terça-feira, 8 de agosto de 2023

Juventude e moda

Por Adrielle da Silva Oliveira


A moda pode ser trabalhada de diversas formas, nesse texto irei fazer uma ligação entre ela, estilos de vida, identidade visual e de que maneira a moda é utilizada como linguagem pelas juventudes periféricas. 

Nos estudos sobre juventude é possível ver a formação de grupos associados a questões políticas e estilos de vida. A ideia de grupos sociais traz uma noção de solidariedade e proximidade, onde o indivíduo se sente seguro despertando assim um sentimento de comunhão. Michel Maffesoli (1998) chama essa união de indivíduos com gostos em comum de tribalismo, essas redes se unem através da vulnerabilidade humana e o medo de se sentir sozinho ou deslocado. As tribos suprem a necessidade de se sentir compreendido, de troca de experiências e de conexão com outras pessoas (MAFFESOLI, 1998).

Nas tribos urbanas os indivíduos utilizam máscaras sociais (MAFFESOLI, 1998) com a função de integrar uma “persona” através do cabelo, tatuagens, acessórios e afins, que podem ser lidos como estranhos ou “caretas” por tribos diferentes. Esses grupos sociais são mantidos através de um sentimento de familiaridade com elementos neles instituídos - como posicionamentos ideológicos, gostos musicais, territórios e outros fatores (MAFFESOLI, Michel 1998). A juventude é a fase onde geralmente se começa a frequentar esses espaços por consequência de diversos fatores: inserção do jovem no mercado de trabalho, a construção de um senso de individualidade trazendo assim uma ampliação do consumo em espaços de lazer. Diante desta partilha de experiências é construído uma imagem seguindo os demais integrantes é uma forma de se afirmarem “alguém” em uma sociedade que massifica e os transforma em anônimos (DAYRELL, Juarez 2002).

Os grupos também abrem outros espaços sociais onde acabam aderindo mais que características visuais e gostos em comum, um consumo que vai além disso, criando assim estereótipos relacionados a eles. Após a inserção dos jovens nesses espaços eles começam a ter noção da sua posição social e fazem escolhas de acordo com sua realidade, que foi construída dentro das suas múltiplas referências adquiridas ao longo de toda sua vida dando ênfase ao grupo social onde se sente mais acolhido. No movimento hip-hop, bailes Funk, entre outros espaços maioritariamente frequentados por jovens periféricos um marcador bastante utilizado é o uso de um determinado tipo de moda, com o objetivo de afirmar o pertencimento a uma coletividade específica entre o restante dos grupos urbanos.

A moda vem sendo trabalhada como sistema de representação que para Stuart Hall significa utilizar a linguagem para expressar algo sobre o mundo ou representá-lo a outras pessoas. Utilizando o exemplo do Hip-hop a moda aderida foi feita para se adequar à realidade urbana desses jovens: roupas confortáveis de fácil aderência com os movimentos, ideais para transitar em ônibus, metrôs, caminhar longas distâncias; tecidos mais grossos e pesados possibilitavam a proteção do frio das ruas. (IARA - Revista de moda, cultura e arte, 2010). 

Assim, podemos observar a versatilidade da moda e como ela pode ser aplicada nos mais diversos ambientes para além da moda global mais conhecida como “fashionista” onde se preza a tendência. A moda popular busca valorizar o contexto que está inserida, nos bailes Funk as mulheres utilizam roupas mais sensuais que valorizam o seu corpo ao dançar, homens buscam estar com acessórios e marcas citadas nas letras das músicas, já no dia a dia essas mesmas pessoas geralmente estão vestidas de maneiras diferentes já que uma mesma pessoa pode está inserida em mais de um grupo social e vivenciar mais de um estilo de vida. (MIZAHI, Mylene 2019) 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA 

A moda demarcada espaço: o caso da “moda hip hop.” IARA, Revista de moda, cultura e arte, São Paulo - v.3, dez. 2010.

ABRAMO, Helena Wendel. Cenas Juvenis: punks e darks no espetáculo urbano. 1. ed. São Paulo: Editora Página Aberta, 1994. 

DAYRELL, Juarez. O rap e o funk na socialização da juventude. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.28, n.1, p. 117-136, jan./jun. 2002. 

