No presente texto, trato brevemente de questões relativas à fase inicial da minha monografia, cujo objeto de estudo é a revista especializada em heavy metal, Roadie Crew.
Em 1994, surgiu o fanzine brasileiro Roadie Crew, que se tornara a Revista Roadie Crew, três anos depois, motivada pelo Philips Monster of Rock, evento realizado no estádio do Pacaembu, na cidade de São Paulo, em 27 de agosto de 1994 (ROADIE CREW, 2007).
O evento contou com a apresentação das bandas brasileiras: Dr. Sin, Angra, Raimundos e Viper, além das internacionais: Suicidal Tendencies, Kiss, Slayer e Black Sabbath. O festival representou um momento muito especial para o heavy metal no Brasil, pois foi o primeiro concerto da banda Black Sabbath no país.
A publicação, segundo seus autores, já trazia em seu bojo o princípio editorial básico – “valorizar a música pesada, sem constrangimento de dizer abertamente que se trata de uma publicação cuja matéria-prima principal é o heavy metal” – como podemos ver, na fala do editor do fanzine, tratava-se de uma publicação passional.
Neste primeiro momento, a publicação não tinha pretensões de natureza comercial, pois um fanzine (fanatic magazine) trata-se de uma revista editada por fãs, não comportando em sua ideia originária nenhum valor de natureza comercial. Pelo contrário, os fanzines nascem geralmente num contexto de contracultura e pretendem ser um informativo sobre alguma temática específica. Outro sentido de tal tipo de publicação é o de rivalizar com os mass media tradicionais.
Após três anos com frequência irregular, distribuição e quantidade limitadas, surge a Roadie Crew Editora Ltda, com sede em São Paulo, constituída com o “desejo de profissionalização”, que possibilitou a criação da revista, além de também investir na elaboração de um site na internet.
O meu objetivo com a pesquisa é analisar um suposto discurso de identificação, construído pela revista, que a partir de recorrentes visitas ao passado, ressalta valores e características essenciais do heavy metal da década de 1980, tais como, os que são definidos por agressividade, peso sonoro e fidelidade musical (WEINSTEIN, 2000).
O frequente apelo à memória é uma das marcas discursivas mais comuns da revista e podemos encontrá-las com alguma frequência no discurso dos três atores enunciativos presentes na publicação: os jornalistas, os músicos e os leitores.
Geralmente, tal deslocamento é feito com o intuito de explicar ou justificar uma demanda do cotidiano. No caso da revista, acontece quando faz suas críticas sobre novos álbuns, shows e bandas, no do músico, quando fala acerca de suas influências estéticas e, no caso do leitor (headbanger), quando exprime seu gosto por uma banda ou estética.
Em todo o caso, os elementos retóricos mais enfáticos da Revista são construídos com os poderosos argumentos que idealização uma tradição, objetivando, de algum modo, um desejo por um determinado padrão de conduta e produção estética do heavy metal.
Parto hipoteticamente das ideias nativas, presentes no texto da Revista, de “real” e “falso”, referências muito comuns às “bandas reais” – que têm fortes vínculos com a tradição – e as “bandas falsas”, isto é, entendidas como comerciais ou “modinhas” que não teriam ligação com o heavy metal "tradicional", bem como aos adeptos e músicos envolvidos nesse estilo de vida.
Quanto à metodologia, no primeiro momento, farei uma análise objetivando uma contextualização da Revista desde seu surgimento. A abordagem priorizará a análise sobre o entendimento do corpo e das linhas editoriais, a hierarquização burocrática, as informações comerciais sobre vendas e tiragem, o diálogo com empresas fonográficas, de acessórios e de instrumentos musiciais, bem como, a política de direção, de relação com colaboradores nacionais e estrangeiros e a sua inserção no mercado midiático da música em geral.
No segundo momento, por meio da análise do discurso de origem francesa, visando compreender as estratégias discursivas, sua qualidade performativa, analisarei o emprego de elementos verbais e não-verbais utilizados na publicação e na construção da política editorial e, sobretudo, como essa linguagem constrói, regula e dissemina um conhecimento especializado.
Referências bibliográficas:
ROADIE CREW. 100 grandes álbuns- heavy metal e classic rock, São Paulo. ano 10, n°100, 2007.
WEINSTEIN, Deena. Heavy Metal: the music and its culture. Capo Press, rev. ed. 2000
11 comentários:
Salve Jeff. Particularmente gosto do tema, principalmente por conta da iniciativa de pensar sobre as estratégias discursivas de formadores de opinião de movimentos estéticos, neste caso, um estilo musical específico que se torna um mediador singular de atores sociais de uma cena específica, mas também possibilita vermos suas múltiplas facetas relacionais com outras cenas. De certa forma, muitas vezes, a crítica estética e sociológica uniformiza estes "meios" como cultura massificada, o que empobrece as possibilidades de análise sobre seus efeitos singulares, sobre os processos de mediação, bem como sobre as formas de consumo, reprodução e mesmo produção de sentido elaborados pelos ditos consumidores de tais produtos (no caso, a revista). Seria interessante analisar como a Revista produz uma retórica de sentido que a sustenta como produto, mas também como vão se constituindo os "sentidos" sobre uma cena em particular. De algum modo, um produto é sempre pensado para algum público, mas isto não garante que a intenção dos produtores corresponda a uma eficácia simbólica junto aos consumidores, nem a alienação destes. Analisar a Revista é um bom caminho para se pensar questões como consumo, alegorização de estilos de vida, culturas juvenis e os processos de identificação e diferença que são estimulados, gerados e tensionados a partir deste tipo de produto.
