Stuart Hall nasceu em Kingston em 3 de fevereiro de 1932 é um teórico cultural jamaicano que trabalha no Reino Unido.Ele contribuiu com obras chave para os estudos da cultura e dos meios de comunicação,assim como para o debate político.O trabalho de Hall é centrado principalmente nas questões de hegemonia e de estudos culturais , a partir de uma posição pós-gramsciana. Seus trabalhos – como os estudos sobre preconceito racial e mídia– são considerados muito influentes e fundadores dos contemporâneos estudos culturais. Embora menos conhecido na América Latina, Hall é muito respeitado na Europa e na América do Norte.
A identidade em questão
As velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como sujeito unificador. A assim chamada ‘’crise de identidade’’ é vista como parte de um processo mais amplo de mudança. É com essa afirmação que o autor inicia o livro.
No primeiro capítulo ele lida com mudanças nos conceitos de identidade. Parte de uma posição simpática à afirmação de que as identidades modernas estão sendo ‘’descentradas’’, isto é, deslocadas ou fragmentadas. Seu propósito é o de explorar esta afirmação, ver o que ela implica, qualificá-la e discutir quais podem ser suas prováveis conseqüências. Ao desenvolver o argumento, introduz certas complexidades e examina alguns aspectos contraditórios que a noção de ‘’descentração’’, em sua forma mais simplificada, desconsidera.
Este capítulo foi dividido em três partes, e vou falar um pouco sobre cada uma delas:
- Três concepções de identidade
- O caráter da mudança da modernidade tardia
- O que está em jogo na questão das identidades
Três concepções de identidade
- Sujeito do Iluminismo
- Sujeito sociológico
- Sujeito pós-moderno
O sujeito do Iluminismo estava baseado numa concepção da pessoa humana como um individuo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação, cujo ‘’centro’’ consistia num núcleo interior, que emergia pela primeira vez quando o sujeito nascia e com ele se desenvolvia, ainda que permanecendo essencialmente o mesmo.O centro essencial do eu era a identidade de uma pessoa.Essa era uma concepção ‘’individualista’’ do sujeito e de sua identidade ( na verdade, a identidade dele: já que o sujeito do Iluminismo era usualmente descrito como masculino).
A concepção sociológica clássica da questão, a identidade é formada na ‘’interação’’ entre o eu e a sociedade. O sujeito ainda tem um núcleo ou essência interior que é o ‘’eu real’’, mas este é formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos culturais ‘’exteriores’’ e as identidades que esses mundos oferecem. A identidade nessa concepção preenche o espaço entre o ‘’interior’’ e o ‘’exterior’’ – entre o mundo pessoal e o mundo público. A identidade então, ‘’sutura’’ o sujeito à estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e predizíveis. São exatamente essas coisas que agora estão ‘’mudando’’. O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado.
É através desse processo, que vem sendo produzido o sujeito pós-moderno, conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma ‘’celebração móvel’’: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall, 1987). É definida historicamente e não biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um ‘’eu’’ coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas.
As três concepções de sujeito citadas acima, são, em alguma medida,simplificações.Elas se prestam como pontos de apoio para desenvolver o argumento central do livro.
O caráter da mudança da modernidade tardia
Em essência, o argumento é que a mudança na modernidade tardia tem um caráter muito específico. Como Marx disse sobre a modernidade.
é o permanente revolucionar da produção,o abalar ininterrupto de todas as condições sociais, a incerteza e o movimento eternos...(Marx e Engels,1973,p.70)
As sociedades modernas são, por definição, sociedades de mudança constante, rápida e permanente. Esta é a principal distinção entre as sociedades ‘’tradicionais’’e as ‘’modernas’’.
Giddens cita, em particular, o ritmo e alcance da mudança – ‘’à medida em que áreas diferentes do globo são postas em interconexão umas com as outras,ondas de transformação social atingem virtualmente toda a superfície da terra’’- e a natureza das instituições modernas (Giddens,1990,p.6).Mais importantes são as transformações de tempo e do espaço e o que ele chama de ‘’desalojamento do sistema social’’ – a ‘’extração’’ das relações sociais dos contextos locais e de interação e sua reestruturação ao longo de escalas indefinidas de espaço-tempo’’(ibid.,p.21).
David Harvey fala da modernidade como implicando não apenas ‘’um rompimento impiedoso com toda e qualquer condição precedente’’,mas como ‘’caracterizada por um processo sem fim de rupturas e fragmentações internas no seu próprio interior’’(1989,p.12).
Ernest Laclau (1990) usa o conceito de ‘’deslocamento’’. Uma estrutura deslocada é aquele cujo centro é deslocado, não sendo substituído por outro, mas por ‘’uma pluralidade de centros de poder’’. As sociedades modernas, argumenta Laclau, não tem nenhum centro, nenhum princípio articulador ou organizador único e não se desenvolvem de acordo com o desdobramento de uma única ‘’causa’’ ou ‘’lei’’.
