quarta-feira, 1 de abril de 2020

Políticas Públicas e Juventudes: uma proposta de debate sobre processo de formação, direitos e participação social[1]


Foto: Frank Marcon


João Victor Pinto
Adrielle da Silva de Oliveira
Letícia Oliveira F. Galvão



O estudo do processo de produção de políticas públicas[2] é um desafio, pelo fato de envolver diversos fatores e agentes (em um conjunto complexo de elementos: atores, suas preferências, interesses e características do contexto institucional). Entretanto, partindo da premissa de que as ciências sociais não devem se limitar à análise de avaliação de impacto das políticas públicas, é necessário propor um debate sobre o processo de formação, os direitos e a participação social nas políticas públicas.

Sendo assim, para além de conceituar as políticas públicas (ou aplicar abordagens teóricas para avaliar impactos sociais) e de examinar o envolvimento do processo de cidadania dos agentes, é importante compreender como ocorre a relação entre políticas públicas e outras áreas do conhecimento, como é o caso da dimensão dos direitos, bem como a relação da participação social nos processos de operacionalização de tais políticas.

Em relação à discussão teórica sobre o tema, nota-se que até os anos de 1970 o modelo de ciclo de políticas públicas – dividido em seis etapas: a) identificação de problemas; b) formação de agenda de governo; c) especificação de alternativas; d) decisão política; e) implementação; f) avaliação; – predominou nas Ciências Sociais, mais especificamente na Ciência Política (SECCHI, 2010). Após esse período, alguns modelos teóricos específicos para a análise de políticas públicas foram sendo adotados, principalmente no Brasil, como por exemplo: modelo de múltiplos fluxos[3] (John Kingdon), modelo das coalizões de defesa (Sabatier e Jenkins-Smith) e modelo de equilíbrio pontuado (Baumgartner e Jones) (CAPELLA, BRASIL e SOARES, 2014, p. 5).

O modelo de múltiplos fluxos (multiple streams model) foi elaborado por John W. Kingdon, em 1984, para a análise da formulação de políticas públicas. Kingdon examinou o processo de agenda-setting nas políticas de saúde e transporte no governo norteamericano. O modelo procura explicar o porquê algumas questões despertam a atenção dos tomadores de decisão, chegando à agenda, enquanto outras são negligenciadas. Por que alguns problemas entram na agenda política e outros não? Como se tornam prioridades?

Basicamente, a resposta, para este modelo, se encontra por meio da análise dos seguintes fluxos: a) Problemas sociais (como por exemplo: através de indicadores; mortalidade infantil, fome, faixa etária, etc); b) Alternativas; c) Soluções (que são ideias vistas como viáveis); d) Cenário político (“humor” nacional em relação a um tema que está em pauta na sociedade; forças políticas organizadas; mudança de governo). (KINGDON, 2014). Nesse sentido, o ingresso de uma questão na agenda acontece quando esses fluxos (problemas, alternativas, soluções e contexto político) se convergem, ou seja, quando um problema é definido, uma solução social passa a ser viável e disponível em um momento político favorável à demanda (CAPELLA; BRASIL; SOARES, 2014). Essa agenda de governo, portanto, pode ser entendida como uma lista de assuntos que são (ou estão) sendo considerados como importantes pelo poder público, como uma espécie de “janela de oportunidade” (KINGDON, 2014). Nesse sentido se torna fundamental a presença de um “empreendedor de políticas públicas” capaz de aproveitar o breve momento de oportunidade de mudança social.

Por sua vez, o modelo teórico de coalizão de defesa (Advocacy Coalition Framework), desenvolvido por Sabatier e Jenkins-Smith, foi proposto com o objetivo de analisar as políticas públicas sem isolar uma fase específica do ciclo. Nesta perspectiva, estes autores refutam a ideia de ciclo de políticas e tentam explicar o complexo processo de produção de políticas públicas em sua integralidade.

Já o modelo do equilíbrio pontuado, desenvolvido por Baumgartner e Jones, visa tentar explicar a existência tanto de momentos de estabilidade e mudança incremental, como também a existência de momentos de rápida e profunda mudança, visto que os processos políticos são muitas vezes guiados por uma lógica de estabilidade e incrementalismo. Outra grande contribuição deste modelo para os estudos do processo de produção de políticas é a noção de subsistemas políticos e a importância da construção de uma imagem (policy image) sobre determinada decisão ou política pública, fortemente influenciada por valores e instituições.

