Foto: Cristina Conti |
Por Eliseu Ramos dos Santos
O autor Walter Mignolo nasceu na
década de 1940 em Buenos Aires, e é professor de literatura na Universidade de
Duke, Estados Unidos. Contemporâneo de Aníbal Quijano, Mignolo se aproximou dos
estudos decoloniais através de seminários na universidade que lecionava e do
contato com autores desta vertente, diálogos que o ajudaram a ressignificar
seus estudos em semiologia. O livro em questão é o ponto de contato mais
evidente do autor com as teorias decoloniais, uma releitura das perspectivas
epistemológicas ocidentais que leva em conta o processo de colonização do
hemisfério Sul e suas consequências na produção de narrativas históricas e de
conhecimentos universalizantes.
Ao dialogar com o campo de
estudos decoloniais, Mignolo vislumbra a possibilidade de reflexão de que o
conhecimento e compreensão acadêmica sejam enriquecidos por uma relação direta
com aqueles que vivem e refletem a partir dos legados coloniais e pós-coloniais
(p. 25). Ou seja, a interseção entre a epistemologia colonialmente estabelecida
e as novas formas de conhecimento subalternizados geram pontos de tensão
passíveis de investigação científica.
Minha intenção
[...] é transportar os saberes subjugados até os limites da diferença colonial
onde os saberes subjugados se tornam subalternos na estrutura da colonialidade
do poder. E concebo os saberes subjugados em pé de igualdade com o
ocidentalismo como o imaginário dominante do sistema mundial colonial/moderno
(p. 45).
Pensando nisso, o autor se
utiliza do que ele chama de semiose colonial a fim de tratar desses conflitos
entre dois núcleos de histórias e saberes locais, um reagindo no sentido de
avançar para um projeto global unificado e planejado para se impor, e o outro
visando valorizar narrativas e conhecimentos autóctones, forçados a se acomodar
a essas novas realidades. Configura-se então, a tentativa de Mignolo em
reconfigurar linhas de diálogo, correlacionando o “universalismo abstrato” da
epistemologia moderna e da história mundial com uma totalidade alternativa
distribuída numa rede de histórias locais e múltiplas hegemonias locais (p.
48).
Essa iniciativa de
reposicionamento do imaginário do sistema moderno/colonial (que é arraigada
pela colonialidade do poder e diferença colonial), esboça o esforço para uma
descolonização epistêmica baseada em novos locus de enunciação gerados na
produção de saberes subalternos no embate com formas de saberes hegemônicos.
Esse embate produz uma outra forma de epistemologia, ou um pensamento liminar,
que atua nos limites das histórias locais e borram as fronteiras da geopolítica
do conhecimento.
A meu ver, a principal
contribuição de Mignolo com esta obra é a de repensar o processo de produção e
transmissão de conhecimento nos países colonizados a partir do questionamento
sobre a subalternização dos saberes locais nessa região. O autor identifica que
esse processo está sendo radicalmente transformado por novas formas de
conhecimentos para as quais o que foi subalternizado e considerado apenas como
“objeto de estudo”, e secundarizado no cotidiano, passa a ser articulado como
novos locus de enunciação, em contraponto com o paradigma epistemológico
imperial/colonial, que englobava somente uma concepção de conhecimento
eurocêntrica e unificadora, construída e difundida nas modernidades coloniais.
Essa obra se mostra como uma
grande impulsionadora da descolonização intelectual, e incentiva ao leitor
reflexões voltadas para a desconstrução de universalismos que pareciam
“inquestionáveis”, mas que na verdade se revelam impostos historicamente,
passíveis de reinterpretações. É um exercício de reposicionamento no mundo, de
contestação do conhecimento moderno em favor de um olhar mais crítico às formas
de apreensão do mundo e das consequências estruturais do colonialismo.
MIGNOLO, Walter. Histórias Locais
/ Projetos Globais: Colonialidade, Saberes Subalternos e Pensamento Liminar.
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
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