sábado, 18 de abril de 2020
Cientistas Sociais e o Corona Vírus
A ANPOCS - Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais está publicando semanalmente boletins sobre o tema do COVID19 sob o olhar dos Cientistas Sociais. Acompanhem:
http://www.anpocs.com/index.php/ciencias-sociais/destaques/2325-boletim-semanal
sábado, 4 de abril de 2020
O conceito de gênero e seu uso prático em pesquisas nas Ciências Sociais
Foto: Erna Barros |
GT Estudos de Gênero
Ana Paula O. Barros (PPGCOM/UFF)
Danielle Parfentieff de Noronha (DCOS/UFS)
Élida Braga (PPGS/UFS)
Élida Braga (PPGS/UFS)
Erna Barros (PPGS/UFS)
Lídia Matos (SEC/BA)
Mariana Rocha (GERTS/UFS)
Raissa Freitas (GERTS/UFS)
Renata Maria Santos Lima (DED/UFS)
Maria Teresa Ruas (PPGS/UFS)
Com o objetivo de refletir sobre o que é ser mulher e quais são as possíveis causas das opressões que são vivenciadas pelas mulheres, Simone de Beauvoir, em 1949, publica o clássico O Segundo Sexo e a ideia de que “não se nasce mulher, torna-se mulher”. O livro é um marco importante para o feminismo ocidental e abriu portas para estudos posteriores que irão culminar no conceito e interpretações sobre o gênero. Ao analisarmos o contexto em que ele foi produzido, quando poucas mulheres tinham espaço na filosofia, o livro de Beauvoir se torna ainda mais relevante. Entretanto, ele é apenas o início.
O
livro está localizado geográfica e socialmente num contexto
específico e foi necessário ampliar a visão sobre o que é ser
mulher e colocar a questão no plural, olhando para a diversidade e
especificidades que são vivenciadas nas mais distintas realidades.
Como exemplo, podemos citar o livro Mulheres, Raça e Classe,
publicado em 1981 por Angela Davis, que visibiliza as singularidades
que são causadas pela intersecção com raça e classe social. Além
disso, com o passar do tempo, a ideia de que se ‘torna mulher’ se
amplia ainda mais: o gênero se distancia do sexo biológico e começa
a ser compreendido como construção social (Scott, 1990), que está
vinculado a discursos, culturas, processos identitários e vivências
particulares, tanto no sentido individual quanto coletivamente.
Nesse
sentido, pesquisadoras brasileiras começaram na década de 1980 a
refletir sobre essa especificidade também regional, buscando
compreender mais a realidade das mulheres brasileiras e seus
diferentes marcadores sociais (Cadwell, 2000), como, por exemplo,
Lelia Gonzalez, além de também, principalmente nos últimos 10
anos, começarmos a considerar outras epistemologias possíveis para
os estudos de gênero, como aquelas que pensam outras formas de saber
através da decolonialidade do poder, do conhecimento, do ser
(Machado et. al, 2018) e do próprio gênero (Lugones, 2008).
A
compreensão do gênero como construção social ainda abre espaço
para pesquisas que pensem os gêneros, também no plural, e comecem a
discutir temas relacionados à identidade de gênero e à sexualidade
(Grossi, 1998). Desde as ciências sociais, o olhar para os distintos
grupos a partir dos estudos de gênero possibilitaram que muitas
pesquisas pudessem refletir sobre as relações de poder e como são
construídos culturalmente os diversos papéis sociais, como no caso
dos temas relacionados às juventudes (Weller, 2005), principalmente
a partir dos anos 2000.
Ademais, vale ressaltar que, dos termos cultura e identidade surgem discussões sobre diferença e diversidade, os quais suscitam as intersecções de raça, gênero e classe. Para tanto, percebe-se modos diferenciados de pensar na produção da diferença e da desigualdade em experiências cotidianas que, de modo articulado, evocam outros elementos que nos ajudam a compreender as violências em termos de gênero, raça e classe, os quais se constituem em marcadores sociais da diferença, vistos de maneiras interseccionadas (Brah, 2006).
Ademais, vale ressaltar que, dos termos cultura e identidade surgem discussões sobre diferença e diversidade, os quais suscitam as intersecções de raça, gênero e classe. Para tanto, percebe-se modos diferenciados de pensar na produção da diferença e da desigualdade em experiências cotidianas que, de modo articulado, evocam outros elementos que nos ajudam a compreender as violências em termos de gênero, raça e classe, os quais se constituem em marcadores sociais da diferença, vistos de maneiras interseccionadas (Brah, 2006).
O
gênero em nossas pesquisas
Este texto foi desenvolvido a partir das leituras que realizamos no primeiro momento do GT Estudos de Gênero, vinculado ao GERTs, e neste tópico vamos apresentar como cada participante do grupo traz a questão de gênero para suas pesquisas, apresentando na prática as possibilidades de diálogo com este conceito nas ciências sociais.
No bojo dos estudos de juventudes, a crítica perpassa pela ausência de pesquisas que focalizam o papel que os grupos juvenis assumem na construção das identidades femininas, ou seja, para além de questões relativas à sexualidade e a maternidade (Weller, 2005). Nesse sentido, uma pesquisa recente , intitulada “Jovens mulheres, hip hop, estilos de vida e feminismo”, desenvolvida por Raissa Freitas, consiste em analisar os significados da participação de mulheres ligadas ao Hip-Hop na região metropolitana de Aracaju/SE. Considerado como movimento juvenil contemporâneo e de grande visibilidade, o Hip-Hop conta com um público majoritariamente masculino. No entanto, observa-se um crescimento significativo de mulheres em suas expressões artísticas seja no rap, no grafite, seja no break. Desta forma, foi possível pensar a participação feminina nessa cultura a partir das identificações, dos discursos e das práticas que se constroem nesse contexto, mas também compreender como se dão atualmente as relações de gênero e as sociabilidades estabelecidas nas práticas culturais que envolvem esse universo.
