quarta-feira, 30 de setembro de 2015

RESENHA DE A IDEOLOGIA COMO SISTEMA CULTURAL



Ivan Paulo Silveira Santos[1]
(ivanpaulo73@yahoo.com.br)

GEERTZ, Clifford. A ideologia como Sistema Cultural. In: A interpretação das culturas. 1.ª ed. 13.ª reimpr. Rio de Janeiro: LTC, 2008. pp. 107-34.


Segundo Clifford Geertz, há uma espécie de “senso comum” [grifo meu] na compreensão do significado da expressão Ideologia. Esse conceito, em geral, é entendido como uma série de ideias e princípios falsos. Eles são assim compreendidos, porque objetivam a elaboração ou afirmação de privilégios de grupo sobre uma massa de indivíduos. Em outras palavras, a Ideologia seria uma série de assertivas que buscam induzir a erro um conjunto social maior, para garantir os interesses de uma minoria. Essa compreensão não seria em si incorreta, mas incompleta. Afinal, a Ideologia pode sim servir à criação e manutenção de privilégios. Porém, segundo Geertz (2008, p. 107), não unicamente.

A expansão dos possíveis significados para Ideologia depende da compreensão da organização das sociedades. Elas estabelecem um conjunto de regras de convívio entre seus membros. Essas regras determinam o que é certo ou errado, apropriado ou não, enfim, o que é socialmente aceito ou não. A organização das sociedades cria todo um conjunto arbitrário de regras a serem obedecidas pelos seus respectivos membros. Segundo Geertz, esse tal conjunto de regras, que podemos chamar de cultura, nada mais é do que um arcabouço ideológico. Afinal, no que há uma instituição de princípios a serem seguidos, eles são um conjunto de ideias, para serem obedecidas e preservarem determinados interesses. Em um primeiro momento, pareceria a confirmação daquele sentido meio que “senso comum” da Ideologia. Porém, segundo Geertz, justamente o contrário. Ele leva em consideração a seguinte linha de pensamento: ainda que arbitrária, uma norma socialmente aceita representa a forma como aquela sociedade em particular resolveu ou organizou um determinado fato social concreto. Assim sendo, aquela conotação de indução de erro deve ser compreendida como uma forma particular, em que uma determinada sociedade deu a solução de um fato concreto. Por isso, entende Geertz (2008, p. 112) que as singulares culturas, na verdade, representam igualmente singulares ideologias. Elas não são um falseamento, mas uma forma de organização das sociedades.

A distinção entre o “senso comum” e demais sentidos da Ideologia caberia à exploração realizada pelas Ciências Sociais. Ou seja, na análise que a ciência faz de algum fato social concreto. No entanto, Geertz chama atenção ao fato de que ao fazê-lo, as Ciências Sociais podem ser também altamente ideológicas se “supersimplificar” (GEERTZ, 2008, p. 118) suas análises, reproduzindo emoções e preconceitos. Isso pode ocorrer por razões diversas. Em geral, a afirmação de que as Ciências Sociais é uma ciência jovem é razão mais assinalada. Essa característica não permitiria à ciência a “solidez institucional necessária” (GEERTZ, 2008, p. 108) às suas explorações analíticas. O ainda breve tempo de surgimento das Ciências Sociais é uma explicação? Sim. Porém, não completamente, já que a ciência dispõe de meios para evitar este aspecto mais ideológico de suas análises. No entanto, para que isso seja possível, é necessário que seus especialistas se armem de um arcabouço teórico-metodológico mais elaborado e sofisticado. Afinal, aquela “supersimplificação”, que reproduz emoções e preconceitos, ocorre por uma distorção ou incompetência nas análises. Constituir ferramentas de análise próprias – as teorias – que deem conta das regularidades da organização social é, portanto, o elemento chave para se evitar as assertivas mais ideologizadas por parte da ciência.

Entre o “senso comum” e a produção acadêmica, às vezes, a distância pode ser pequena. É o que se pode perceber na análise elaborada por Clifford Geertz em relação ao conceito Ideologia. Em geral, entendido como um conjunto negativo, já que sua própria proposição seria a indução dos indivíduos ao erro. No entanto, afirma o autor, em uma compreensão mais ampla, de certa maneira, somos cercados por distintas ideologias. Essa perspectiva ocorreria à proporção que estamos inseridos em algum coletivo social, que invariavelmente produz sua cultura, portanto, sua própria ideologia. Caberia às Ciências Sociais, em certa medida, separar o conceito do seu “senso comum”. Embora ela própria corra o risco de realizar um papel ideologizante, em razões diversas, por ser ciência recente. Fato a ser evitado através da constituição de teorias conceituais mais elaboradas.