Acontece que, para além de considerar a teorização sobre políticas públicas no tocante a viabilidade (ou não) de sua análise através de ciclos, é essencial problematizar, por meio de discussões sobre processo de formação destas políticas públicas. Ou seja, como a política pública, em sentido amplo, vem sendo pensada? Quem manda e quem conduz uma agenda da política pública que visa a redução de desigualdade (por exemplo)? Em torno destes questionamentos, a disputa de/por/pelo poder em relação à agenda parece ser justamente a discussão que ainda carece de aprofundamento, na medida em que temas como: cidadania (CARVALHO, 2002), direitos (COUTINHO, 2010) e participação social conquistam maior interconexão com as políticas públicas, pelo fato dos efeitos de movimentos sociais na produção de políticas públicas, a discussão sobre espaço público e opinião pública (CEFAÏ, 2017) e a consequente participação de sujeitos (como por exemplo: os jovens) como protagonistas na esfera pública (GOHN, 2018), através da atuação sociopolítica e cultural em coletivos, movimentos sociais ou órgãos públicos como os Conselhos (CARLOS, DOWBOR e ALBUQUERQUE, 2017) conquistam evidência no debate das políticas públicas.

Assim, compreender que a agenda política de governo para elaboração e execução de políticas públicas passa a ser pautada por uma organização coletiva não parece ser um equívoco, entretanto é necessário dimensionar que há uma ilusão, em sentido teórico e prático, de que as políticas públicas são estruturadas basicamente pelos conselhos, por exemplo.[4] Outra questão que indica maior necessidade de reflexão é a preocupação com a omissão e negligência estatal em relação às demandas dos conselhos e, como consequência, a existência de um processo estrutural de desmonte de suas estruturas. Nesse aspecto, parece ser pertinente fomentar uma análise sobre a efetividade dos ciclos governamentais destas políticas públicas. Afinal, o que acontece durante o período de crescimento de uma política pública em relação à eficaz solução dos problemas sociais? Será que existem problemas sociais tão estruturantes que não tem como serem resolvidos, ou será que os ciclos destas políticas não conseguiram ser completados? Nessa toada, Carrano e Sposito (2003), por exemplo, demonstram que as políticas públicas de juventude estavam sendo implementadas desde o final da década de 90 do Século XX, mas é perceptível que algumas políticas específicas não conseguiram conquistar uma dimensão eficaz por não alcançarem a universalidade de direitos dos sujeitos em questão. Também é percebido um embate entre a elaboração de políticas públicas e noções normativas acerca do que é ser jovem. A sociedade civil, para os autores, comporta pontos de vista contrastantes sobre esse estágio da vida; as representações normativas sobre a juventude e o formato das relações entre o Estado e a sociedade não seriam necessariamente complementares.

No tocante à relação com o Direito[5], para além do embate entre as noções normativas fornecidas pelo aparato institucional, é importante compreender a perspectiva funcional do direito em relação às políticas públicas, assim como desdobrar as políticas públicas num emaranhado de normas, processos e arranjos institucionais que são mediados pelo direito, ou seja, é crucial entender o direito enquanto: objetivo a ser alcançado pela política pública; arranjo institucional de políticas públicas; ferramenta de políticas públicas e, por fim, vocalizador de demandas e indutor de mecanismos sociais (COUTINHO, 2013; 2010).

Portanto, alguns desafios parecerem estar presentes com maior ênfase quando pensamos em políticas públicas, como por exemplo: a universalidade; a compreensão da pluralidade dos sujeitos beneficiários das políticas públicas; as dimensões territoriais de concretização das políticas públicas, haja vista que a maioria ainda se restringe ao âmbito urbano, por exemplo; e o acesso às políticas públicas. Neste sentido, é fundamental considerar a questão da participação, do direcionamento e da representatividade dos jovens no debate sobre as demandas destas políticas, além da transversalidade da presença das juventudes na sociedade e o caráter interseccionado dos jovens como sujeitos sociais de múltiplas demandas.