Já a pesquisa intitulada “Uma Cidade muda não muda: graffiti e mulheres no espaço público”, realizada por Erna Barros na cidade de Aracaju-SE, propõe uma leitura do graffiti enquanto fenômeno urbano em diálogo com a estrutura da cidade como espaço de disputas a partir de uma perspectiva de gênero. A autora buscou contribuir para uma discussão sobre o transitar das mulheres pelo ambiente público “por sobre os ombros” de grafiteiras que ressignificam estes espaços, apoiadas na representação de entendimentos sobre uma cidade pensada e planejada segundo uma ideia de universalidade do humano, ou seja, uma perspectiva hegemônica do masculino em detrimento do feminino. A identificação de uma “hostilidade à presença das mulheres” no espaço público se dá a partir do acompanhamento de grafiteiras utilizando o registro fotográfico e fílmico como dispositivo de pensamento e da observação dos usos cotidianos e discursos da, para e através da cidade junto à prática do graffiti como ferramentas de representação, contestação e expressão. Sob um olhar de gênero, a hostilidade da cidade se apresenta em decorrência das relações sociais e desiguais de poder entre homens e mulheres, que irão aparecer no dia a dia na forma com que ambos ocupam e vivenciam suas experiências nas cidades.
Neste sentido, partindo do pressuposto que homens e mulheres possuem necessidades diferentes no espaço urbano e suportam as ocorrências neste ambiente também de maneiras distintas, a pesquisa intitulada “O corpo feminino no espaço urbano: desigualdades e resistências de uma vivência”, realizada por Mariana Rocha, propõe uma análise sobre o corpo feminino que, como sujeito, ocupa os espaços públicos, mas também busca conquistar lugar de fala na cidade. A autora buscou expandir a temática da experiência urbana, levando em conta a diversidade de condições humanas presentes no espaço público, como em todos os espaços da vida em sociedade. Neste intuito, a pesquisa foi realizada através de uma ponte construída com a disciplina Cultura, Paisagem e Cidade, do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Tiradentes, que propõe uma aproximação sensível com a cidade, através de errâncias exploratórias, junto com uma abordagem interdisciplinar em estudos da paisagem. Nesta exposição, acaba-se por provocar a vivência das relações sociais estabelecidas no espaço urbano, onde foi possível identificar a fragilidade existente na ocupação feminina do espaço público, que historicamente são produzidos no modelo patriarcal. Assim, a luz dos estudos de gênero e estudos da paisagem, investiga-se quais elementos definem e condicionam a vivência feminina na cidade.
Ainda sobre o corpo, mas a partir do diálogo com as artes e com a comunicação, a pesquisa intitulada “Reinvenções do feminino, corpos e sexualidades: Um mapeamento das artes gráficas contemporâneas produzidas por mulheres”, realizada por Ana Paula Oliveira Barros, entende as artes gráficas como um espaço de comunicação, sendo também uma importante referência para a construção da imagem feminina. Nas sociedades ocidentais, tanto o corpo de um modo geral como a sexualidade feminina em particular, foram durante muito tempo representados de modos idealizados por homens e para homens, de acordo com um conjunto específico de discursos acerca do que significa ser mulher. É possível apontar esses discursos como predominantemente patriarcais, que têm inundado a sociedade ocidental com visualidades heteronormativas e racistas, sempre colocando o corpo da mulher numa situação de objeto de desejo a ser observado e utilizado pelos homens. Considerando a riqueza desse objeto, a pesquisa se propõe a fazer uma análise genealógica de certas transformações históricas que afetaram tais representações ao longo dos últimos dois séculos. O objetivo final consiste em investigar de que maneira, nas últimas décadas, algumas artistas gráficas têm abordado o erotismo em suas obras, construindo assim as suas próprias subjetividades ao adotar diferentes estratégias de combate aos discursos hegemônicos em torno à feminidade. Nesse processo, estão acontecendo importantes reinvenções dos sentidos atribuídos aos corpos e às sexualidades associadas ao feminino.
Já
com as reflexões produzidas dentro do feminismo negro, acompanhamos
um crescente números de estudos como o de Lélia Gonzalez (1988) que
vai analisar como esse corpo feminino e negro é percebido. Ela
destaca a estigmatização desses corpos, ora como mulata, ora como
um corpo servil. Este é um esforço de produção de conhecimento
acerca das mulheres negras da perspectiva das próprias sujeitas. A
pesquisa desenvolvida por Lídia Matos
segue
essa linha no esforço em compreender como são produzidos conteúdos
sobre os cabelos crespos e cacheados, oportunizados pelo movimento de
transição capilar, em que analisa produtoras de conteúdo que
postam vídeos em canais no YouTube e elaboram um conhecimento
específico sobre os cabelos e seus cuidados, mas não apenas isto,
refletem a partir desse referencial estético sobre a construção
das identidades em torno das questões raciais e os desafios dentro
do contexto brasileiro.
Também através dessa relação com a comunicação e a arte, Danielle de
Noronha, na tese “Representacionesde la diferencia:Género, raza y trabajo en la prensa hegemónica brasileña”
buscou
entender como as representações relacionadas à gênero, em
intersecção com raça e trabalho, veiculadas no jornalismo
hegemônico brasileiro atuam para a manutenção de relações de
poder. O jornalismo, que possibilita pensar sobre a coexistência
entre discurso e realidade, é entendido como um importante mecanismo
de formação de opiniões sobre o mundo que nos rodeia. Deste modo,
a pesquisa parte do pressuposto que a imprensa exerce grande
influência nos processos identitários, atua na (re)formulação de
tradições, memórias e estereótipos sociais, além de ser um dos
principais meios em que se (re)produz o padrão colonial do poder, do
saber e do ser, que influencia tanto o imaginário como a vida
prática social. Danielle atualmente também desenvolve uma pesquisa
sobre a relação entre gênero e cinematografia, pensando na relação
entre aquelas e aqueles que estão atrás das câmeras com as
representações relacionadas à gênero no audiovisual brasileiro, e
sobre os discursos relacionados ao parto, ser mulher e ser mãe nas
rodas do projeto Parir- Parto Domiciliar Planejado
do
Vale do Capão (BA).