[1] Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFS.

2 comentários:

Frank Marcon disse...

Ivan, Matheus, Diogo e Felipe obrigado pelas resenhas e pelas contribuições ao debate. Chego um pouco atrasado pelo excesso de atividades nestes dias. Percebi que vocês captaram bem a ideia, o grande lance do texto está sim neste paradoxo sobre a ideologia como tema e como exercício da ciência. Particularmente, gosto muito de duas entradas do autor sobre o tema, uma é que a reflexividade sobre o próprio campo da validade científica (enquanto ideologia) e a outra que é do indicativo de que é possível pensarmos sobre como ela mesma se constrói. A ciência como ato político? Se esta é um ato político, como é possível sê-la mediante os critérios de objetividade e universalidade, por exemplo? Ora, Geertz não está defendendo que esta seja uma tarefa fácil, mas apontando caminhos possíveis para compreendermos melhor o seu funcionamento. O principal deles, é que ele está sugerindo que devíamos trabalhar com os significados culturais, no sentido de que deveríamos buscar entender os símbolos e como ele simbolizam em diferentes situações. Ou seja, um trabalho científico deveria olhar mais para as simbologias das ações e dos discursos (não unicamente para os seus objetos sociais), inclusive, como reflexividade; olhando para a própria prática/discurso da sua ciência. Ou seja, se não é possível fugir ao paradoxo, podemos, pelo menos, compreender seu funcionamento e avançarmos. Ele defende que isto é possível a partir das teorias da linguagem, percebendo como o texto científico é carregado de ideologias, quando retoricamente faz apologias, utiliza metáforas, faz propostas e pressupõe objetividades. Ao mesmo tempo, um texto que busca ser científico, sendo reflexivo, opta pela compreensão de sua própria limitação e reconhece que está implicado pelo jogo dos signos a partir do qual está envolvido e se propõe agir. Se reconhecemos que o texto científico está implicado pela ideologia, reconhecemos que o resultado da análise científica também é um ato político, mas não por isto inválido. Poderíamos começar pelos nossos próprios campos de análise, como este se constitui? Como é trabalhado? Como se legitima? Quais os elementos retóricos que o sustentam?

Unknown disse...

Superinteressante o texto em questão.
A partir da reflexão de Geertz irei pensar na ideia de afastamento do pesquisador com o seu objeto no espaço acadêmico. Assim, foi compartilhado durante muito tempo o discurso de que o pesquisador precisava se encontrar em uma posição neutra e livre para não produzir uma ‘ciência afetada’ pelos condicionamentos ideológicos do pesquisador ou do grupo que o mesmo encontra envolvido. Deste modo, surgiram ao longo do tempo estratégias na academia para os pesquisadores afastar-se completamente de seus objetos o que poderíamos chamar de estratégias textuais como bem ressaltou Geertz. Isso influenciou na escrita dos pesquisadores que se apoiaram muito tempo em uma zona de conforto da linguagem acadêmica que se utilizava da terceira pessoal para dá o sentido simbólico de afastamento em suas pesquisas. ( não estou dizendo que os pesquisadores devam a partir de agora optar pela primeira pessoa em seus trabalhos, pois penso que essa não seja a solução adequada para driblar tal armadilha ). O que estou dizendo que alguns defensores se apropriaram de artifícios estilísticos para padronizar e dá sentido ao modo de se fazer ciência na academia, além disso, buscaram neutralizar a ideia de subjetividade carregada pelo pesquisador a partir dos modelos inventados que os mesmos compartilhavam. Surgindo dentro da academia diferentes escritas direcionadas a certas áreas. Nesse sentido, adentramos sobre a problemática da racionalidade a partir do pressuposto de compreender a argumentação em jogo e ainda, sem a probabilidade de se analisar e aceitar (ou rejeitar) as premissas que sustentem a dita argumentação da escrita acadêmica. Para finalizar é perceptível destacar nas pesquisas de Geertz a preocupação com a análise literária e a problematização textual. Deste modo, será que é possível pensar em uma ruptura entre ideologia e ciência? Se sim, quais os critérios estão sendo usados para definir tais posições? E que poder de convencimento os textos produz? Comungo com Geertz em pensar os símbolos em jogo dentro da sociedade observando que tipo de significados os mesmos ganham a partir do contexto que estão inseridos. Deste modo, a cultura é pensada por ele como texto socialmente elaborado a partir do exercício de compreensão cultural transmitindo para os outros e como contexto no qual os comportamentos adquirem inteligibilidade.