terça-feira, 27 de abril de 2021

Escola, Pandemia e Relações Étnico-Raciais

 

Fonte da imagem: https://medium.com/@gregoriogrisa/reorganiza


Adrielle da Silva Oliveira – Graduanda em Ciências Sociais/UFS

Bruno Edwin Santana Alves de Melo – Graduado em Ciências Sociais/UFS

Débora Rejane Viana Sobral – Mestranda em Antropologia/UFS

Gil Marcos do Santos Carvalho – Mestrando em Antropologia/UFS

Laise Maria da Silva -  Mestra em Sociologia/UFS

 

A autoestima do aluno implica diretamente no seu desempenho escolar, e um dos principais aliados da construção da autoestima é a representatividade que, mesmo nos dias de hoje, é exceção na grade escolar ainda eurocêntrica. Os negros e negras até hoje têm a escravidão como sua principal característica a ser ressaltada na academia, apesar de toda sua diversidade étnica, história e de resistência.

No ano de 1996 com intuito de reverter essa situação, a Constituição Federal institui a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB), nº 9.394/ 96, que validou juridicamente a importância das ações transdisciplinares, afim de resgatar a cultura popular e à valorização da pluralidade cultural. Contudo, não havia especificação do que seria essa pluralidade. Sendo, assim, a lacuna no ensino da cultura afro-brasileira continuava apesar da lei instituída.

Somente sete anos depois, em 9 de janeiro em 2003, entra em vigor a lei Nº 10.639, que tornou obrigatório que as instituições escolares no Brasil adequassem a grade curricular fazendo a complementação aos estudos sobre África. Sendo esse o primeiro passo para construção de uma memória positiva e que gradativamente possa ressignificar a imagem que a academia transmite sobre a participação do negro na história.

Após 18 anos da implantação da lei 10.639, o ensino de temas afro-brasileiros ainda sofrem uma grande desvalorização dentro das instituições de ensino, que apesar de ser obrigatório na grade curricular, ainda é encarado como algo opcional. De acordo com Moraes (2013) uma pesquisa realizada na prefeitura de São Paulo, no ano de 2013, mostra que “mais da metade das escolas trabalham o tema. Mas na maior parte dos casos, é geralmente iniciativa isolada de um professor que gosta do tema. E há o problema da descontinuidade. Se o professor deixa a escola, muitas vezes o assunto deixa de ser abordado. ” (MORAES, 2013).

Logo, apesar da criação da lei, percebeu-se que em São Paulo as discussões sobre as relações étnico raciais nas escolas muitas vezes não passam de ações pontuais, que surgiram como iniciativa de alguns professores e não como algo obrigatório em sua grade escolar.

 Tal realidade não difere muito do resto do Brasil, e reflete mais uma vez no quanto ainda estamos atrasados com relação aos debates sobre as relações étnico raciais no ambiente escolar. Tendo isto em vista, acredita-se que tais discussões tendem a se tornar ainda menos presentes durante a pandemia.

Em tempo de conter a propagação do coronavírus, depois de um ano pandêmico, os desafios de manter a educação viva e se adaptando a um mundo virtualizado e distanciado, esbarra no separatismo social.

Segundo Palhares (2020) uma pesquisa feita pelo IBGE mostra que entre os jovens de 14 a 29 anos que abandonaram a escola no Brasil, sem ter completado a educação básica, 71,7% são negros. De acordo com a pesquisa, o motivo da evasão dado pela maioria é a necessidade de trabalhar. Levando em consideração que a pesquisa realizada foi feita antes da pandemia, a tendência é que esse número cresça devido a necessidade de aulas remotas por conta do coronavírus e a falta de condições de muitos alunos acompanharem essa nova forma de ensino é ainda maior. Acarretando em um impacto significativo em estudantes negros e negras e afetando ainda mais o debate sobre relações étnico raciais nas escolas.

Pode-se observar que a escola herda da sociedade o racismo estrutural, e a partir do momento que a mesma trata as discussões étnico raciais como algo optativo, acaba contribuindo para os atrasos nessas discussões. Mesmo com a obrigatoriedade do ensino afro-brasileiro nas escolas, durante a pandemia ficou ainda pior sua implementação, devido a desistência de negros e negras e por muitas vezes a temática ser deixada de lado em detrimento aos demais assuntos.

A aplicação dos conteúdos referentes a história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas sempre foi feita de forma superficial e pontual, sem a transversalidade necessária para o enraizamento desses temas no currículo escolar e para uma compreensão efetiva das desigualdades e opressões raciais que marcam a história do país e o cotidiano dos alunos e alunas negros e negras.

Com a virtualização do ensino e a consequente redução dos conteúdos escolares, comprimidos para caber nas vídeo aulas, principalmente na rede pública, que passou por uma ainda maior uniformização dos materiais de ensino, a “temática afro brasileira” ficou ainda mais invisibilizada, insuficiente talvez seja a palavra certa, diante de um contexto de aumento exorbitante da vulnerabilidade das populações negras, e em que a reflexão sobre o racismo e as desigualdades geradas por ele, poderiam ser, mais do que nunca, um instrumento para compreender e lidar com a realidade.

Cresce a pobreza e também as correntes que mantém as populações negras nos grupos subalternizados. Longe da escola, devido aos altíssimos índices de evasão, e de sua história, o caminho para a construção da equidade social e racial vai ficando cada vez mais longo. Por isso, se torna mais urgente a aplicação efetiva da lei 10.639, e para isso faz-se necessário produções que se adaptem a essa nova realidade das escolas.

Diante desse cenário caótico é possível ver algumas alternativas para lutar contra mais esse entrave nas discussões sobre as relações étnico raciais no ambiente escolar. Uma alternativa que pode ser apontada é a iniciativa de projetos, como o do Grupo de Estudos e Pesquisas em Relações Étnico-Raciais, ErêYá, da Universidade Federal do Paraná, que produz e divulga materiais sobre a cultura afro em tempos de pandemia, e pode servir como referência para que professores trabalhem a temática em aulas remotas.

É claro que para obtermos um avanço e não regredimos ainda mais no debate étnico racial no ambiente escolar, é preciso encarar a temática como algo obrigatório e não optativo, fazendo com que mesmo em tempos de pandemia a discussão não seja ainda mais esquecida.

Referências

Moraes, Maurício. Ensino da cultura negra ainda sofre resistência nas escolas. BBC News/ Brasil, 2013. Disponível em:

<https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/11/131118_educacao_negro_mm>

Palhares, Isabela. Negros são 71,7% dos jovens que abandonam a escola no Brasil. Folha de São Paulo, 2020. Disponível em:

https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2020/06/negros-sao-717-dos-jovens-que-abandonam-a-escola-no-brasil.shtml

Grupo ErêYá - https://www.ufpr.br/portalufpr/noticias/grupo-de-estudos-de-relacoes-etnico-raciais-produz-conteudo-digital-como-alternativa-a-pandemia/

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB), nº 9.394/ 96 - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm

Lei Nº 10.639 - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm



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