sexta-feira, 10 de setembro de 2010

“LA DIFFÉRANCE” DE JACQUES DERRIDA

Referências
DERRIDA, J [1968]. La Différance. Disponível em:. Acesso em: 6 ago. 2010.
BOTÍA, A. B. Jacques Derrida. Disponível em:. Acesso em: 30 ago. 2010.

Jacques Derrida (El Biar, Argélia, 15 de agosto de 1930 – Paris, 8 de outubro de 2004), foi um pensador e escritor francês de origem argelina, conhecido principalmente como o criador da desconstrução. Seus trabalhos, (freqüentemente associados ao pós-estruturalismo e ao pós-modernismo), tiveram um impacto profundo sobre a teoria da literatura e os estudos literários de um modo geral.
Sua obra não se apresenta como algo terminado, sistemático ou ordenado. Sua escrita é fragmentaria, posicionando-se no limite da filosofia, pretendendo desconstruí-la. Seus primeiros livros trataram sobre fenomenologia (introdução A origem da geometria de Husserl, 1962 e a Voz e o Fenômeno, 1967, um estudo sobre o signo em Husserl, no qual mostra que a voz- portadora de um sentido ideal- possui uma prioridade sobre o fenômeno); comentários críticos às obras de Levinas, Foucault, Hegel, Lévi-Strauss, Freud e Rousseau, coligidos em seu livro A escritura e a diferença (1967); ao mesmo tempo, por estes anos, desenvolveu sua principal tese: nova concepção da escrita (não substituída pela palavra falada) como meio de se opor ao logo centrismo, sendo sua obra mais importante nesta linha Da Gramatologia (1967).
Na conferência La Différance, pronunciada na Sociedade Francesa de Filosofia em 27 de janeiro de 1968, Derrida realizou uma análise semântica da différance. O autor propõe o uso do termo différance escrito com a no lugar de e, formado a partir do particípio presente do verbo diferir. A diferença entre a escrita da différance (com a no lugar do e) é puramente gráfica, se escreve ou se lê, porém não se ouve, outorgando um privilégio ao grafismo sobre o fonologismo na construção do sentido.
A différance, que para Derrida, não é uma palavra nem um conceito, pode possuir, entre outros significados, o de não ser idêntico, distinto, ser outro, discernível. Esta diferença, no sentido de diferir, tratada como questão de alteridade, de dessemelhança, de antipatia e de polêmica, produz-se entre os elementos ativa e dinamicamente, e com persistência na repetição, intervalo, distância, espaçamento.
Diferir ainda possui o sentido de atraso, a ação de deixar para mais tarde, de ter em conta o tempo e as forças em uma operação que implica um cálculo econômico, um desvio, uma demora, um atraso, uma reserva, uma representação, conceitos que se resumem a “temporização”.
Diferir no sentido de contemporizar é, para Derrida, recorrer, consciente ou inconscientemente a mediação temporal e contemporizadora de um desvio que suspenda a execução ou a satisfação do desejo ou da vontade, efetuando-o também num modo que anula ou modera o efeito. Esta temporização é também temporalização e espaçamento, fazer tempo do espaço e espaço do tempo, constituição originária do tempo e do espaço.
Espaciar temporalizando cria todo o sentido, qualquer dicotomia (subjetividade/objetividade, sensível/inteligível) nos é apresentada como o efeito da différance, é a raiz comum de todas as oposições, pelo que podemos falar que a différance produz todo tipo de diferenças.
As diferenças geradoras de sentido se materializam quando inscritas em cada elemento da língua mediante um traço, que remete a outros elementos da cadeia. Por meio desta estrutura de remissão todo elemento funciona, tem sentido ou significa, remetendo a outro elemento passado ou posterior. Assim, o traço se constitui no texto, sem que este necessite de algo que o explique ou justifique de modo transcendente.
A différance seria ainda a causalidade constituinte, o processo de ruptura e de divisão cujos elementos diferentes seriam os produtos ou efeitos constituídos. Ela não denota passividade ou atividade, recordando algo como a voz média, não implicando numa operação que se pense como passividade nem como a ação de um sujeito sobre um objeto, nem a partir de um agente nem de um paciente, nem a partir nem a vista de qualquer um dos termos.
Derrida tem nas reflexões semiológicas de Saussure uma das principais fontes para seu pensamento sobre a diferença. Saussure sublinhou o caráter arbitrário e diferencial do signo na linguagem. Os elementos da significação funcionam pela rede de oposições que os distinguem e os relacionam uns aos outros. Neste sentido, apesar das críticas que formula a determinadas proposições saussureanas, Derrida colocará a diferença como a origem produtora de todo o sentido, e todo o processo de significação como um jogo formal de diferenças.
Para o autor, a filosofia vive na e de differánce, tratando do mesmo que não é o idêntico. Este mesmo é a differánce como passo desviado e equívoco de um diferente do outro, de um termo da oposição ao outro. A filosofia opera com duplas em oposição, onde cada um aparece como differánce do outro, como o outro diferido na economia do mesmo, o inteligível como diferindo do sensível, como sensível diferido; o conceito como intuição diferida-diferente; a cultura como natureza diferida-diferente.
Baseando suas reflexões nas idéias de Nietzsche, Derrida compreende que a differánce é esta discórdia “ativa”, em movimento, de forças diferentes e de diferenças de forças que ele opõe a todo sistema da gramática metafísica em todas as partes onde governa a cultura, a filosofia e a ciência.
As idéias de Heidegger acerca das diferenças entre o ser e o ente são traço marcante no pensamento derridariano. Assim, Derrida destaca que a diferença entre o ser e o ente tem desaparecido sem deixar marca, traços. O traço mesmo da diferença se tem perdido, a marca em si mesma nunca pode manifestar-se como tal.
Pelo estilo denso de escrita, pela complexidade dos referenciais teóricos e debates que estabelece com vários pensadores, La Différance é um texto cuja leitura não é indicada a um público não acadêmico, sendo produtiva para pesquisadores que trabalham com questões de alteridade, identidade e relações interétnicas.
Portanto, La Différance de Jacques Derrida, texto muito rico como contribuição teórica, constrói importantes reflexões sobre a constituição semântica do termo différance que, em seus aspectos gerais, transmite uma mensagem fundamental: a importância de vivermos juntos, de maneira harmoniosa, na diferença.