Interessada
na questão do trabalho e suas transformações no bojo da ascensão
neoliberal e da financeirização capitalista, Maria Teresa Ruas se
deparou com a necessidade de um olhar interseccional sobre a
realidade. Atenta ao ganho de força do debate sobre a
desdemocratização brasileira em sua área de origem, a ciência
política, em meio às tentativas de analisar os retrocessos
democráticos que se aceleram no país nos últimos anos, a
pesquisadora se propôs a identificar os impactos desses retrocessos
sobre a superexploração do trabalho, base estrutural da acumulação
no capitalismo periférico. Nessa trajetória, o tratamento dos
trabalhadores
em
seu plural masculino e homogeneizador mostrou-se não só
insuficiente à proposta de análise, como simplesmente irreal. A
realidade do trabalho é concretamente composta por inúmeras
transversais, entre as quais o gênero ganha protagonismo, mas não
basta: e daí resulta a necessidade do olhar interseccional.
Consciente de que tanto o enfoque que se pretende adotar na pesquisa,
quanto a realidade localizada histórica, espacial e contextualmente
se impõem na determinação de quais categorias de análise, dentre
as inúmeras possíveis na análise interseccional, Maria Teresa
passa a direcionar seu olhar para as trabalhadoras rurais.
Elida Braga, em sua pesquisa de doutorado, nos leva a compreender os sentidos construídos sobre as adolescentes em conflito com a lei que cumprem medidas socioeducativas por atos infracionais, na Unidade Feminina de Aracaju – UNIFEM, bem como aqueles produzidos a partir do Estado e dos envolvidos no sistema socioeducativo sob perspectiva de gênero. Com isso, aparece o modo pelo qual o Estado produz sentido sobre o que é ser mulher e como se aplica determinadas formas de intervenção sobre as adolescentes, além do desafio de trabalhar temáticas incomuns de modo sobreposto, a saber a adolescência e o gênero no contexto institucional estatal. Ademais, buscou-se nas adolescentes as percepções dos processos nos quais se constroem na condição de internas, como elas se percebem no processo e constroem a si neste contexto.
Elida Braga, em sua pesquisa de doutorado, nos leva a compreender os sentidos construídos sobre as adolescentes em conflito com a lei que cumprem medidas socioeducativas por atos infracionais, na Unidade Feminina de Aracaju – UNIFEM, bem como aqueles produzidos a partir do Estado e dos envolvidos no sistema socioeducativo sob perspectiva de gênero. Com isso, aparece o modo pelo qual o Estado produz sentido sobre o que é ser mulher e como se aplica determinadas formas de intervenção sobre as adolescentes, além do desafio de trabalhar temáticas incomuns de modo sobreposto, a saber a adolescência e o gênero no contexto institucional estatal. Ademais, buscou-se nas adolescentes as percepções dos processos nos quais se constroem na condição de internas, como elas se percebem no processo e constroem a si neste contexto.
Por
último, sabendo que a educação é transformadora e que somente
através dela podemos nos libertar das amarras da desigualdade, a
pesquisa de Renata Maria pretende abordar a importância do acesso à
educação para todos, todas e todes, sem distinção, para que assim
então, ela cumpra seu papel. Para que uma educação seja
transformadora é necessário incluí-la na sociedade de acordo com
as realidades de cada grupo, a aula que será ministrada em uma
escola pública de um bairro periférico, não vai ser a mesma aula
dada em uma escola particular de um bairro burguês, a educação
liberta quando se encaixa e colabora com o desprender das correntes
que cada indivíduo possui. Partindo desse pressuposto, a autora fará
uma pesquisa de campo em diferentes escolas, de diferentes regiões,
detalhando a importância da educação naquele espaço e expondo as
diferentes desigualdades presentes em cada uma. A luz de autores como
Paulo Freire, Djamila Ribeiro, José Carlos Líbaneo, Angela Davis,
dentre outros, a pesquisa trará as diferentes desigualdades
presentes na sociedade, seja de gênero, seja de raça, seja de
classe, e a importância da educação na transformação.
Com
estes exemplos, esperamos visibilizar diversos trabalhos que estão
contribuindo para o desenvolvimento das pesquisas relacionadas à
gênero no âmbito das ciências sociais a partir de distintas
realidades brasileiras, no geral, e principalmente sergipanas, no
específico.
Referências
bibliográficas
BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000 [1949]. (Introdução e capítulo 3, vol.1).
BRAH, Avtar. Diferença, Diversidade e Diferenciação. In: BRAH, Avtar. Cartographies of diaspora: contesting identities. Longon/New York, Routledge, 1996, capítulo 5, p. 95-127. Cadernos Pagu (26) jan-jun de 2006, pp. 329-376.
CADWELL,
Kia Lilly. Fronteiras da diferença: raça e mulher no Brasil.
Estudos
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Florianópolis, v. 8, n.2, 2000. Disponível em:
https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/11922
DAVIS,
Angela. Mulheres,
raça e classe.
São Paulo: Boitempo editorial, 2016.
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em Primeira Mão,
n. 24, Florianópolis, PPGAS/UFSC, 1998. Disponível em:
http://bibliobase.sermais.pt:8008/BiblioNET/upload/PDF3/01935_identidade_genero_revisado.pdf
LUGONES,
María. 2008. “Colonialidad y género”. Tabula
Rasa,
nº 9: 75-101.
MACHADO,
Débora. COSTA, Maria Luisa; DUTRA, Delia. Outras Epistemologias para
os Estudos de Gênero: feminismos, interseccionalidade e divisão
sexual do trabalho em debate a partir da América Latina. Revista
de Estudos e Pesquisas sobre as Américas
V.12
N.3 2018. Disponível em:
https://periodicos.unb.br/index.php/repam/article/view/20997/19336
SCOTT,
Joan W. 1995. “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”.
Educação
e Realidade,
Porto Alegre, v. 20, nº 2: 71-99.