HALL, Stuart. Cultura e representação. Rio de Janeiro: Apicuri, 2016 

MIZAHI, Mylene. O funk, a roupa e o Corpo: Caminhos para uma abordagem antropologica da moda. Cadernos de Arte e Antropologia, Rio de Janeiro, 2019.

segunda-feira, 7 de agosto de 2023

Jovens digitais: experiências sociais mediadas por interfaces tecnológicas

 Por Gabriela Losekan

        

        De maneira geral, o que significa dizer que os jovens dessa geração são jovens digitais? Sem perder de vista processos históricos, econômicos e políticos a nível global e como se relacionam com o fenômeno do digital (Faustino, Lippold, 2023; Silveira, 2021), podemos afirmar que a Internet e as Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) produzem novas práticas sociais, um novo sentido para o tempo e para o espaço, corroborando para “(...) una mutación profunda en la producción de subjetividad, otras formas de consolidar la propia experiencia y otros modos de auto-tematización, otros regímenes de constitución del yo, otras maneras de relacionarse con el mundo y con los demás, mediados por las TIC” (Muñoz, 2016, p. 75).

        Frente a intensificação e onipresença de sistemas computacionais no cotidiano social, tanto o âmbito da subjetividade quanto da sociabilidade e da agência dos jovens são mediados, em menor ou maior grau, pela tecnicidade, isto é, nas suas interações pela e com a tecnologia (Martín-Barbero, 2008). Embora essa mediação seja interpelada por marcadores sociais como classe, raça e gênero, pelas formas e condições de acesso a essas tecnologias, implicando, inclusive, em uma discussão mais complexa sobre cidadania digital (Batista e Simões, 2022), o digital proporciona um entorno múltiplo (Muñoz, 2016) comum a seus usuários, descrito como “(...) virtual y actual, selectivo y masivo, local y global, posicional y nómada al mismo tiempo…con nuevas experiencias de libertad aunque estén controladas, una explosión de subjetividades atravesadas por el consumo” (ibidem, p. 77).

Hyper-Reality, por Keiichi Matsuda.  Disponível em: https://vimeo.com/166807261

      Nesse entorno múltiplo, a temporalidade da Internet, que não é linear, mas instantânea, a imaterialidade do hipertexto no ciberespaço e a interface dessas tecnologias transformam os sentidos, as percepções e as formas de produzir a experiência social (Muñoz, 2016, p. 84), especialmente através da linguagem, da corporeidade e da sensibilidade de crianças, adolescentes e jovens (Martín-Barbero, 2008) que vivenciam essas fases de vida enquanto um momento propicio a formação das suas percepções de si, das suas relações e do mundo em que vivem. Portanto, de maneira geral, dizer que os jovens dessa geração são jovens digitais significa dizer que através desses sujeitos podemos observar novas formas de subjetividades e agências articuladas e mediadas pelas TICs.

            Não obstante, é preciso ter cautela quando mobilizamos o termo para caracterizar jovens ou uma geração de jovens. Expressões como nativos do digital (Prensky, 2001) sugerem uma competência tecnológica quase inata àqueles jovens que nasceram e cresceram em uma realidade em que o computador, o smartphone e a Internet sempre existiram. É claro que crianças, adolescentes e jovens se tornam usuários de tecnologias cada vez mais cedo, mas, embora mais ambientados à presença e ao uso da Internet e de suas tecnologias e mais dependentes de softwares no seu dia-a-dia, muitos jovens continuam tendo pouco ou nenhum conhecimento sobre como funcionam essas tecnologias, embora desenvolvam expertises e práticas tecnológicas diversas a partir de suas experiências digitais.

        Questionando a expressão nativo digital, Ortega e Ricaurte (2009, p.43) argumentam que “no todos los jóvenes de la generación digital poseen las competencias distintivas de esa generación, ni que las generaciones anteriores sean incompetentes tecnológicamente”. Em complemento, Boyd (2014, p.176) escreve que “the rhetoric of “digital natives”, far from being useful, is often a distraction to understanding the challenges that youth face in a networked world”. Em ambas publicações, as autoras apontam alguns mitos sobre as competências tecnológicas da atual geração de jovens, sinalizando, por outro lado, duas situações: a subutilização das possibilidades oferecidas pela tecnologia, traduzida na fraca alfabetização e literacia digital dos jovens, e, também, brechas digitais nas formas de acesso e uso dessas tecnologias. 

