. Que a antropologia tem em seu vanguardismo o fato de que “fomos os
primeiros a insistir em que vemos a vida dos outros através das lentes que nós
próprios polimos e que os outros nos veem através deles”. Para finalizar, o
autor acrescenta que seria lastimável e que não é possível um recuo a essa
altura, diante de tantos avanços no sentido, significado e percepção dentro de
um contexto, para algo superficial em torno do “tem que ser assim”.
Em suma, trata-se de um texto inquietante,
provocador, com um vocabulário imprevisto. Suas ideias servem de instrumento
para uma reflexão e, para tanto, faz-se necessária uma atenção especial, pois
em um “piscar de olhos” podemos perder o foco e direções da leitura, bem como da interpretação, tamanha
profundidade das ideias apresentadas pelo autor em torno de seus argumentos.
[1] Doutoranda pelo Programa de
Pós-Graduação em Sociologia da UFS.