quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Identidades Teuto e Ítalo no Vale do Rio do Peixe e a Campanha Nacionalista do Estado Novo

Por Frank Marcon 

Este texto foi escrito originalmente como relatório final de pesquisa, oriundo de um projeto de pesquisa de iniciação científica, com o mesmo título, concluído em 1996, na Universidade do Oeste de Santa Catarina. Foi minha primeira experiência com pesquisa, naquela ocasião idealizada e orientada pelo Dr. José Carlos Radin, meu professor durante quatro anos da graduação do curso em História, no período em que vivi em Joaçaba/SC. Além de primeiro orientador no mundo das pesquisas, Radin se tornou um grande amigo e uma referência de carreira acadêmica, que concilia docência e pesquisa com profissionalismo, ética e zelo, no caso dele com larga trajetória dedicada ao tema sobre migração europeia na região sul do país. A provocação incitada por ele no projeto, me instigou a enveredar pelo tema da construção das identidades sociais, das relações tensionadas pelos preconceitos e pela produção de desigualdades étnico-raciais que se desdobraram, no meu caso, em muitas outras pesquisas não necessariamente sobre migrações. 

Retomo o relatório passados mais de vinte anos, por me sentir provocado a refletir sobre as motivações pela qual o fenômeno do conservadorismo nacionalista, expresso nos resultados eleitorais das eleições de 2018, tiveram maior reverberação e impacto no estado de Santa Catarina, principalmente nas cidades pequenas e médias[1] em que a presença de descentes de imigrantes é bastante significativa. Além disto, de lá para cá tem ficado cada vez mais evidente que nestas mesmas localidades avançaram as simpatias e a militância que tomou como símbolos as cores e insígnias oficiais do nacional como forma de fazer política. Junto a isto, se tornou comum e cada vez mais visível e amplificada a defesa de concepções conservadoras em torno de ideais individualistas e de propriedade privada, de valores familiares machistas, de moral cristã e de apego ao autoritarismo militar, não necessariamente enquanto instituição, mas enquanto modelo de disciplina, hierarquia e de ordem moral. 

Durante o Estado Novo, entre 1937 e 1945, o país passou por uma campanha nacionalista intensa, que foi direcionada principalmente para as populações das áreas de imigração. Embora, décadas antes, a imigração europeia para o Brasil tenha sido amplamente estimulada pelos sucessivos governos da união e dos estados e os imigrantes tenham sido vistos positivamente como solução civilizatória e modernizadora para o País, houve um momento em que se tratou o imigrante e seus descendentes como um problema nacional, até mesmo como uma ameaça à soberania. Se desde o século dezenove, a chegada de imigrantes aos milhares possibilitara a constituição de vários núcleos populacionais no interior das regiões sul e sudeste, assim como bairros com predomínio étnico em algumas cidades médias e grandes, o contexto dos anos trinta tensionou certo entendimento sobre a imigração, os imigrantes e seus descendentes no Brasil. A geopolítica global, com o advento da Segunda Guerra Mundial e a intensificação das ideologias nacionalistas pelo mundo também fizeram eco no Brasil e os imigrantes e descendentes foram considerados suspeitos de não aderirem ao compromisso e ao sentimento nacional idealizados como autênticos. 

O que parece bastante paradoxal é que eles se tornam contraditoriamente parte do projeto identitário civilizatório e modernizador (porque imigrantes europeus) e problema cívico-identitário (porque imigrantes europeus) em questão de poucos anos. Talvez isto diga muito a respeito dos efeitos destas experiências sob as famílias imigrantes na primeira metade do século vinte, principalmente nas regiões brasileiras em que se constituíram colônias de origem europeia. Incluir-se e ao mesmo tempo proteger-se, experimentar sua existência em um mundo distinto e a partir de outras tradições e ao mesmo tempo obter reconhecimento e a legitimidade institucional fora um desafio legal e moral para tais pessoas. Estas duas linhas estruturantes do paradoxo parecem ter possibilitado a convergência entre o conservadorismo como apego as tradições e a defesa da propriedade e da família, e o reconhecimento do autoritarismo do estado como ordenador, regulador e legitimador destas existências, mesmo quando impositivo ou violento contra eles próprios. Como se tornar brasileiro, mesmo que imigrante ou descendente, fosse algo que passasse a ser desejado por eles e fizesse parte da construção da legitimidade de estar aí. As campanhas nacionalistas tiveram algum êxito neste sentido. 

O texto original do relatório - cuja versão impressa foi depositada na Biblioteca da Unoesc – e que agora apresento aqui, passou por revisões gramaticais e de linguagem, embora eu tenha procurado reproduzir ao máximo a sua textualidade, como forma de manter o registro sobre um momento específico em que este foi escrito e também pela particularidade da capacidade analítica daquele momento iniciático. Ou seja, não retornei, aqui, as fontes e as análises, o que poderia ser bastante enriquecedor para compreensão do momento em que vivemos e sobre o fenômeno de adesão aos discursos nacionalistas na região, pois isto demandaria também um grande esforço por atualização bibliográfica, novas pesquisas documentais e novas entrevistas, que por muitas questões eu não teria condições de realizar agora. Embora existam várias pesquisas produzidas sobre o tema da campanha nacionalista dos anos 30/40, o objetivo de dar publicidade só agora aos resultados obtidos naquele momento é o de contribuir para provocar e animar outros/as pesquisadores a pensar nas relações e conexões daquele fenômeno com o momento político pelo qual passamos.  

Baixe o texto completo (Clique aqui)

[1] Em Santa Catarina, o candidato do PSL à presidência da república, Jair Messias Bolsonaro, atingiu uma das votações proporcionalmente mais expressivas entre os estados da federação com relação ao seu oponente no segundo turno, foram mais de 75% dos votos válidos; bem como, foi eleito governador pelo mesmo partido, o desconhecido Moisés, que por acaso também carrega nome bíblico e também é militar, embora o primeiro, tenha sido capitão do exército e o segundo seja oriundo do corpo de bombeiros. Sobre a proporcionalidade dos votos por estado ver: https://especiais.gazetadopovo.com.br/eleicoes/2018/resultados/mapa-eleitoral-de-presidente-por-estados-2turno/ Último acesso em 24/11/2020.

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