Olá, Jefferson! Você pensa em analisar quem são essas pessoas que criaram o fanzine e, posteriormente, a revista?
Danielle,
Sim, porém de modo indireto. Acredito que seja importante entender como estes profissionais construíram suas carreiras, bem como sua manutenção.
Além disso, queria tratar do crescimento vertiginoso da revista, entre os anos de 1994 e 1997.
Do fanzine à revista com distribuição nacional consolidada.
Gostaria de saber quais estratégias foram mobilizadas.
Oi Jefferson.
Deve ser interessante esse processo de mudança de fanzine para revista "profissional". Devem ter havido discordâncias, não? E alguém investindo também.
Olá!
Só por curiosidades, gostaria de saber como foi seu contato com o objeto de pesquisa. Você faz parte da cena do metal? Sua discussão sobre estilos de vida gira entorna de quais elementos ou a partir de que?
falou...
Olá !
Quanto à transição do fanzine para a revista, acredito que deve ter havido um conflito, porém ainda não o identifiquei.
Também não sei precisar o investimento, nem sua fonte.
Levantarei essas informações através de entrevista ou questionário.
No tocante ao objeto, por muito tempo fiz parte da cena, porém me sinto desconectado, atualmente.
A revista surgiu como um meio de conhecer mais bandas.
Jeff, quando você caracteriza a publicação nos seus primeiros anos, você afirma que ela não tinha um caráter comercial. Seria interessante você explicar baseado em que você faz essa afirmação, pois com certeza a revista tinha custos, mesmo que seus editores tivessem ideologicamente inseridos no bojo de um processo contracultural. Quem a bancava então? Era vendida por um preço simbólico? Era repassada sem nenhum custo?
Outra coisa de caráter apenas formal: você cita a expressão fanzine em um primeiro momento, mas você só explica o que ela significa em uma outra citação posterior. Não sei como está em seu texto original, mas sempre é importante explicar as expressões, abreviaturas etc na primeira vez que elas aparecem afim de situar melhor o leitor.
Também achei muito interessante a temática que você estuda. Boa sorte!
Alan,
Os fanzines têm um custo operacional muito pequeno, o grande investimento seria a dedicação, o tempo que essas pessoas gastam com sua composição.
O interesse é informar sobre um determinado tema, grupo, estética e etc.
No caso da Roadie Crew, a distribuição era feita na galeria do rock em São Paulo.
Obtive essas informações através da própria revista.
Obrigado pela sugestão. :)
Opa Jefferson, aproveitando o que Frank comentou, seria interessante ir atrás dos fanzineiros de Aracaju na Freedom (és daqui?), e fazer algum tipo de paralelo. Já valeria pelo "resgate"...
Maurício. Boa idéia. Vamos ver isto. Obrigado pela contribuição e vê se aparece. Abraços
Salve povo do GERTS, saudade de todos...
Bom, aproveitando a discussão levantada pelo Mauricio (forte abraço) e pelo Frank a cerca do “UNIVERSO FAZINE”, essa resistente produção independente feita de muita colagem, Xerox, e tempo, como afirmado por Jeff, o maior investimento dessa produção, já que de forma geral os “Zines” tem distribuição gratuita, seja de forma direta, distribuição em eventos e em outros espaços de interação das diversas tribos que se utilizam dessa produção “do it yourself” (como a Freedom lembrada por Mauricio, ou a galeria do rock citada por Jefferson) no processo divulgação, sobre tudo, da produção musical de bandas alternativas de diversas regiões, assim como por postagem, dai a moeda mais utilizada é (ou era) os selos que garantiam a comunicação e troca de matérias (zines de outras regiões, Lps, fitas e Cds) entre os diversos “zineiros” do Brasil e do mundo. Acredito que assim como no caso da Roadie Crew, existam outras produções que nasceram como fanzine, e se transformaram em revistas ou blogs, como no caso do Escarro Napalm: “o Blog... versão virtual do fanzine de mesmo nome que eu (Aldelvan Kenobe) publiquei, em Xerox distribuída pelos Correios, entre os anos de 1991 e 1995” (em http://escarronapalm.blogspot.com/), segundo o mesmo a transição de fanzine para blog se deve, principalmente, pelo tempo gasto para responder as diversas cartas e pedidos de material. Ver link: http://fanzinotecamutacao.blogspot.com/
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