WELLER, Wivian. A presença feminina nas (sub)culturas juvenis: a arte de se tornar visível. Rev. Estud. Fem. [online]. 2005, vol.13, n.1, pp.107-126. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ref/v13n1/a08v13n1.pdf.
sexta-feira, 3 de abril de 2020
Em Tempos de COVID-19: juventudes, estilos de vida e geração digital
Foto: Frank Marcon
Mateus
Antonio de Almeida Neto
Ana
Júlia Sateles Vieira
Gabriela Losekan
Letícia Oliveira Galvão
O ano de 2020 tem sido abalado mundialmente pelo coronavírus (COVID-19),
desde os primeiros casos na China. A diminuta transparência das políticas
governamentais, em nível mundial, tornou tal situação uma pandemia, caso de atenção pública mundial. A Organização Mundial da Saúde (OMS), entre outras
entidades associadas a saúde pública, secretários e ministros da saúde de várias
nações têm aconselhado sobre medidas para prevenção e combate, entre elas, o
isolamento social, quarentena para os infectados, o uso contínuo de água, sabão
e álcool em gel 70% para lavar as mãos, distanciamento de 2m entre pessoas, entre outras, como o fechamento de áreas comerciais e serviços com
possibilidade de aglomeração. No Brasil, o governo federal liderado pelo
presidente da república, Jair Messias Bolsonaro, junto com vários empresários
do setor das indústrias, comércio e serviços, têm se pronunciado contra a
medida de isolamento social, que deve abalar a estrutura econômica e a política
nacional. Os governadores têm destacado que preferem ficar ao lado da ciência.
Em Sergipe, o decreto do governo do Estado nº 40.567, de 24 de março,
destaca que, apenas serviços alimentícios com entrega delivery, estabelecimentos voltados a saúde à nível de emergência e
urgência, setores de abastecimento e alimentos, podem funcionar, desde que
utilizem as medidas preventivas. Dessa forma, bares, restaurantes e casas de
espetáculos passaram a ser fechados, atingindo aos artistas em geral,
principalmente aos jovens das periferias e os que vivem da economia informal
ligado a este segmento. Vários são os músicos que têm se manifestado pelas
redes sociais digitais, principalmente utilizando aplicativos de comunicação
com acesso a plataformas de streaming,
que com o uso de um celular com câmera de vídeo e áudio conectados à internet,
transmitem seus shows de suas residências e estúdios, a exemplo das lives no Instagram. Neste espaço
virtual, os artistas têm solicitado entre os seus seguidores, contribuição
financeira, a exemplo de jovens artistas do samba, que vivem do estilo de música
e dança associado ao gênero. Este texto tem como objetivo fomentar o debate
sobre os estilos de vida distintivos das juventudes e suas expressões
associadas a uma dita autonomia social e financeira.
A pandemia advinda pelo COVID-19 tem contribuído para reflexões não
somente sobre a crise econômica que a acompanha, mas, também, sobre aspectos
sociais que a mesma carrega. Enaltecida por alguns canais jornalísticos como “a
crise que definirá a nossa geração” (CHADE, 2020), o isolamento social como
ferramenta de prevenção obriga a repensar prioridades, assim como enxergar as
distintas realidades sociais que configuram o Brasil. A falta de uma liderança
que oriente a população durante esse período de incertezas e a discrepância de
informações a que se tem acesso, fazem questionar quais serão os impactos do COVID-19
e do isolamento social, não só à sociabilidade, como, também, às projeções de
futuro dessa geração de jovens nativos da revolução digital e filhos da crise
ambiental em todos os seus aspectos.
Como destaca Rodrigues (1992), as cidades, o processo de urbanização, a
implementação de tecnologias digitais, bem com o embelezamento estratégico de
certas áreas urbanas, a estruturou em eixos: habitação (tanto para as classes
ditas populares quanto para à média e a classe alta); comércio varejista e
atacado; industrial; setores vinculados a saúde, entre outros. A cidade
tornou-se o espaço privilegiado do consumo, provocando significativas
alterações em seus consumidores, a exemplo das juventudes enquanto símbolo de
renovação das sociedades contemporâneas (FEATHERSTONE, 1995). Os bens materiais
e sua produção, a troca e o consumo são características do hipercapitalismo -
criativo, transestético -, que resulta do processo de autoreprodução e
transformação de mercadorias num signo, no qual o significado é determinado de
forma arbitraria diante de um sistema de autoreferenciamento de significantes
(FEATHERSTONE, 1995).
É neste mundo que as juventudes nascidas a partir da revolução
tecnológica digital dos anos 1990, tem produzido uma nova forma de ser, sentir,
experienciar e estar jovem distinta das gerações precedentes (FEIXA; NOFRE,
2012). Assim, no contexto das sociedades contemporâneas e das megalópoles,
estilos de vida são um dos componentes da forma cultural urbana e exigem “uma
construção a partir do consumo de bens, de modo individual, com maiores
preocupações de referências do que de pertenças, de identificações e não tanto
de identidade” (RODRIGUES, 1992, p.103).
Partindo desse ponto, é possível levantar novamente parte da discussão
acima sobre as manifestações virtuais de jovens artistas durante a crise do
COVID-19. Sendo obrigados a seguir orientações contrárias aos estímulos do
“estar-junto” suscitados pela vida urbana (MAFFESOLI, 1998), esses jovens ainda
manifestam, contudo, o que se entende por uma coletividade expressa, dessa vez,
virtualmente - a exemplo das lives e
outras formas de reunir-se online em
tempos de isolamento. É possível pensar, então, como um “ethos centrado na proximidade” (MAFFESOLI, 1998) pode se configurar
de maneira distinta nos tempos atuais.
Desde o pós-Segunda Guerra Mundial, as juventudes passaram a ser
tematizadas, nas Ciências Sociais, por transpor barreiras socioculturais,
políticas, econômicas e afetivas diferentes do universo denominado adulto, seja
na forma de se relacionar uns com os outros, em grupos demarcados por gostos,
aparência física, lazer, indumentárias e até relações voltadas para uma
distinção de classe e gênero, entre outras formas distintivas (CLARKE, 2014).
Tal aspecto, formou toda uma indústria cultural e de massa que estetizou formas
estilísticas do universo juvenil dos trabalhadores associado ao lazer e
proporcionou uma economia dos símbolos, um caldeirão de enunciados, identidades
múltiplas, cambiantes e relacionais, ou seja, estilos de vida que passaram a
fazer parte de uma cultura juvenil e geracional ancorados em objetos-símbolos
(FEIXA; NOFRE, 2012; CLARKE, 2014; MURDOCK, 2014).