REFERÊNCIAS
AVRITZER, L. Um balanço da participação social no Brasil pós-constituição de 1988. In: AVRITZER, L. Experiência democrática, sistema político e participação popular. São Paulo: Editora Fundação Perseu, 2013. p. 11-21.
CAPELLA, A. C. N.; BRASIL, F. G.; SOARES, A. G. Pesquisa em Políticas Públicas no Brasil: um mapeamento da aplicação de modelos internacionais recentes na literatura nacional. In: IX Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política - ABCP. Brasília, DF: UnB. 2014. p. 1-22.
CARLOS, E.; DOWBOR, M.; ALBUQUERQUE, M. D. C. A. Movimentos sociais e seus efeitos nas políticas públicas: balanço do debate e proposições analíticas. Civitas - Revista de Ciências Sociais do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais, v. 17, n. 2 2017. 360-378. Disponível em: Acesso em Mar. 2020.
CARRANO, P. C. R.; SPOSITO, M. P. Juventudes e Políticas Públicas no Brasil. Revista Brasileira de Educação, Campinas, n.24 2003. p. 16-39.
CARVALHO, J. M. D. A cidadania após a redemocratização. In:
Cidadania no Brasil: o longo caminho. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
CEFAÏ, D. Públicos, problemas públicos, arenas públicas...o que nos ensina o pragmatismo. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, v. 36.01, p. 187-213, Mar. 2017 2017. Disponível em: Acesso em Mar. 2020.
COUTINHO, D. R. O direito nas políticas públicas. São Paulo: [s.n.], 2010. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5066889/mod_resource/content/1/1.2.%20O%20direito%20nas%20pol%C3%ADticas%20p%C3%BAblicas%20-%20Diogo%20Coutinho.pdf. Acesso em Fev. 2020.
COUTINHO, D. R. Direito, desigualdade e desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2013.
GOHN, M. D. G. Jovens na política na atualidade: uma nova cultura de participação. Caderno CRH, Salvador, v. 31, n. 82, Jan/ Abr 2018. p. 117-133. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ccrh/v31n82/0103-4979-ccrh-31-82-0117.pdf. Acesso em Mar. 2020.
KINGDON, J. W. Agendas, Alter natives, and Public Policies. Harlow: Edition, Pearson New International, 2014.
ROCHA, C. A. V. Atravessando Fronteiras: os padrões de relações entre sociedade civil e Estado e a produção de políticas públicas. Revista Tomo, São Cristóvão/SE, n. 36, jan./jun. 2020. 173-194. Disponível em: https://seer.ufs.br/index.php/tomo/article/view/12309. Acesso em Fev. 2020.
SECCHI, L. Políticas públicas: conceitos, esquemas de análise, casos práticos. Florianópolis: Cengage Learning, 2010.



[1] Texto produzido a partir dos debates das atividades realizadas pelo Grupo de Trabalho: “Políticas Públicas”, que teve a proposta de fazer uma discussão teórica em relação às políticas públicas por meio de três blocos principais: a) Processo de formação e Políticas Públicas; b) Análise da relação entre Políticas Públicas e Direito; c) Debate sobre a participação social nas Políticas Públicas. As reuniões para os debates sobre os textos ocorreram, na sala do GERTS, nos dias: 18/02/2020, 05/03/2020, 11/03/2020 e 17/03/2020, sob a coordenação de João Víctor Pinto, através da orientação e supervisão de Prof. Dr. Frank Marcon. Para o desenvolvimento das atividades, foi utilizado um referencial teórico interdisciplinar, com destaque para as áreas de: Sociologia, Ciência Política, Antropologia e Direito.
[2] De acordo com Carrano e Sposito (2003), a noção de políticas públicas, em um sentido mais genérico, está associada a um: “[...] conjunto de ações articuladas com recursos próprios (financeiros e humanos), envolve uma dimensão temporal (duração) e alguma capacidade de impacto. Ela não se reduz à implantação de serviços, pois engloba projetos de natureza ético-política e compreende níveis diversos de relações entre o Estado e a sociedade civil na sua constituição. Situa-se também no campo de conflitos entre atores que disputam orientações na esfera pública e os recursos destinados à sua implantação. É preciso não confundir políticas públicas com políticas governamentais. Órgãos legislativos e judiciários também são responsáveis por desenhar políticas públicas. De toda a forma, um traço definidor característico é a presença do aparelho público-estatal na definição de políticas, no acompanhamento e na avaliação, assegurando seu caráter público, mesmo que em sua realização ocorram algumas parcerias” (CARRANO e SPOSITO, 2003, p. 17).
[3] A título de contextualização, por exemplo, a noção de “How Does an Idea's Time Come?é importantíssima (KINGDON, 2014) para o modelo de múltiplos fluxos e, consequentemente, para a compreensão dos demais modelos teóricos, visto que, de certo modo, adotam o modelo de múltiplos fluxos como parâmetro analítico.
[4] Acontece que os conselhos também se aparelham politicamente em relação às demandas. Trata-se de um ciclo político que ainda carece de reflexão.
[5] Considerando que o direito permeia de forma intensa as políticas públicas “[...] em todas as suas fases ou ciclos: na identificação do problema (que pode ser ele próprio um gargalo jurídico), na definição da agenda para enfrentá-lo, na concepção de propostas, na implementação das ações e na análise e avaliação dos programas” (COUTINHO, 2010, p. 197).

3 comentários:

Frank Marcon disse...