Por Diogo Monteiro.
10 set. 2010.

3 comentários:

Frank Marcon disse...

Boa resenha, para um texto muito denso e difícil, pela presença da filosofia e das teorias da linguagem. É um texto fundamental para nossas referências básicas, assim como toda a postura desconstrutiva de Derrida. A discussão sobre o processo de singnificação como algo posto a partir da mediação escritura/leitura. Um processo que não se esgota na escrita e nem na leitura. Neste processo, o ruído, a rasura, são levados em consideração. A "diferença", o "diferente", a "diferenciação", operam nestes processos significação a partir da rasura. Como transpor isto para as nossas discussões sobre processos de identificação e diferença. Uma forma é pensarmos como os referenciais simbólicos e os estereótipos significam sob rasura, provocando traduções imperfeitas (e toda tradução é imperfeita), no sentido de que o significado universal nunca pode ser alcançado. As significações são sempre aproximações e distanciamentos. A diferença se produz na linguagem escrita ou falada (como trabalha Derrida), mas também na gestual, corporal, cultural, social, etc. Este é um autor para relermos com calma e associarmos a outras leituras como Stuart Hall e Homi Bhabha. Aliás, para entendermos melhor estes autores, temos de ler Derrida.

Tania disse...

Ixi, o que me ajudou a entender um pouquinho o que o outor quis dizer foi o texto do Hall...senão...

rapsodo disse...

Boa resenha, bem fundamentada e nos traz mais possibilidades de estarmos diante da obra deste filósofo. O que traz inquietação e que talvez seja a isca pela qual fui fisgado por seus textos, seria a relação fala e escrita onde ele apresenta a fala ou voz como mais próxima a origem ou sentido enquanto que a escrita é exteriorizada como uma derivada e portanto secundária. Bem, entre a voz e o sentido, como se dá esta passagem? Tendo em vista que Ferdinand Saussure pressupõe um sentido transcendental, ou seja, puro e separado da exterioridade. Como a voz, ou imagem fonética recebe este sentido ou conceito, ou em outras palavras, como se torna um significante deste significado senão pela referência do exterior, ou seja, pela diferença que promove a articulação do jogo, isto parece fantástico e relamente é, levando-se em consideração que entre este significado primeiro e este significante esta passagem, aproximando-se mais disto, seria aquilo que ele denomina de rastro, o inapreenssível. Muito bom este espaço, que, utilizando-se de uma terminologia Heideggeriana, é uma clareira em meio a esta densa floresta escura e truncada em que a filosofia ainda insiste em estar.