Lá se vão algumas décadas e muitas distintas formas de vivenciar o fenômeno das culturas juvenis. Nestes tempos de pandemia, as juventudes associadas a estilos de vida ligados as artes e a cultura, somadas às suas habilidades digitais, por mais afetadas que estejam sob o aspecto econômico dos efeitos do isolamento, têm dado uma resposta bastante significativa a sociedade,
ao publicar em suas redes sociais digitais a identificação com o contexto
global e local sobre o isolamento social, enfatizando o “fique em casa”. Além do mais, as redes sociais
digitais, a exemplo do Twitter, do Instagram e do Facebook têm possibilitado as juventudes formas alternativas de “estar-junto” experimentando a sensação de pertencimento à uma comunidade
global, mesmo diante de suas diferentes preferências, interesses e gostos, das suas diferentes formas de entender o mundo ou de suas formas de identificação pessoal e coletivas. Os modos de aproximação e de identificação social a partir do consumo estarão em plena transformação daqui para frente e necessitaremos recolocar algumas discussões sobre sociabilidades e sobre as identidades afetivas, sociais e políticas.
Referências
CHADE, Jamil. Coronavírus: a crise que definirá
a nossa geração. EL PAÍS, 2020.
Disponível em:
https://brasil.elpais.com/opiniao/2020-03-17/a-crise-que-definira-nossa-geracao.html?ssm=FB_CC&fbclid=IwAR3rJYaXRRqVnVrOwsNr2wMN-tLeVujknW38PlLFkdz64RE3v1fCsT5SdXs.
Acesso em: 30/03/2020.
CLARKE, John. Estilo. In: HALL, Stuart; Jefferson , Tony (Eds.). Rituales de resistencia:
subcultruas juveniles en la Gran Bretaña de postguerra. Primeira edición de Traficantes de Sueños. Traducción: A. Nicolás
Miranda; Rodrigo O. Ottonello; Fernando Palazzolo. Madrid: Gráfica Lizara,
2014.
FEATHERSTONE, Mike. Cultura de consumo e
desordem global. In: Cultura de Consumo e
Pós-modernismo. São Paulo, Studio Nobel, 1995.
FEATHERSTONE, Mike. Culturas da cidade e estilos
de vida pós-modernos. In: Cultura de
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FEATHERSTONE, Mike. Estilo de vida e cultura de
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FEIXA, Carles; NOFRE, Jordi. Youth Cultures. Sociopedia.isa, 2012.
Georg Simmel. A filosofia do dinheiro (1900/1907). Tradução de Antonio C. Santos.
Frankfurt/M, Suhrkamp, 1989.
MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de
massa. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998.
MURDOCK, Graham; MCGRON, Robin. Conciencia de
clase y conciencia de generación. In: HALL, Stuart; Jefferson, Tony (Eds.). Rituales de resistencia: subcultruas
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Palazzolo. Madrid: Gráfica Lizara, 2014.
RODRIGUES, Walter. Urbanidade e novos estilos de
vida. Sociologia – Problemas e
Práticas, nº 12, pp. 91-107, 1992.
De Fenômeno Social a Objeto Sociológico: Uma breve discussão acerca do conceito de violência
Foto: Rovena Rosa / Agência Brasil*
Lucas Vieira Santos Silva
Juliano Machado Ramos
O termo violência tem se
desenvolvido semanticamente de uma maneira diferente de como foi pensada na
antiguidade, caracterizando-se, cada vez mais, como uma palavra moderna. Em seu
sentido antigo, a violência esteve
relacionada a duas outras palavras: vis
– que significava força ou guerra – e potesta
– que significava poder e domínio, sendo que nesse momento os dois
significados se correlacionavam. Já na modernidade,
o conceito de violência vai ser construído a partir de sua recusa ética, em
oposição a promessa moderna de uma possível “paz eterna”. Nesse sentido, é na
modernidade que ocorre uma separação semântica entre os termos violentia e potesta, onde o Estado toma
para si o exercício legítimo da violência, atribuindo o seu sentido negativo à
sociedade civil. (MISSE, 2016; PORTO, 2000; WIEVIORKA, 1997).
Para Michel Misse (Idem),
dialogando com Norbert Elias, toda essa situação de atribuição de negatividade
a palavra violência, decorre do processo civilizatório que ocorreu ao longo da
modernidade. Nesse sentido, com o intuito de afastá-la das relações sociais, o
Estado moderno, utilizando-se de uma violência socialmente vista como legítima,
a atribuiu a um número cada vez maior de ações e comportamentos que afetavam os
valores morais vigente na sociedade moderna. Essa situação de atribuição é em
certo sentido paradoxal, já que ao mesmo tempo que a modernidade tentava
afastar de todo jeito a violência das relações sociais, foi exatamente nesse
período, onde um maior número de comportamentos foi socialmente construído como
violentos (MISSE, 2016)
Desta forma, com o intuito de
construir um conceito sociológico de violência que iria além da constatação
empírica do fenômeno, Michel Wieviorka (1997), vai refletir acerca das
transformações sociais, econômicas, políticas e culturais que ocorreram no
mundo pós década de 70 e as mudanças que acarretou no fenômeno da violência.
Para o autor, duas situações são imprescindíveis para a percepção dessa nova
dinâmica do fenômeno da violência, assim como para sua construção enquanto
conceito da sociologia. A primeira está relacionada ao processo de perda do
monopólio legítimo de uso da violência por parte do Estado, o que faz com que o
uso da violência enquanto recurso político, que para o autor já teria se
extinguido na modernidade, seja retomado; E o segundo, as mudanças que
ocorreram na sociedade industrial, a partir da desestruturação do conflito
entre capital e trabalho, o que distanciou o conceito de violência das noções
de conflito e crise. Para Wieviorka (1997), ambas as situações permitiram a
produção de um novo paradigma da violência, a partir do surgimento de
indivíduos extremados, que na palavra do autor, poderiam ser vistos como
antissujeitos. A partir disso, Wieviorka vai restringir a polissemia do termo
violência conceituando-o como uma agressão física intencional, interpessoal ou
coletiva.
