FEATHERSTONE, MIKE; SIMÕES, Julio Assis (Trad.). Cultura de consumo e pós modernismo. São Paulo: Studio Nobel, 1995, capítulos I e II.
Mike Featherstone é professor de Sociologia e Comunicação pela Universidade de Nottingham Trent (Inglaterra) e editor do jornal Teoria, Cultura e Sociedade. É autor de vários livros que versam, principalmente, sobre os tópicos Globalização, Identidade, Pós- modernismo e Cultura de Consumo.
A respeito dos dois últimos temas mencionados, Featherstone (1995) escreveu uma de suas mais importantes obras intitulada Cultura de consumo e pós modernismo. Este livro organizado em nove capítulos (Moderno e pós moderno: definições e interpretações; Teorias da cultura de consumo; Por uma sociologia pós moderna; Mudança cultural e prática social; Estetização da vida cotidiana; Estilos de vida e cultura de consumo; Cultura de cidades e estilos de vida pós moderno; Cultura de consumo e desordem global; Cultura comum ou culturas comuns?) reúne ensaios, artigos e textos apresentados em conferências e seminários, escritos na década de 80, um período que segundo o autor marca o aumento do interesse de se teorizar a cultura, o que seria resultado da “onda” do pós-modernismo.
Seu livro não tem, contudo, a intenção de explicar o que é o pós- modernismo. Featherstone busca refletir a respeito dos motivos que levaram as ciências humanas de modo geral a se interessarem por tal assunto. Seu objetivo é entender como o pós- modernismo surgiu e como se transformou em uma imagem cultural tão influente e poderosa.
Nos capítulos que tratam sobre o pós- modernismo, o autor busca investigar como o sentido desse termo tem sido relacionado as mudanças culturais ocorridas nas experiências e práticas do cotidiano consideradas modernas. Também faz parte de sua proposta analisar os fenômenos associados ao uso dessa terminologia e apresentar questões a respeito da produção, transmissão e disseminação do conhecimento e da cultura.
Essa resenha dá atenção especial ao primeiro e segundo capítulos do livro. Neles, Featherstone apresenta os posicionamentos teóricos de autores das Ciências Sociais, no que se refere as definições do termo pós- moderno e as perspectivas vigentes a respeito da cultura de consumo. Tais capítulos situam a sua abordagem: entender as associações feitas entre cultura de consumo e pós- modernismo, traçadas por autores que trabalharam com ambos os temas, tais como Bell, Bauman e Baudrillard.
Segundo o próprio Featherstone seu interesse em pesquisar a cultura de consumo surgiu sob influência da escola de Frankfurt e da Teoria Critica, uma vez que suas conjeturas a respeito da indústria cultural davam atenção ao consumo e os processos de massificação cultural e não apenas aos modos de produção. Os escritos da Teoria Critica focalizavam o papel da mídia e da publicidade e os efeitos destas na formação de identidades e nas práticas do cotidiano.
Apesar de haverem muitas críticas a essa corrente de pensamento, sobretudo, por conta de sua perspectiva elitista, críticas estas que partiram principalmente de pós- modernistas, alguns pontos não chegaram a ser de fato superados. Featherstone está preocupado em entender a questão reflexiva que o estudo da cultura e do consumo apresenta: “como e por que escolhemos um quadro de referência e uma perspectiva de avaliação específicos? Como é que o estudo do consumo e da cultura – temas até recentemente designados como secundários, periféricos e femininos em oposição a centralidade atribuída a esfera de produção e a economia, mais masculinas – conquistou um lugar mais importante na análise das relações sociais e das representações culturais?” (FEATHERSTONE, 1995; pp.10)
Segundo o autor, compreender as relações negativas e positivas a respeito da cultura popular, de massa e de consumo e a relação desses posicionamentos e o pós- modernismo implica, antes de mais nada, em estar a par do que foi e tem sido escrito a respeito do mesmo (pós-modernismo). O termo moderno e suas derivações são definidos e interpretados no campo intelectual, acadêmico e artístico – música, artes, literatura, antropologia, sociologia, arquitetura, entre outros – de diferentes maneiras, que acabam se cruzando em algum momento. Reconhecendo a dificuldade de defini-los, o primeiro capítulo do livro sintetiza as idéias desenvolvidas por alguns autores dos campos mencionados, a respeito desse tema, o que é feito a partir das contraposições: modernidade/ pós- modernidade; modernização/ pós-modernização; modernismo/ pós- modernismo.
