Por Élida Braga
Esse
texto encontra-se no capítulo 5 do livro Cartografias da Disápora: identidades
em cuestión e traz reflexões que envolvem cultura e identidade, as quais
apontam para as discussões sobre diferença e diversidade. Ao explorar e
promover as interseções de raça, gênero, classe, o trabalho de Avtar Brah
contribui para se perceber os modos diferenciados de pensar na produção da
diferença e da desigualdade em experiências cotidianas, de modo articulado,
colocando outros elementos que nos ajudam a compreender as violências em termos
de gênero, raça e classe, que se constituem em marcadores sociais da diferença,
vistos de maneiras interseccionadas.
Logo no início
do texto, ela aborda o desenrolar do movimento negro, das pessoas de cor como
eram descritas, sob as formas de resistência à estigmatização, inferiorização e
exclusão. Faz uma crítica quando afirma que discursos etnicistas procuram impor
noções estereotipadas de necessidade cultural comum, quando, na verdade, o foco
deve recair sobre como essas necessidades são construídas e representadas nos
vários discursos. Brah (2006) reforça que o termo “negro”, por exemplo, assumiu
novos significados, sendo resultado de resistência e luta contra o
colonialismo, mas também se refere ao surgimento de conflitos internos com os
membros dos grupos, em disputas por emprego no setor estatal, pela mudança do
próprio termo “negro” que já não abrigava mais os asiáticos, entre outras
questões. Argumenta ainda que as interconexões entre os vários marcadores de
diferenças existentes levam em conta os diferentes racismos posicionados entre
si.
Em seguida, traz
abordagens do feminismo, o qual, após a Segunda Guerra Mundial, se propunha a
eliminar as desigualdades de gênero com base na diferenciação sexual. Eram
propostas essencialmente voltadas para o biológico e o movimento já não dava
conta das demandas que surgiam. Não se tratava, no entanto, de negar a condição
de mulher enquanto ser biológico, mas de pensar e questionar o que movimenta a
condição de subordinação das mulheres aos homens quando apontam para as
conformações biológicas (BRAH, 2006, p. 342).
Dentro das temáticas
que o texto sugere, tais como escravidão, colonialismo e racismo, dentro do
contexto de mercado global, é possível estabelecer conexões com a exploração de
classe e gênero, as quais se entrecruzam nas relações desiguais que vão para
além do local. Diante disso, a autora afirma que
[…] nosso gênero é constituído e
representado de maneira diferente segundo nossa localização dentro de relações
globais de poder. Nossa inserção nessas relações globais de poder se realiza
através de uma miríade de processos econômicos, políticos e ideológicos. Dentro
dessas estruturas de relações sociais não existimos simplesmente como mulheres,
mas como categorias diferenciadas, tais como “mulheres da classe trabalhadora”,
[...] ou mulheres imigrantes”, ou seja, diferenças no sentido de condições
sociais (BRAH, 2006, p. 341).
Nessas estruturas
apontadas, os significados aparecem em modos, discursos e diferentes formas de
feminino, para os quais se apontam trajetórias, as especificidades materiais e
experiências vivenciadas de modos diferentes (BRAH, 2006).
A autora aponta para
o racismo como marcador “inerradicável” de diferença. Todavia, alerta para o
fato de que a diferença nem sempre revela opressão, pois também pode resultar
em ações democráticas (BRAH, 2006). A autora refere-se à concepção de diferença
como discursos específicos que são constituídos, contestados, reproduzidos e
ressignificados. Nesse contexto, Brah traz a experiência como um conceito
chave, já que no cotidiano das relações há muitas questões de gênero. Desde o
trabalho doméstico e cuidado com crianças, emprego mal pago, violências,
exclusão das mulheres dos centros chaves de poder, entre outras questões. Tudo isso visto socialmente de modo naturalizado
até ser interrogado e enfrentado. Cada um falando a partir de suas experiências
e pontos de vista.
Segundo Brah
(2006) a diferença pode ser caracterizada como relação social e como
identidade. A diferença como relação social sublinha a articulação
historicamente variável dos regimes de poder, dentro dos quais modos de diferenciação
como gênero, classe ou racismo são instituídos em termos de formações
estruturadas através das contingências, ou seja, no campo das possibilidades.
Assim, “o mesmo contexto pode produzir várias histórias coletivas diferentes,
diferenciando e ligando biografias através de especificidades contingentes” (p.
362).
Já
a diferença
como identidade está intimamente ligada às questões de experiência,
subjetividade e relações sociais. Assim, “a subjetividade – o lugar do processo
de dar sentido a nossas relações no mundo – é a modalidade na qual o sujeito em
processo ganha significado ou é experimentada como identidade” (BRAH, 2006, p.
371).
Logo, o texto de Avtar
Brah nos incentiva a perceber as diferenças, para as quais não cabe mais as
caracterizações fixas que os padrões coloniais nos impuseram. Nos desperta
também no sentido de compreender que mais que o compartilhamento de opressões é
necessário “formular estratégias para enfrentar todas elas na base de um
entendimento de como se interconectam e articulam” (BRAH, 2006, p. 376).
BRAH, Avtar. Diferença, diversidade, diferenciação.
Caderno Pagu (26), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2006,
pp. 329-376.