Giddens, Harvey e Laclau oferecem leituras um tanto diferentes da natureza da mudança do mundo pós moderno, mas suas ênfases na descontinuidade, na fragmentação, na ruptura e no deslocamento contêm uma linha comum.
O que está em jogo na questão das identidades
As identidades quando contraditórias, elas se cruzam ou se ‘’deslocam’’ mutuamente. Nenhuma identidade singular, por exemplo, de classe social, pode alinhar todas as diferentes identidades com uma ‘’identidade mestra’’única, abrangente, na qual possa, de forma segura, basear uma política. As pessoas não identificam mais seus interesses sociais exclusivamente em termos de classe; a classe não pode servir como um dispositivo discursivo ou uma categoria mobilizadora através da qual todos os variados interesses e todas as variadas identidades das pessoas possam ser reconciliadas e representadas. De forma crescente, as paisagens políticas do mundo moderno são fraturadas dessa forma por identificações rivais e deslocantes.
Uma vez que a identidade muda de acordo com a forma como o sujeito é interpelado ou representado, a identificação não é automática, mas pode ser ganha ou perdida. Ela tornou-se politizada. Esse processo é, às vezes, descrito como constituindo uma mudança de uma política de identidade (de classe) para uma política de diferença.
[Hall,Stuart. A identidade Cultural na Pós-modernidade.Tradução: DP &A. Editora,2006.]
[Flávia Amanda]
12 comentários:
Eu gostaria de compreender um pouco mais o conceito de Giddens de sociedade tradicional e sociedade moderna. Alguém "saca" de identidade em Giddens e pode me esclarecer a seguinte questão?
"Se um grupo urbano moderno mantém relações sociais em torno de uma prática que se encaixa na descrição de Giddens de uma sociedade tradicional (valorização da tradição, por exemplo) como explicamos a coexistência de duas características distintas (tradicional e moderna) na construção identitária desse grupo a partir de Giddens? Poderiam existir resquícios da sociedade tradicional no seio da moderna (na construção dos discursos identitários, por exemplo)? Muito agradecido. Felipe.
Gostei muito da apresentação. Acho interessante como atualmente essas questões da identidade na modernidade (pós-modernidade) são trabalhadas, ou como são atualizados os conceitos, principalmente, quando se refere que as identidades estão descentralizadas, e aí podemos usar conceitos como o de identificação, identidade cultural, além de representação, estilos de vida e por aí vai. Na verdade, ainda fico meio confuso com tais conceitos. Sei que eles são complexos. Mas espero aprender mais com as nossas leituras e discussões via net.
O caráter de constante mudança e descentramento na modernidade, como foi exposto, é patente.
Interessante também é notar que algumas sociedades, como as sociedades indígenas no Brasil, por exemplo, resistem a este descentramento identitário, revigorarando suas características culturais particulares, por meio de uma tentativa de ajustamento entre as suas instituições tradicionais e as instituições modernas.
Até breve!
Diogo Monteiro.
Minha grande expectativa com este texto do Stuart Hall, é esta reflexão/caracterização sobre como a noção de identidade ganhou certa compreensão hegemonica em certos momentos. Isto é mais fruto de uma maneira de conceituar-se e operar-se com o termo em dados momentos, do que propriamente recusar a idéia de que os processos de identificação sempre viveram nesta ambivalência e fluidez entre a fixação e o descentramento. Falar em identidades descentradas hoje, não significa evidenciarmos a coexistência de modelos de identidade fixadores. Assim como, falar em identidades fixas no século XVIII, não significa dizer que não havia processos de identificação descentrados. O que vivemos hoje, talvez seja, primeiro, uma postura legitimada pelo "olhar antroposociológico" e "político" sobre tais descentramentos. Segundo, a forte emergência da ação social caracterizada por um repertório de possibilidades políticas de identificação. Afinal trabalhamos a noção de identidade como uma categoria de análise e ao mesmo tempo, quando ela se faz na prática social, como categoria nativa. Sendo assim, será que vivemos um tempo marcado pela existência política das identidades e ao mesmo tempo que um tempo "de" política de identidades? Talvez sejam muitas questões, mas duas me parece certas, primeiro a cetegoria identidade não dá conta de pensarmos toda e qualquer questão, principalmente sozinha, segundo, estamos de alguma forma implicados por ela, principalmente pela evidência com que os grupos sociais se fazem ocupar politicamente de tais formatos de reconhecimento e são reconhecidos publicamente desta forma. Processo de identificação, etnicidade, alteridade, diferença, fronteiras, conflitos, cultura, estilo de vida, "cena", são apenas algumas possibilidades de mergulharmos no neste debate de modo mais apurado.