            Em seu estudo sobre jovens e cultura digital, Ricaurte (2018, p. 21) destaca que, além de ser necessário atentar para as diferentes realidades em que se encontram os jovens e as diversidades de formas em vivenciar a juventude, especialmente no contexto latinoamericano, “los estudios sobre cultura digital deben ser encarados como situados, encarnados y en la vida cotidiana (Hine, 2015) como resultado de la red de relaciones, del contexto y coyuntura en los que tiene lugar” (ibid, p. 21). Nesse sentido, as práticas digitais permanecem um aspecto fundamental do cotidiano dos jovens conectados a ser analisado. O desafio posto é conseguir compreender como o ambiente técnico faz parte, cada vez mais, de corporeidade, cognição e práticas (Martín-Barbero, 2008, p. 25) desses jovens digitais e em que medida os uso e apropriações tecnológicos pelos jovens estão relacionados a questões mais complexas que perpassam as discussões sobre o digital, como a relação entre sistemas algorítmicos e a sociabilidade, subjetividade e agência dos sujeitos jovens (Djick, 2013; Silveira, 2018). 

        Algumas pesquisas recentes têm enfrentado essas questões a partir de abordagens teórico-metodológicas distintas. Na pesquisa etnográfica sobre o TikTok da antropóloga Abidin (2021), a pesquisadora demonstra como o uso dessa plataforma de mídia social influencia no desenvolvimento de determinadas expertises e práticas digitais entre os seus usuários, majoritariamente jovens. Abidin (ibid., p. 26) destaca que, além das expertises técnicas e práticas interativas, jovens TikTokers, especialmente aqueles que aspiram viralizar na plataforma com o objetivo de tornar-se uma celebridade da Internet, também desenvolvem práticas algorítmicas que são “engajamentos dos usuários em comportamentos padronizados e rotineiros na crença de que suas ações repetidas irão persuadir e acionar o algoritmo da plataforma para trabalhar a seu favor”. Essas práticas, aprendidas por repetidas tentativas, observação de padrões e, inclusive, intuição, são mobilizadas com o objetivo de alcançar alta visibilidade, “agradando” e, em alguns casos “enganando” a plataforma, embora seu algoritmo seja uma caixa-preta bem guardada, como ocorre em outras plataformas. 

            A relação entre a experiência digital dos jovens e interfaces tecnológicas também é abordada na pesquisa da socióloga Carolina Castro Grau. Buscando expandir o conceito de experiência social de Dubet (2011) por meio de Van Djick (2016), Grau (2019, p. 107) define interface tecnológica 

 

como una arquitectura computacional, pero igualmente en un sentido sociocultural y político, convirtiéndose en una infraestructura performativa que permite que pasen cosas, que media, sugiere, cuantifica y mide la vida social, lo cual tendría incidencia en la configuración de las experiencias de los propios usuarios (Van Dijck, 2016), transgrediendo la idea de intermediario neutral.

 

A partir de entrevistas semiestruturadas com jovens usuários do Instagram, Grau identificou que, embora a pluralidade de experiências dos jovens possa ser categorizada a partir da lógica da integração social, da estratégia e da subjetivação, tal como posto pela teoria de Dubet, a lógica da interface tecnológica permeia todas as lógicas anteriores e, em muitos dos casos, os jovens relataram perceber a sua incidência na configuração das suas próprias experiências na plataforma.

Indo além das experiências e práticas juvenis mediadas pelas plataformas digitais, no seu artigo sobre jovens estudantes mexicanos e seus imaginários sociais sobre Inteligência Artificial (2019, p. 52), a pesquisadora Paola Ricaurte Quijano destaca que a infância, a adolescência e a juventude conectada ocupam um lugar central no ecossistema das tecnologias associadas a IA por serem, ao mesmo tempo, produtores (de dados e tecnologias) e consumidores (de serviços e produtos), além de ser a força laboral presente e futura para o setor. 

