Pensando nas questões teóricas e suas relações com o universo empírico de um contexto paradoxal de experiências locais implicadas por influências globalizadas, que são levantadas de algum modo nos textos de Stuart Hall, Eric Hobsbawn e Arjun Appadurai, da sessão nove e sessão dez (resenhadas abaixo), gostaria de lançar algumas provocações para o debate:
1) Como está sendo utilizada a noção de ideologia e o que ela diz sobre a noção de discurso e de representação na análise sociológica e antropológica?
2) Como são utilizadas as noções de diferença e ambivalência? Com se encaixam aí as influências das teorias da linguagem e da psicanálise?
3) Em que sentido a questão simbólica e as relações de poder são centrais para os autores?
Cada um deve pelo menos responder uma questão e também comentar as outras respondidas pelos colegas. As considerações podem ser feitas unicamente a partir dos textos em questão, mas também de outros textos com os quais autores dialogam criticamente ou ainda com a utilização de exemplos dos estudos de vocês.
Abraços
1) Como está sendo utilizada a noção de ideologia e o que ela diz sobre a noção de discurso e de representação na análise sociológica e antropológica?
2) Como são utilizadas as noções de diferença e ambivalência? Com se encaixam aí as influências das teorias da linguagem e da psicanálise?
3) Em que sentido a questão simbólica e as relações de poder são centrais para os autores?
Cada um deve pelo menos responder uma questão e também comentar as outras respondidas pelos colegas. As considerações podem ser feitas unicamente a partir dos textos em questão, mas também de outros textos com os quais autores dialogam criticamente ou ainda com a utilização de exemplos dos estudos de vocês.
Abraços
5 comentários:
O pensamento dos autores passa por discussões entorno de questionamento dos valores culturais, transtornando velhas ideias, principalmente no campo das classificações e das hierarquias. Enfatiza a ideia da possibilidade de construir uma nova forma de conceber a sociedade, engendrada por um novo momento, movido por formas globalizantes de relação e “normatizado” pela superação das normas. E Nesse contexto, o “festival de revolução” nos parece acomodar todas as possibilidades de enfrentamento do significante, com surgimento de novos significados e valores, e formas incomensuráveis de agir diante do mundo.
Nesse sentido, o processo de criação do novo perpassa o determinismo para conceber a partir do processo transformação um sentido ou uma representação de algo que estava em certo sentido escondido, ou marginalizado por um contexto hegemônico de pensamento.
Pensando sobre um dos elementos hip hop, o RAP, podemos compreender como essas ideias são em certo sentido, compatíveis para realização de analises. A letra de uma música escrita por um Rapper, não significa apenas um trabalho, dentro de uma abordagem de classe, em que se produz algo, para uma lógica de produção capitalista, como também não se caracteriza como uma hierarquização do trabalho numa lógica binária de manual e intelectual. A música escrita perpassa, dentro de uma analise no sentido dos autores, a lógica normatizada da analise classificatória. O Rapper, ao escrever toma em conta todo um significado de centro e periferia, mas concebe a periferia como algo positivo e cheio de possibilidades discursivas e de significados. O positivo, concebido pelo escritor também não pressupõe a determinação do bom, mas algo que está presente em um universo extremamente complexo e ambivalente. Dessa forma, pensar essa relação alto/baixo, centro/periferia no contexto do rap, nos parece um problema interessante para a analise a partir do pressuposto dos autores.
Se pegarmos um trecho da música de um famoso grupo de rap, Racionais Mc’s, e colocarmos em um contexto de discussão sobre ideologias, representação e símbolos, podem vislumbrar algo interessante para o contexto de analise. A música Negro Drama do grupo, Racionais Mc’s nos fala o seguinte:
CONTINUAÇÃO
(...) Seu jogo é sujo,
E eu não me encaixo,
Eu sô problema de montão,
De carnaval a carnaval,
Eu vim da selva,
Sou leão,
Sou demais pro seu quintal,
Problema com escola,
Eu tenho mil,
Mil fita,
Inacreditável, mas seu filho me imita,
No meio de vocês,
Ele é o mais esperto,
Ginga e fala gíria,
Gíria não, dialeto
Esse não é mais seu,
Hó,
Subiu,
Entrei pelo seu rádio,
Tomei,
Cê nem viu,
Nóis é isso ou aquilo,
O quê?,
Cê não dizia,
Seu filho quer ser preto,
Rhá,
Que ironia. (...)
Cola o pôster do 2Pac ai,
Que tal,
Que cê diz,
Sente o negro drama,
Vai,
Tenta ser feliz (...)
Assim, interpretando a partir dos autores, a música retrata a ironia dos rappers que a escreve, ao conquistar consumidores da sua música, sendo o rap um estilo musical marcado por um estereótipo negativo do negro e da periferia das cidades num primeiro momento e criando novos significados e valores posteriormente. A representação do rap, proposto pela música, marca uma característica de quem fala: o negro e o morador de periferia, que a partir dos dispositivos de reprodução atinge um lugar de destaque, no cenário musical e do público, ou seja, o branco que se localiza no alto e o radio como forma de disputa no mercado fonográfico marcado por um sentido hegemônico.
A primeira vista, os rappers não querem em sua musica sair do seu lugar na busca pelo alto, pelo centro, não é essa a proposta dos autores da musica. Em vários momentos, podemos identificar o que os autores afirmam sobre o fato de que “o baixo não é mais a imagem refletida do alto”, como diz Hall.
Os significados são construídos a partir do local de enunciação e dessa forma compreendemos a ideia de articulação e desarticulação, principalmente no que se refere a ideia de classes sociais. O rap que nos remetemos apresenta essa postura, a classe não se apresenta a partir do ponto de vista clássico, mas de representações.