O texto está muito interessante e traz uma síntese dos principais modelos de estudos sobre o entendimento de "políticas públicas", antes de fazer a articulação com o tema juventudes. Interessante, pois serve como balizamento inicial aos e às interessados/as pela sua aplicação a diferentes temas. No que diz respeito aos estudos sobre juventudes, as questões de direcionamento do debate social do tema política públicas é bastante tímido, embora nos 12 anos de governo do PT tenha tido alguma visibilidade com a criação da Secretaria Nacional da Juventude, o Conselho Nacional da Juventude e o Estatuto Nacional da Juventude. Na prática, houve alguma democratização representativa e de forma transversal, muitas políticas de interesses das juventudes foram estimuladas e aplicadas. De qualquer modo, não o suficiente e não de maneira sistemática e centralizada nas juventudes. As políticas se tornaram dispersas e foram aplicadas a partir de diferentes pastas administrativas de forma pouco coordenada e pouco articulada entre si, mais fazendo parte de demandas gerais da sociedade brasileira, do que das juventudes em suas especificidades. Fora isto, com o fim dos Governos do PT, o que se conquistou acabou desmoronando, restando um CNJ pouco representativo dos jovens e o Estatuto da Juventude em seu aspecto formal e pouco aplicado. Os governos que se seguiram abandonaram a pauta, a sua relevância e deslegitimaram a sua representação. Diante destas questões, é interessante pensarmos em como as políticas públicas de forma geral e as políticas públicas para as juventudes entram e saem do debate público. Quando, onde, de que forma e por quê as juventudes se tornam uma causa pública ou é deslegitimada e invisibilizada como tal? Quem são os agentes responsáveis por este processo? Questões boas para pensar, não apenas para tentarmos entender tais processos, mas também para pensarmos em como contribuir para que o tema ganhe relevância, bem como para apontar direcionamentos mais democratizantes e contínuos para estas políticas.

Unknown disse...

Um bom texto para reflexão sobre as políticas públicas, com aspectos teóricos bem delineados. Em relação ao contexto das políticas públicas a partir de Sposito e Carrano, no meu entendimento, provocam uma crítica a concepção das políticas públicas para as juventudes nos governos dos anos 1990, pois estavam mais inclinadas para à área da saúde e da segurança pública, o que pode implicar em pensar os jovens a partir de uma noção do desvio, seja em relação a gravidez precoce, as noções de trabalho como os “corres” ou perpassados por uma noção de lazer, a exemplo da música (gêneros como o hip hop, o funk, o pagode, entre outros), o skate, o surf e demais. É possível que a concepção das políticas públicas, neste período, tenha problematizado os jovens de fora, não percebendo e dando voz as juventude(s). A partir daí, ambos autores e vários outros que passaram a se preocupar com uma noção de “juventudes”, os atos, agendas públicas e dando voz aos agentes, suscitaram um novo diálogo, no qual os próprios jovens deixaram as margens do debate e tornaram-se peça central para falar deles mesmos. Então, as políticas sobre as juventudes no governo do Partidos do Trabalhadores ganharam outras problemáticas. Parece tais políticas caíram no esquecimento do atual governo. Contudo, é visível que as políticas para as juventudes pouco têm sido problematizadas por todos os governos que comandaram o Brasil até o momento e, possivelmente, não tem sido pensada como uma política para a nação

Unknown disse...

Um bom texto para reflexão sobre as políticas públicas, com aspectos teóricos bem delineados. Em relação ao contexto das políticas públicas a partir de Sposito e Carrano, no meu entendimento, provocam uma crítica a concepção das políticas públicas para as juventudes nos governos dos anos 1990, pois estavam mais inclinadas para à área da saúde e da segurança pública, o que pode implicar em pensar os jovens a partir de uma noção do desvio, seja em relação a gravidez precoce, as noções de trabalho como os “corres” ou perpassados por uma noção de lazer, a exemplo da música (gêneros como o hip hop, o funk, o pagode, entre outros), o skate, o surf e demais. É possível que a concepção das políticas públicas, neste período, tenha problematizado os jovens de fora, não percebendo e dando voz as juventude(s). A partir daí, ambos autores e vários outros que passaram a se preocupar com uma noção de “juventudes”, os atos, agendas públicas e dando voz aos agentes, suscitaram um novo diálogo, no qual os próprios jovens deixaram as margens do debate e tornaram-se peça central para falar deles mesmos. Então, as políticas sobre as juventudes no governo do Partidos do Trabalhadores ganharam outras problemáticas. Parece tais políticas caíram no esquecimento do atual governo. Contudo, é visível que as políticas para as juventudes pouco têm sido problematizadas por todos os governos que comandaram o Brasil até o momento e, possivelmente, não tem sido pensada como uma política para a nação

Mateus Neto