A palavra modernidade é comumente usada para indicar um conjunto especifico de características, refere-se a uma contraposição a ordem tradicional que segundo alguns autores da sociologia resultam em racionalização e diferenciação do mundo social. Enquanto que pós- modernidade é usada para indicar a transição de uma época para outra, interrupção da modernidade ou simplesmente uma mudança. No campo acadêmico e intelectual, segundo alguns críticos, representa uma estratégia para a modificação de antigas metodologias.
O modernismo, usado para abarcar as diferentes formas de cultura associadas ao processo de modernização, possui um sentido mais restrito, ligado em geral a estilos artísticos advindos da virada do século XIX. Tem como características básicas a reflexividade, autonomia, ênfase no sujeito desestruturado e desumanizado. O pós- modernismo é tomado, por sua vez, como o aprofundamento de uma tendência oposta ao modernismo, ou como uma lógica cultural.
Para a Sociologia, a modernização significa os efeitos do desenvolvimento econômico sobre as estruturas sociais e valores, ou uma etapa do desenvolvimento social em decorrência da industrialização. A pós- modernização aparece em alguns autores como uma ideologia e um conjunto de práticas que tem efeitos no espaço.
Após a exposição desse diferentes posicionamentos e interpretações Featherstone conclui que não existe um consenso a respeito do uso que se faz do termo pós-moderno e seus derivados. O que é certo é que seus significados que se misturam de maneira confusa, mas nos leva a pensar a respeito das mudanças ocorridas na cultura contemporânea com reflexo nos campos artístico, intelectual e acadêmico. Os debates atuais põem a cultura e as práticas cotidianas no centro das discussões e os pós- modernos são os que se interessam especialmente por essa discussão.
Na sequência o autor apresenta-nos três perspectivas da cultura de consumo. A primeira afirma que a cultura de consumo tem como premissa a expansão e produção de mercadorias que levam, conseqüentemente, ao acúmulo de cultura material. Segundo esse posicionamento a cultura depende das lógicas impostas pelo mercado.
Na segunda, as mercadorias são uma espécie de demarcadores das relações sociais. Aqui as formas de consumo constroem relações, ou seja, quando um produto é consumido de maneira semelhante tende a derrubar as fronteiras sociais, quando consumido de maneira diferente gera barreiras. Além disso, um mesmo produto trás dimensões simbólicas distintas, por exemplo, para uns o vinho serve apenas como bebida, para outros, terem uma garrafa específica na coleção é também uma maneira de consumir. Vários autores se mostram simpáticos a esse posicionamento. A terceira e última perspectiva apresenta o consumo como meio de satisfação de prazeres pessoais e realização de sonhos.
Featherstone encerra esse capítulo argumentando que o consumo não é apenas um derivado da produção e que por tal motivo, a sociologia deveria analisá-lo além da proposta herdada pela teoria da cultura de massas, que o coloca como algo negativo. Na cultura de consumo tanto persiste a economia de prestígio que classifica o status de seu portador, quanto há o uso imagens, signos e bens simbólicos que são geradores de sonhos e desejos.
Tomar o pós- modernismo como orientação serviu como uma maneira de demonstrar o lugar que este ocupa nas transformações que acontecem na esfera cultural. Featherstone acredita que independentemente do rumo histórico que este (o pós- modernismo) possa tomar os seus movimentos terão reflexos diretos na problematização das organizações culturais cotidianas.
