sexta-feira, 24 de maio de 2019

Resenha “A memória coletiva e o espaço”, de Maurice Halbwachs


©EUTERS/Ronen Zvulun 

Por Laise Maria da Silva

Maurice Halbwachs, sociólogo francês, inicia o texto refletindo sobre o pensamento do filósofo Auguste Comte, em que ressalta que o filósofo observou o equilíbrio mental que decorre a partir da pouca mudança de objetos que estão ao redor das pessoas, e de acordo com a reflexão do mesmo, isto oferece uma imagem de permanência e estabilidade.

O sociólogo defende que quando um grupo está inserido em uma parte do espaço, ele a transforma à sua maneira, do mesmo modo em que se sujeita e se adapta as coisas materiais que a ele resistem. Ele exemplifica essa questão dando o exemplo da casa, a maneira que objetos e móveis estão dispostos refletem a marca das pessoas que moram naquele ambiente.

Ou seja, Halbwachs explica que o lugar recebe a marca do grupo e o grupo recebe a marca do lugar, que ambos se influenciam. Sendo assim, de acordo com o pensamento do mesmo, cada aspecto e detalhe deste lugar tem um sentido inteligível apenas para os membros do grupo.

O autor salienta que a memória coletiva e o ambiente material podem mudar com acontecimentos que modifiquem o grupo ou o lugar. Para melhor compreensão, ele usa como exemplo a família, que é modificada com acontecimentos como casamento e morte e também acontecimentos que modifiquem o ambiente em que este grupo convive, no caso a família enriquecer ou empobrecer.

Vale salientar que Halbwachs foca a discussão do texto em três agrupamentos: o jurídico, o econômico e o religioso, e posteriormente em seus espaços. De acordo com o autor, esses agrupamentos aparentemente não possuem bases espaciais, ou seja, seguem regras sem relação com a configuração do espaço.

Nesse sentido, sobre o espaço jurídico, ele argumenta que as relações jurídicas estão fundamentadas sobre o fato de que os homens possuem direitos e podem contrair obrigações que, pelo menos, na sociedade não parecem subordinadas à posição deles no meio exterior. Ele cita como exemplo o direito do homem à terra, que é possível reconhecer a partir da memória, que um determinado terreno pertence ao dono, isto é, ele explica que é a partir da memória de vizinhos, das pessoas que vivem em torno daquele terreno que o direito do proprietário é reafirmado.  Posto isto, Halbwachs destaca que o espaço jurídico é o espaço permanente, pelos menos por um certo limite de tempo, que permite a cada instante à memória coletiva, desde que perceba o espaço, de nele localizar a lembrança dos direitos.

Com relação ao espaço econômico, o sociólogo defende que o mundo do valor é diferente do mundo físico, e que os preços das coisas são estabelecidos nesses grupos econômicos. Halbwachs enfatiza ainda que os mesmos são delineados sobre um fundo espacial, ou seja, nos locais de trabalho, nas lojas, oficinas, etc. Desta forma, o grupo econômico reconstitui o mundo dos valores, por não poder estender sua memória por um período bastante longo e por não conseguir projetar suas lembranças de preço.

Por fim, Halbwachs reflete sobre o espaço religioso, enfatizando que as lembranças de um grupo religioso são lembradas na visão de certos lugares. Ou melhor, pela separação sagrado e profano. O fundamento e o conteúdo da memória coletiva religiosa está, segundo o sociólogo, em uma certa direção e inclinação uniforme da sensibilidade e do pensamento. Deste modo, de acordo com o pensamento do mesmo, a memória religiosa tem a necessidade de imaginar os lugares, para que seja possível a evocação de acontecimentos aos quais a mesma se liga. Halbwachs cita como exemplo Jerusalém, que é um espaço muito significativo para religiões cristãs, mesmo que muitos nunca o tenham visitado.

À vista disto, o sociólogo considera que não é certo que para lembra-se seja necessário se transportar em pensamento para fora do espaço, quando na verdade é a imagem do espaço que, em consequência de sua estabilidade, transmite uma ilusão de não mudar através do tempo. Logo, é assim que se pode definir memória e espaço, que só é suficientemente estável para poder durar sem envelhecer, sem perder nenhuma de suas partes.


HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva e o espaço. In: A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.