Por outro lado, Butler (2015) ao
pensar nas disputas que definem as formas legítimas e não legítimas de
violência, discute a influência das clivagens sociais e relações hierárquicas
de dominação na distribuição desigual da exposição à violência. Nesse sentido,
a autora afirma que os indivíduos são formados a partir de uma violência
externa que está constituída nas interações e valores sociais que os ensinam a
como agir em sociedade. E que de certa maneira, não se apresenta apenas em sua
exterioridade, mas também em sua forma interna, relacionando-se a reprodução da
violência aprendida no outro ou em si mesmo. Em suma, a autora irá discutir a
questão da violência a partir da violência estrutural produzida pelo Estado no
processo de construção dos sujeitos e como essa violência será reproduzida
pelos sujeitos em suas interações sociais.
Não obstante, na tentativa de não restringir
o conceito de violência para ação social ou dominação estrutural, e
consequentemente, captar dentro das pesquisas sociológicas o caráter dinâmico e
polissêmico que o termo carrega, Michel Misse (1999; 2016), Porto (1999; 2000)
e Machado (1999; 2004) pensam violência não mais como conceito, mas como representação
social. Essa solução pragmática não tem intuito nenhum de pôr um fim na
produção de um conceito de violência, mas visto a polissemia desse conceito,
utiliza-se de seus sentidos e significados comuns para a produção de pesquisa
empírica. Isso pode ser observado no uso que Porto (1999; 2000) faz da teoria
das representações sociais para pensar tanto os sentidos simbólicos atribuído
por alguns jovens de classe média de Brasília em seus atos desviantes, assim
como para pensar a construção da identidade policial a partir das
representações que eles tem de si e da segurança pública; Pode ser observado
também tanto no conceito de sujeição criminal como no de acumulação social da
violência produzido por Michel Misse (1999; 2016) no intuito de compreender o
uso acusatorial da violência nas interações sociais e nas relações
estabilizadas, e as práticas sociais proveniente disso; E, por último, no
conceito de Sociabilidade violenta desenvolvido por Machado (1999; 2004) para
pensar a nova ordem social que se construiu no Brasil, pós década de 70, que
tinha à violência como um recurso possível para as interações sociais.
Em suma, toda essa discussão
empreendida nesse texto, nos ajuda a refletir acerca da polissemia do termo de
violência e a dificuldade de se construir acerca dele um conceito sociológico
definitivo. Nesse sentido, o texto nos ajuda a pensar em três abordagens
bastante utilizadas nas pesquisas atuais acerca do fenômeno, que seriam: a
abordagem a partir da ação social; da dominação estrutural; e por fim da
representação social. Essas diferentes abordagens teóricas e metodológicas
acerca do fenômeno mostram não apenas a polissemia do conceito, mas a
necessidade de pôr a violência no centro da teoria social.
Referências
BUTLER, Judith. Quadros de guerra: quando a
vida é passível de luto. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, v. 2009, 2015.
MACHADO DA SILVA, Luís Antonio. Criminalidade
violenta: por uma nova perspectiva de análise. Revista de Sociologia e
Política, n. 13, p. 115-124, 1999.
MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio. Sociabilidade
violenta: por uma interpretação da criminalidade contemporânea no Brasil
urbano. Sociedade e estado, v. 19, n. 1, p. 53-84, 2004.
MISSE, Michel. Malandros, marginais e
vagabundos. A acumulação social da violência no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro.
Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. IUPERJ. Tese de
doutorado em Sociologia, 1999.
MISSE, Michel. Violência e teoria social.
Dilemas-Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 9, n. 1, p. 45-63,
2016.
PORTO, Maria Stela Grossi. A violência urbana
e suas representações sociais: o caso do Distrito Federal. São Paulo em
perspectiva, v. 13, n. 4, p. 130-135, 1999.
PORTO, Maria Stela Grossi. A violência entre
a inclusão e a exclusão social. Tempo social, v. 12, n. 1, p. 187-200, 2000.
WIEVIORKA, Michel. The new paradigm of
violence. Tempo social, v. 9, n. 1, p. 5-41, 1997.
* Fonte da Imagem:
https://spbancarios.com.br/09/2017/reuniao-no-ministerio-publico-mostra-violencia-policial
quarta-feira, 1 de abril de 2020
Políticas Públicas e Juventudes: uma proposta de debate sobre processo de formação, direitos e participação social[1]
Foto: Frank Marcon
João Victor Pinto
Adrielle da Silva de Oliveira
Letícia Oliveira F. Galvão
Adrielle da Silva de Oliveira
Letícia Oliveira F. Galvão
O estudo do processo de produção de políticas públicas[2] é um desafio, pelo fato de envolver diversos fatores e agentes (em um conjunto complexo de elementos: atores, suas preferências, interesses e características do contexto institucional). Entretanto, partindo da premissa de que as ciências sociais não devem se limitar à análise de avaliação de impacto das políticas públicas, é necessário propor um debate sobre o processo de formação, os direitos e a participação social nas políticas públicas.
Sendo assim, para além de conceituar as políticas públicas (ou aplicar abordagens teóricas para avaliar impactos sociais) e de examinar o envolvimento do processo de cidadania dos agentes, é importante compreender como ocorre a relação entre políticas públicas e outras áreas do conhecimento, como é o caso da dimensão dos direitos, bem como a relação da participação social nos processos de operacionalização de tais políticas.
Em
relação à discussão teórica sobre o tema, nota-se que até os anos de 1970 o
modelo de ciclo de políticas públicas – dividido em seis etapas: a)
identificação de problemas; b) formação de agenda de governo; c) especificação
de alternativas; d) decisão política; e) implementação; f) avaliação; – predominou
nas Ciências Sociais, mais especificamente na Ciência Política (SECCHI,
2010) .
Após esse período, alguns modelos teóricos específicos para a análise de
políticas públicas foram sendo adotados, principalmente no Brasil, como por
exemplo: modelo de múltiplos fluxos[3]
(John Kingdon), modelo das coalizões de defesa (Sabatier e Jenkins-Smith) e modelo
de equilíbrio pontuado (Baumgartner e Jones) (CAPELLA,
BRASIL e SOARES, 2014, p. 5) .
O
modelo de múltiplos fluxos (multiple streams model) foi elaborado por
John W. Kingdon, em 1984, para a análise da formulação de políticas públicas. Kingdon
examinou o processo de agenda-setting nas políticas de saúde e
transporte no governo norteamericano. O modelo procura explicar o porquê algumas
questões despertam a atenção dos tomadores de decisão, chegando à agenda,
enquanto outras são negligenciadas. Por que alguns problemas entram na agenda
política e outros não? Como se tornam prioridades?