A partir da realidade mexicana, Ricaurte critica a fraca implementação de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento tecnológico e científico que, além de não posicionar o país como um ator relevante no ecossistema tecnológico a nível global, falha em inserir os jovens de forma participativa na sociedade digital, contribuindo para a intensificação das brechas digitais entre os jovens. Para contribuir com o debate, a pesquisadora mobiliza os imaginários sociais de jovens estudantes mexicanos sobre a IA para compreender o que conhecem e pensam sobre essa tecnologia e como a vinculam a suas vidas cotidianas. Citando Augé (1999, p. 10), a autora escreve que “los imaginarios articulan el sentido de lo común, de lo compartido, constituyen un terreno de encuentro y disputa en contextos de contacto cultural y colonización” (2019, p. 54). 

Entre os achados exploratórios da pesquisa, é interessante destacar a percepção dos jovens estudantes mexicanos sobre as capacidades das tecnologias de IA, tais como “raciocinar” e “pensar”, características da inteligência humana, ainda que não tenha sido mencionado como se produz ou se desenvolve tal capacidade. Ademais, é nítido que seus imaginários são marcados por extremos apocalípticos ou utópicos sobre a presença das tecnologias de IA na sociedade do futuro. Embora consigam identificar a presença dessas tecnologias no seu cotidiano, citando como exemplo assistentes virtuais, plataformas de mídia social, videogames, etc., os imaginários dos jovens entrevistados para pesquisa são predominantemente articulados a partir do senso comum sobre IA.

São pesquisas que nos provocam a pensar em que medida expertises e práticas tecnológicas somadas a experiências digitas podem ou não corroborar para o desenvolvimento de um conhecimento significativo sobre a Internet e suas tecnologias entre jovens, influenciando ou não em formas de agência menos ou mais reflexivas mediadas por interfaces tecnológicas, sem perder de vista as especificidades da localidade e do cotidiano em diálogo com as dinâmicas de conjunturas globais e disputas de poder.

Referências

ABIDIN, C. Mapeando celebridades da Internet no TikTok: Explorando Economias da Atenção e Trabalhos de Visibilidade. Revista Pauta Geral-Estudos em Jornalismo, v. 8, p. 1–50, 2021.

BATISTA, S.; SIMÕES, J. A. Cidadania digital de jovens em três países europeus: perfis de (não) participação cívica online. Sociologia, Problemas e Práticas, n. 98, 2022, p. 9-29.

BOYD, D. It’s complicated: the social lives of networked teens. New Haven: Yale University Press, 2014, p. 176-199.

DIJCK, J. VAN. The culture of connectivity: a critical history of social media. Oxford ; New York: Oxford University Press, 2013. 

FAUSTINO, D.; WALTER, L. Colonialismo digital: por uma crítica Hacker-Fanoniana. São Paulo: Boitempo, 2023. 

GRAU, C. C. Instagram como interfaz tecnológica: algoritmos e interacción de las juventudes. Em: BROSSI; LIONEL (Org.). Inteligencia artificial y bienestar de las juventudes en América Latina. Santiago: LOM ediciones, 2019, p. 105-113.

MARTÍN-BARBERO, J. A mudança na percepção da juventude: sociabilidades, tecnicidades, e subjetividades entre os jovens. Em: BORELLI, S. H. S.; FREIRE FILHO, J. (Org.). Culturas juvenis no século XXI. São Paulo: Educ, 2008, p. 9-32

MUÑOZ, G. Jóvenes digitales. Em: FEIXA, C.; OLIART, P. (EDS.). Juvenopedia: mapeo de las juventudes iberoamericanas. Primera edición ed. Barcelona: NED Ediciones, 2016. 

ORTEGA, E; RICAURTE, P. Jóvenes nativos digitales: mitos sobre la competencia tecnológica. Diário de Campo, n.106, p. 40-49, 2009.

PRENSKY, M. Digital Natives, Digital Immigrants. On The Horizons, v. 9, n. 5, p. 1-6, out./2001.

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RICAURTE, P. Jóvenes e imaginarios sobre inteligencia artificial en México. Em: BROSSI; LIONEL (Org.). Inteligencia artificial y bienestar de las juventudes en América Latina. Santiago: LOM ediciones, 2019, p. 51-61.

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SILVEIRA, S. A. A noção de modulação e os sistemas algorítmicos. Em: SOUZA, J.; AVELINO, R.; SILVEIRA, S. A. (orgs). Sociedade de controle – manipulação e modulação nas redes sociais. Editora Hedra, 2019, p. 31-47.