Questão 2) Em “Para Allon White metáforas de transformação” Stuat Hall discuti primeiramente a diferença das culturas de classe, o binarismo alta e baixa cultura que aparece na obra de Allon White, para Hall essa diferença não é completamente separado em blocos fixos existe uma interação entre essas culturas e a essência de um grupo está na existência do outro grupo, já que a baixa cultura não é a imagem da alta, é uma cultura com suas especificidades que a partir de sua existência define (cria a essência) a alta cultura, ou seja, a alta cultura é algo por não ser a baixa cultura e vice-versa. Essa colocação, influenciada pela différance de Derrida que por sua vez baseia-se na teoria linguística de Ferdinand de Saussure, é recorrente na obra do Stuart Hall ao tratar da identificação de grupos sociais.
O binarismo não é tratado de forma tão fixa e é de certo modo uma aproximação da desconstrução dos binarismos de Derrida que é reforçado pela relação de ambivalência da classe baixa que exerce fascínio e ao mesmo tempo repulsa na classe dominante. A metáfora do carnaval buscado na linguística de Bakhtin denota essa ambivalência quando o carnaval coloca em suspenção a divisão das representações do binarismos rígido entre alta e baixa classe. Hall traz a relação de disputa de signos de Volochínov para a discursão da representação de alta e baixa classe.
Appadurai, no entanto, vai para um caminho, de certa forma, próximo do Stuart Hall ao apontar a ambivalência de um mundo cosmopolita, onde uma comunidade “longínqua” da Índia se relaciona com uma metrópole norte americana. As duas localidades diferentes ao travarem uma relação tem suas diferenças apaziguadas no mundo globalizante que ultrapassa o local e o binarismo centro e periferia.
As relações de poder estão no cerne da discussão trazida pelos estudos culturais. No texto Para Allan White: metáforas de transformação, Hall traz a questão dos usos das metáforas para pensar as mudanças culturais. O autor demonstra a necessidade de transcender as metáforas clássicas e ultrapassar o binarismo existente entre as categorias alto e baixo, para conseguir enxergar também as relações existentes entre os domínios sociais e simbólicos, pontos importantes para conseguir pensar as diferenças e possíveis mudanças. Como exemplo, demonstra a relação que White e Stallybrass fazem com a ideia sobre o carnaval de Bakhtin, onde há uma inversão das categorias simbólicas de hierarquia, e uma troca momentânea nas relações de poder. Porém, mesmo trazendo novas possibilidades para o uso das metáforas de transformação, Hall lembra da importância de não esquecer as relações de poder existentes entre a cultura alta e a cultura baixa, que ainda são responsáveis para regular e manter a hegemonia cultural.
O texto de Appadurai aponta as novas possibilidades para a etnografia em um mundo globalizado e imaginado. No caso deste texto, podemos entender as relações de poder a partir dos meios de comunicação e da internet, onde é possível ser influenciado na forma como se imagina as representações da vida social. Aqui, pode-se expandir ideologias e diferentes formas culturais de diversos lugares do globo, que perde fronteiras e cria seres “híbridos”.
Resposta de Daniela:
De certo modo, questões como Ideologia, Ambivalência, Discurso, Poder têm sido colocadas, com maior ou menor relevância, não apenas em relação aos textos estudados recentemente, como em todas as discussões propostas em sala de aula. Quando falamos de Ideologia, por exemplo, e nos remetemos ao conceito marxista já tão amplamente propagado, os autores em tela sublinham um entendimento do conteúdo ideológico que extrapola ou confere um outro viés a noção de falsa consciência colocada por Marx. Assim, talvez a perspectivaque se queira conferir a Ideologia pulverize o discurso ideológico presente em todas as instâncias da vida cotidiana de modo ainda mais radical, afinal, não agimos ou nos movemos, pensamos ou sentimos embalados por uma falsa consciência de classe, mas, amiúde, por uma inconsciência fundante que acaba por obliterar questionamentos e resistências que possam desnaturalizar as representações sociais, políticas e até ontológicas que fazem e que, obviamente, fazemos de nós mesmos.
Nesse aspecto, também a ambivalência, antes de projetar escolhas maniqueístas, lembrando o poema de Cecília Meireles Ou isto ou Aquilo, passa a nos confrontar com zonas significativas que erigem um entre-lugar dentro das ordens constituídas – “Entre o sim e o não, talvez” de Caetano Veloso. Nessa mesma teia, o discurso, na perspectiva d’Os Estudos Culturais, enquanto explicitação de um modo, de uma ideia, de uma recusa, confere, simbolicamente, às coisas e pessoas um conteúdo que apela e ascende à categoria do simbólico eminentemente disposto em tudo quanto nos cerca, das roupas que utilizamos aos lugares que frequentamos, visto que, ainda que se veja muitas vezes como caricatura a compreensão do mundo como texto, devemos lembrar que constantemente lemos o outro – o homem e seus objetos - para nos colocarmos, empaticamente, em seu lugar, trazendo-o para junto de nós, ou para nos dispensarmos de sua companhia, revelando nossas afinidades eletivas. Não nos custa pensar, portanto, que a differance de Derrida também faz parte dessa nova perspectiva analítica dentro das ciências sociais porque põe em evidência aspectos significativos da sociologia, da antropologia, da filosofia e da lingüística, cerzindo suas fronteiras para que possamos sublinhar e considerar, histórica e contextualmente sob rasura, definições de gênero, classe, raça, cultura por exemplo, levando-as a figurar num catálogo que inventaria um modo diversificado de ver o mundo, avesso a binarismos de qualquer natureza; um modo de focar que pressupõe não apenas a força de um Poder maior, mas antes a amplitude de poderes que se refratam em micro ou macro hegemonias situadas, incorporadas ou recusadas diuturnamente.
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