Basicamente,
a resposta, para este modelo, se encontra por meio da análise dos seguintes fluxos:
a) Problemas sociais (como por exemplo: através de indicadores; mortalidade
infantil, fome, faixa etária, etc); b) Alternativas; c) Soluções (que são ideias
vistas como viáveis); d) Cenário político (“humor” nacional em relação a um
tema que está em pauta na sociedade; forças políticas organizadas; mudança de
governo). (KINGDON, 2014) . Nesse sentido, o
ingresso de uma questão na agenda acontece quando esses fluxos (problemas, alternativas,
soluções e contexto político) se convergem, ou seja, quando um problema é
definido, uma solução social passa a ser viável e disponível em um momento político
favorável à demanda (CAPELLA; BRASIL; SOARES, 2014). Essa agenda de governo, portanto,
pode ser entendida como uma lista de assuntos que são (ou estão) sendo
considerados como importantes pelo poder público, como uma espécie de “janela
de oportunidade” (KINGDON, 2014) . Nesse sentido se
torna fundamental a presença de um “empreendedor de políticas públicas” capaz
de aproveitar o breve momento de oportunidade de mudança social.
Por
sua vez, o modelo teórico de coalizão de defesa (Advocacy Coalition
Framework), desenvolvido por Sabatier e Jenkins-Smith, foi proposto com o
objetivo de analisar as políticas públicas sem isolar uma fase específica do
ciclo. Nesta perspectiva, estes autores refutam a ideia de ciclo de políticas e
tentam explicar o complexo processo de produção de políticas públicas em sua
integralidade.
Já
o modelo do equilíbrio pontuado,
desenvolvido por Baumgartner e Jones, visa tentar explicar a existência tanto de momentos de
estabilidade e mudança incremental, como também a existência de momentos de
rápida e profunda mudança, visto que os processos políticos são muitas vezes
guiados por uma lógica de estabilidade e incrementalismo. Outra grande
contribuição deste modelo para os estudos do processo de produção de políticas
é a noção de subsistemas políticos e a importância da construção de uma imagem
(policy image) sobre determinada decisão ou política pública, fortemente
influenciada por valores e instituições.
Acontece
que, para além de considerar a teorização sobre políticas públicas no tocante a
viabilidade (ou não) de sua análise através de ciclos, é essencial problematizar,
por meio de discussões sobre processo de formação destas políticas públicas. Ou
seja, como a política pública, em sentido amplo, vem sendo pensada? Quem manda
e quem conduz uma agenda da política pública que visa a redução de desigualdade
(por exemplo)? Em torno destes questionamentos, a disputa de/por/pelo poder em
relação à agenda parece ser justamente a discussão que ainda carece de
aprofundamento, na medida em que temas como: cidadania (CARVALHO, 2002),
direitos (COUTINHO, 2010) e participação
social conquistam maior interconexão com as políticas públicas, pelo fato dos
efeitos de movimentos sociais na produção de políticas públicas, a discussão
sobre espaço público e opinião pública (CEFAÏ, 2017) e a consequente
participação de sujeitos (como por exemplo: os jovens) como protagonistas na
esfera pública (GOHN, 2018) , através da atuação sociopolítica
e cultural em coletivos, movimentos sociais ou órgãos públicos como os Conselhos
(CARLOS,
DOWBOR e ALBUQUERQUE, 2017) conquistam evidência no debate das
políticas públicas.
Assim, compreender que a agenda política de governo para elaboração e execução de políticas públicas passa a ser pautada por uma organização coletiva não parece ser um equívoco, entretanto é necessário dimensionar que há uma ilusão, em sentido teórico e prático, de que as políticas públicas são estruturadas basicamente pelos conselhos, por exemplo.[4] Outra questão que indica maior necessidade de reflexão é a preocupação com a omissão e negligência estatal em relação às demandas dos conselhos e, como consequência, a existência de um processo estrutural de desmonte de suas estruturas. Nesse aspecto, parece ser pertinente fomentar uma análise sobre a efetividade dos ciclos governamentais destas políticas públicas. Afinal, o que acontece durante o período de crescimento de uma política pública em relação à eficaz solução dos problemas sociais? Será que existem problemas sociais tão estruturantes que não tem como serem resolvidos, ou será que os ciclos destas políticas não conseguiram ser completados? Nessa toada, Carrano e Sposito (2003), por exemplo, demonstram que as políticas públicas de juventude estavam sendo implementadas desde o final da década de 90 do Século XX, mas é perceptível que algumas políticas específicas não conseguiram conquistar uma dimensão eficaz por não alcançarem a universalidade de direitos dos sujeitos em questão. Também é percebido um embate entre a elaboração de políticas públicas e noções normativas acerca do que é ser jovem. A sociedade civil, para os autores, comporta pontos de vista contrastantes sobre esse estágio da vida; as representações normativas sobre a juventude e o formato das relações entre o Estado e a sociedade não seriam necessariamente complementares.
Assim, compreender que a agenda política de governo para elaboração e execução de políticas públicas passa a ser pautada por uma organização coletiva não parece ser um equívoco, entretanto é necessário dimensionar que há uma ilusão, em sentido teórico e prático, de que as políticas públicas são estruturadas basicamente pelos conselhos, por exemplo.[4] Outra questão que indica maior necessidade de reflexão é a preocupação com a omissão e negligência estatal em relação às demandas dos conselhos e, como consequência, a existência de um processo estrutural de desmonte de suas estruturas. Nesse aspecto, parece ser pertinente fomentar uma análise sobre a efetividade dos ciclos governamentais destas políticas públicas. Afinal, o que acontece durante o período de crescimento de uma política pública em relação à eficaz solução dos problemas sociais? Será que existem problemas sociais tão estruturantes que não tem como serem resolvidos, ou será que os ciclos destas políticas não conseguiram ser completados? Nessa toada, Carrano e Sposito (2003), por exemplo, demonstram que as políticas públicas de juventude estavam sendo implementadas desde o final da década de 90 do Século XX, mas é perceptível que algumas políticas específicas não conseguiram conquistar uma dimensão eficaz por não alcançarem a universalidade de direitos dos sujeitos em questão. Também é percebido um embate entre a elaboração de políticas públicas e noções normativas acerca do que é ser jovem. A sociedade civil, para os autores, comporta pontos de vista contrastantes sobre esse estágio da vida; as representações normativas sobre a juventude e o formato das relações entre o Estado e a sociedade não seriam necessariamente complementares.