By Daniela Moura Bezerra
3 comentários:
Muitas vezes vista como uma Ideologia, ou mito, a teoria da
sociedade “pós-moderna” se propõem abordar todas as mudanças em
curso, sejam elas culturais, políticas ou econômicas. Talvez seja por
conta desta característica, o Ecletismo, que autores como Kumar
(1997), se referem ao pós-modernismo como mito. Na obra Da sociedade
pós-industrial a pós-moderna, assim como faz Mike Featherstone, Kumar
traça um panorama da transição de uma teoria pós-industrial, ou
pós-fordista, sobretudo de base marxista, fruto das transformações
econômicas e sócio-culturais estimuladas, e/ou, aceleradas pela
primeira e segunda revolução industrial, promovidas na descoberta de
novas fontes de energia, consecutivamente: vapor e eletricidade; para
as teorias pós-modernas, que tentam refletir as transformações, também
econômicas e sócio-culturais, estimuladas pelo o que é chamado pelo
autor de III Revolução Industrial. Esta não mais com base na
descoberta de novas fontes de energia, como nas duas anteriores, mas,
na informação, onde o computador, sobretudo o “mundo Web” é o “símbolo
principal/motor analítico” da transição de uma sociedade produtora de
bens (industrial, moderna), para a Sociedade de Informação. Hoje
produzimos informação em escala global, de forma semelhante “como
produzimos carros em massa”. Esse conhecimento (tecnologia da
informação), segundo Kumar, tem sido a força propulsora da economia.
Mas, quais as conseqüências, no âmbito da produção teórica sobre o
moderno, desta acusação de se estar, em muitos casos, produzindo
ideologias, ou mitos, sobre o “pós-moderno”? Estamos em tempo de uma
revolução cientifica nas ciências sociais, na perspectiva de Thomas
Kuhn? Qual a emergência, a titulo de superação do dilema proposto, de
um esforço coletivos de demarcação entre teoria e ideologia? Será que
a teoria pós-moderna passa pelo mesmo processo de maturação e
delimitação “em busca de um objeto teórico especifico” (Castells, Problema de investigação em sociologia urbana 1984), assim como a Sociologia Urbana, acusada muitas vezes de
ideológica e sem um objeto científico claro?
Apesar da proposta deste texto do Featherstone passar muito pela provocação sobre uma teoria do consumo, me sinto provocado por esta contextualização feita por Williams e Dani sobre o debate relacionado a contextualização ou conceituação do pós-moderno. Eu percebo que este debate sempre foi fértil para repensarmos algumas questões à contrapelo com relação às percepções carregadas de valores da modernos, principalmente nas Ciências Humanas e Sociais fruto da própria modernidade. No entanto, acho que como podemos depreender que, no geral, o debate contribuiu em várias esferas para percebermos o esgotamento de diferentes formas de convívios e de se estar no mundo, assim como diferentes modos de organização política, de comunicação de ação e de representação. Isto também tem relação com a forma que fazemos e comunicamos no nosso meio acadêmico. Além de se esgotarem formas de existências sociais também se esgotaram os modelos analíticos ditos modernos. Isto não quer dizer que ambos desapareceram, mas que eles não máis conta de responder as questões postas pela vida social contemporânea. Se a isto chamam de pós-moderno, modernidade tardia, pós-colonialismo, ou pós-estruturalismo, descontrutivismo ou globalismo, talvez ainda não seja consensual, mas para nós interessa reconhecer que algo mudou na sociedade e na ciência, e este cenário já está posto há pelo menos 20 anos. De qualquer modo, ainda encontramos nas análises tipo a do Featherstone (dos anos 90), mais do que uma preocupação com a definição dos termos, o incômodo necessário para colocarmos outras formas de análise em evidência, abrindo outros hoizontes e possibilidades de percepção sobre a sociedade contemporânea, mas também sobre as que a predecederam: cultura de consumo, consumo cultural, estilos de vida e processos de identificação e diferenças são temas que fazem parte de uma ampla agenda nas ciências sociais que se renova a todo momento em diferentes cenários, não mais com o agenciamento de uma centralidade euro-americana, mas indiana, sul-africana, brasileira, chilena, etc. "Nenhuma sociedade é pós-moderna da mesma forma, apesar vivermos um momento de circuitos e movimentos globais". E o debate sobre cultura de consumo?
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