Pois é Frank, qualquer grupo social que pensamos em estudar, a questão da identidade sempre aparece. Mas o tal reconhecimento, importante entre eles enquanto grupo, torna-se também importante pelas pessoas que veêm esse grupo de fora dele? Como se dá essa questão? São coisas distintas ou podem ser relacionados?
A uns anos atrás entrevistei um grupo de profissionais (homens) que achavm que sua profissão estava em extinção: os barebeiros. Depois das entrevistas notei que eles passavam por uma crise profissional que se inciou na década de 1970 com a introdução das mulheres e de outro grupo profissional (os cabeleireiros) nesse mercado de trabalho. Alguns desses barbeiros que entrevistei passam a ver a atuação feminina e de gays nessa área de saude e beleza com preconceito. Outros se desidentificam-se, se intitulando como cabeleireiros e não mais como barbeiros, embora continuem atuando profissionalmente como tal, com clientela principalmente masculina.
Eu relacionei, na época, a atitude desses profissionais com um dos fatores do descentramento de que fala Stuart Hall, ao impacto o feminismo na segunda metado do sec XX. Isto porque envolve também uma dimensão política: busca por clientes, onde o bom profissional deixa de ser aquele que possui experiência para ser aquele que possui certificados.
Não sei se me fiz entender, mas acho que este é um bom exemplo das transformações sociais que interferem na questão da identidade. O profissional é um bom barbeiro, mas se identifica como cabeleireiro para continuar subsistindo.
Oi Tânia. Talvez esteja aí uma polêmica interessante. A identidade é para quem? Para o grupo ou para os de fora do grupo? Me parece que ela só é acionada e faz sentido se "o grupo" se faz grupo perante outros. Se isto realmente é força e motor da análise social sobre identidades, significa que está é uma categoria que só pode colocar em questão quando há uma relação. A identificação e a diferença ocorreriam em meio a ela. Se retomamos Hall, percebemos que o marxismo e a psicanálise são o fundamento teórico, isto significa, em termos de grupos sociais, pensarmos na contradição e conflito entre os grupos e na perspectiva do indivíduo, a psicanálise no sentido de construção do self na presença do reconhecimento da diferença. O "espelho" e o "pai" em Lacan. Me parece que só faz sentido pensarmos nas narrativas do self ou do nós se estivermos atentos aos elementos que destacam a alteridade. Muitas vezes eles são constitutivos não só das retóricas, mas também das práticas. Poderíamos neste caso, também dizer que assim como mito, implica rito e vice-versa. Retóricas de identidade implicam práticas e vice-versa.
Gostei muito do texto, pois coloca de forma clara a questão da identidade como decorrente da tranformação social que estamos sempre passando, e que apesar de "construída", ela está sempre formulada pelos nossos próprios conceitos, valores, etc.Ao conceito de Identidade soma-se uma série de fatores, como: raça classe social,processo de conscientização política, entre outros. Ela é sempre um processo de interação do indivíduo com a sociedade, e de modo particular, na nossa sociedade atual, a "globalização" nos coloca a uma sociedade evolutiva e de caráter sempre mutável.
Acredito que esse texto foi importante para salientar que a identidade não é fixa e que o mesmo grupo identitário pode estar inserido em vários outros grupos, através de diferentes redes sociais. Talvez isso esteja mais nítido hoje devido à variedade de redes sociais existentes.
Quanto ao discurso identitário, talvez um único grupo possua várias identidades. Uma delas seria a forma que as pessoas vêem o grupo, outra como o próprio grupo se vê.
Gosto particularmente desse texto de Hall e das discussões em torno dele, bem como de todo o livro porque tem me ajudado bastante a pensar a questão das identidades e fazer reflexões dentro de meu campo de pesquisa que são as "denominadas" religiões afro-brasileiras.Trago aqui portanto como contribuição uma reflexão no que tange a questão das identidades sobre as ambiguidades vivenciadas pelo conjunto dessas religiões que mais atualmente sendo chamadas de "matriz africana", num esforço de homogenização e fortalecimento de uma identidade coletiva e reivindicatória, se deparam com a sua individualização e heterogeneidade como marca de seu expansionismo, universalismo e adequação às características da contemporaneidade. Como pensar sobre essas ambiguidades dentro da perspectiva de construção de identidades, levando-se em conta o próprio mercado religioso,os discursos e as relações de poder dentro e fora desse campo religioso?! Não sei se me fiz entender... Saudações!
Martha.
Gostei muito do texto.Ele me ajudou a compreender mais sobre essa questão da identidade numa sociedade moderna e pós-moderna, pois entendi que essa identidade individual é formada por particularidades de cada um como conceitos e valores mas, que está constantemente em construção devido a está ligada a sociedade e as transformações políticas, sociais e culturais nas quais ela sempre está passando
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