No
tocante à relação com o Direito[5],
para além do embate entre as noções normativas fornecidas pelo aparato
institucional, é importante compreender a perspectiva funcional do direito em
relação às políticas públicas, assim como desdobrar as políticas públicas num
emaranhado de normas, processos e arranjos institucionais que são mediados pelo
direito, ou seja, é crucial entender o direito enquanto: objetivo a ser alcançado
pela política pública; arranjo institucional de políticas públicas; ferramenta
de políticas públicas e, por fim, vocalizador de demandas e indutor de
mecanismos sociais (COUTINHO,
2013; 2010) .
Portanto,
alguns desafios parecerem estar presentes com maior ênfase quando pensamos em
políticas públicas, como por exemplo: a universalidade; a compreensão da
pluralidade dos sujeitos beneficiários das políticas públicas; as dimensões
territoriais de concretização das políticas públicas, haja vista que a maioria
ainda se restringe ao âmbito urbano, por exemplo; e o acesso às políticas
públicas. Neste sentido, é fundamental considerar a questão da participação, do
direcionamento e da representatividade dos jovens no debate sobre as demandas
destas políticas, além da transversalidade da presença das juventudes na
sociedade e o caráter interseccionado dos jovens como sujeitos sociais de múltiplas
demandas.
REFERÊNCIAS
AVRITZER, L. Um balanço
da participação social no Brasil pós-constituição de 1988. In: AVRITZER, L. Experiência
democrática, sistema político e participação popular. São Paulo: Editora
Fundação Perseu, 2013. p. 11-21.
CAPELLA,
A. C. N.; BRASIL, F. G.; SOARES, A. G. Pesquisa em Políticas Públicas no
Brasil: um mapeamento da aplicação de modelos internacionais recentes na
literatura nacional. In: IX Encontro da Associação Brasileira de Ciência
Política - ABCP. Brasília, DF: UnB. 2014. p. 1-22.
CARLOS,
E.; DOWBOR, M.; ALBUQUERQUE, M. D. C. A. Movimentos sociais e seus efeitos nas
políticas públicas: balanço do debate e proposições analíticas. Civitas -
Revista de Ciências Sociais do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais,
v. 17, n. 2 2017. 360-378. Disponível em: Acesso em Mar. 2020.
CARRANO,
P. C. R.; SPOSITO, M. P. Juventudes e Políticas Públicas no Brasil. Revista
Brasileira de Educação, Campinas, n.24 2003. p. 16-39.
CARVALHO,
J. M. D. A cidadania após a redemocratização. In:
Cidadania
no Brasil: o longo caminho. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2002.
CEFAÏ, D.
Públicos, problemas públicos, arenas públicas...o que nos ensina o pragmatismo.
Novos Estudos Cebrap, São Paulo, v. 36.01, p. 187-213, Mar. 2017 2017.
Disponível em: Acesso em Mar. 2020.
COUTINHO,
D. R. O direito nas políticas públicas. São Paulo: [s.n.], 2010.
Disponível em:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5066889/mod_resource/content/1/1.2.%20O%20direito%20nas%20pol%C3%ADticas%20p%C3%BAblicas%20-%20Diogo%20Coutinho.pdf.
Acesso em Fev. 2020.
COUTINHO,
D. R. Direito, desigualdade e desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2013.
GOHN, M.
D. G. Jovens na política na atualidade: uma nova cultura de participação. Caderno
CRH, Salvador, v. 31, n. 82, Jan/ Abr 2018. p. 117-133. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/ccrh/v31n82/0103-4979-ccrh-31-82-0117.pdf. Acesso em
Mar. 2020.
KINGDON,
J. W. Agendas, Alter natives, and Public Policies. Harlow: Edition,
Pearson New International, 2014.
ROCHA, C.
A. V. Atravessando Fronteiras: os padrões de relações entre sociedade civil e
Estado e a produção de políticas públicas. Revista Tomo, São
Cristóvão/SE, n. 36, jan./jun. 2020. 173-194. Disponível em:
https://seer.ufs.br/index.php/tomo/article/view/12309. Acesso em Fev. 2020.
SECCHI,
L. Políticas públicas: conceitos, esquemas de análise, casos práticos.
Florianópolis: Cengage Learning, 2010.
[1] Texto produzido a partir dos debates das atividades realizadas pelo Grupo de Trabalho: “Políticas Públicas”, que teve a proposta de fazer uma discussão teórica em relação às políticas públicas por meio de três blocos principais: a) Processo de formação e Políticas Públicas; b) Análise da relação entre Políticas Públicas e Direito; c) Debate sobre a participação social nas Políticas Públicas. As reuniões para os debates sobre os textos ocorreram, na sala do GERTS, nos dias: 18/02/2020, 05/03/2020, 11/03/2020 e 17/03/2020, sob a coordenação de João Víctor Pinto, através da orientação e supervisão de Prof. Dr. Frank Marcon. Para o desenvolvimento das atividades, foi utilizado um referencial teórico interdisciplinar, com destaque para as áreas de: Sociologia, Ciência Política, Antropologia e Direito.
[3] A título de contextualização, por
exemplo, a
noção de “How Does an Idea's Time Come?” é importantíssima (KINGDON, 2014) para o modelo de
múltiplos fluxos e, consequentemente, para a compreensão dos demais modelos
teóricos, visto que, de certo modo, adotam o modelo de múltiplos fluxos como
parâmetro analítico.
[4] Acontece que os conselhos também se
aparelham politicamente em relação às demandas. Trata-se de um ciclo político
que ainda carece de reflexão.
[5] Considerando que o direito permeia de
forma intensa as políticas públicas “[...] em todas as suas fases ou ciclos: na
identificação do problema (que pode ser ele próprio um gargalo jurídico), na
definição da agenda para enfrentá-lo, na concepção de propostas, na
implementação das ações e na análise e avaliação dos programas” (COUTINHO,
2010, p. 197) .
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