Foto: Rovena Rosa / Agência Brasil*
Lucas Vieira Santos Silva
Juliano Machado Ramos
O termo violência tem se
desenvolvido semanticamente de uma maneira diferente de como foi pensada na
antiguidade, caracterizando-se, cada vez mais, como uma palavra moderna. Em seu
sentido antigo, a violência esteve
relacionada a duas outras palavras: vis
– que significava força ou guerra – e potesta
– que significava poder e domínio, sendo que nesse momento os dois
significados se correlacionavam. Já na modernidade,
o conceito de violência vai ser construído a partir de sua recusa ética, em
oposição a promessa moderna de uma possível “paz eterna”. Nesse sentido, é na
modernidade que ocorre uma separação semântica entre os termos violentia e potesta, onde o Estado toma
para si o exercício legítimo da violência, atribuindo o seu sentido negativo à
sociedade civil. (MISSE, 2016; PORTO, 2000; WIEVIORKA, 1997).
Para Michel Misse (Idem),
dialogando com Norbert Elias, toda essa situação de atribuição de negatividade
a palavra violência, decorre do processo civilizatório que ocorreu ao longo da
modernidade. Nesse sentido, com o intuito de afastá-la das relações sociais, o
Estado moderno, utilizando-se de uma violência socialmente vista como legítima,
a atribuiu a um número cada vez maior de ações e comportamentos que afetavam os
valores morais vigente na sociedade moderna. Essa situação de atribuição é em
certo sentido paradoxal, já que ao mesmo tempo que a modernidade tentava
afastar de todo jeito a violência das relações sociais, foi exatamente nesse
período, onde um maior número de comportamentos foi socialmente construído como
violentos (MISSE, 2016)
Desta forma, com o intuito de
construir um conceito sociológico de violência que iria além da constatação
empírica do fenômeno, Michel Wieviorka (1997), vai refletir acerca das
transformações sociais, econômicas, políticas e culturais que ocorreram no
mundo pós década de 70 e as mudanças que acarretou no fenômeno da violência.
Para o autor, duas situações são imprescindíveis para a percepção dessa nova
dinâmica do fenômeno da violência, assim como para sua construção enquanto
conceito da sociologia. A primeira está relacionada ao processo de perda do
monopólio legítimo de uso da violência por parte do Estado, o que faz com que o
uso da violência enquanto recurso político, que para o autor já teria se
extinguido na modernidade, seja retomado; E o segundo, as mudanças que
ocorreram na sociedade industrial, a partir da desestruturação do conflito
entre capital e trabalho, o que distanciou o conceito de violência das noções
de conflito e crise. Para Wieviorka (1997), ambas as situações permitiram a
produção de um novo paradigma da violência, a partir do surgimento de
indivíduos extremados, que na palavra do autor, poderiam ser vistos como
antissujeitos. A partir disso, Wieviorka vai restringir a polissemia do termo
violência conceituando-o como uma agressão física intencional, interpessoal ou
coletiva.
Por outro lado, Butler (2015) ao
pensar nas disputas que definem as formas legítimas e não legítimas de
violência, discute a influência das clivagens sociais e relações hierárquicas
de dominação na distribuição desigual da exposição à violência. Nesse sentido,
a autora afirma que os indivíduos são formados a partir de uma violência
externa que está constituída nas interações e valores sociais que os ensinam a
como agir em sociedade. E que de certa maneira, não se apresenta apenas em sua
exterioridade, mas também em sua forma interna, relacionando-se a reprodução da
violência aprendida no outro ou em si mesmo. Em suma, a autora irá discutir a
questão da violência a partir da violência estrutural produzida pelo Estado no
processo de construção dos sujeitos e como essa violência será reproduzida
pelos sujeitos em suas interações sociais.
Não obstante, na tentativa de não restringir
o conceito de violência para ação social ou dominação estrutural, e
consequentemente, captar dentro das pesquisas sociológicas o caráter dinâmico e
polissêmico que o termo carrega, Michel Misse (1999; 2016), Porto (1999; 2000)
e Machado (1999; 2004) pensam violência não mais como conceito, mas como representação
social. Essa solução pragmática não tem intuito nenhum de pôr um fim na
produção de um conceito de violência, mas visto a polissemia desse conceito,
utiliza-se de seus sentidos e significados comuns para a produção de pesquisa
empírica. Isso pode ser observado no uso que Porto (1999; 2000) faz da teoria
das representações sociais para pensar tanto os sentidos simbólicos atribuído
por alguns jovens de classe média de Brasília em seus atos desviantes, assim
como para pensar a construção da identidade policial a partir das
representações que eles tem de si e da segurança pública; Pode ser observado
também tanto no conceito de sujeição criminal como no de acumulação social da
violência produzido por Michel Misse (1999; 2016) no intuito de compreender o
uso acusatorial da violência nas interações sociais e nas relações
estabilizadas, e as práticas sociais proveniente disso; E, por último, no
conceito de Sociabilidade violenta desenvolvido por Machado (1999; 2004) para
pensar a nova ordem social que se construiu no Brasil, pós década de 70, que
tinha à violência como um recurso possível para as interações sociais.
Em suma, toda essa discussão
empreendida nesse texto, nos ajuda a refletir acerca da polissemia do termo de
violência e a dificuldade de se construir acerca dele um conceito sociológico
definitivo. Nesse sentido, o texto nos ajuda a pensar em três abordagens
bastante utilizadas nas pesquisas atuais acerca do fenômeno, que seriam: a
abordagem a partir da ação social; da dominação estrutural; e por fim da
representação social. Essas diferentes abordagens teóricas e metodológicas
acerca do fenômeno mostram não apenas a polissemia do conceito, mas a
necessidade de pôr a violência no centro da teoria social.
Referências
BUTLER, Judith. Quadros de guerra: quando a
vida é passível de luto. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, v. 2009, 2015.
MACHADO DA SILVA, Luís Antonio. Criminalidade
violenta: por uma nova perspectiva de análise. Revista de Sociologia e
Política, n. 13, p. 115-124, 1999.
MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio. Sociabilidade
violenta: por uma interpretação da criminalidade contemporânea no Brasil
urbano. Sociedade e estado, v. 19, n. 1, p. 53-84, 2004.
MISSE, Michel. Malandros, marginais e
vagabundos. A acumulação social da violência no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro.
Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. IUPERJ. Tese de
doutorado em Sociologia, 1999.
MISSE, Michel. Violência e teoria social.
Dilemas-Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 9, n. 1, p. 45-63,
2016.
PORTO, Maria Stela Grossi. A violência urbana
e suas representações sociais: o caso do Distrito Federal. São Paulo em
perspectiva, v. 13, n. 4, p. 130-135, 1999.
PORTO, Maria Stela Grossi. A violência entre
a inclusão e a exclusão social. Tempo social, v. 12, n. 1, p. 187-200, 2000.
WIEVIORKA, Michel. The new paradigm of
violence. Tempo social, v. 9, n. 1, p. 5-41, 1997.
* Fonte da Imagem:
https://spbancarios.com.br/09/2017/reuniao-no-ministerio-publico-mostra-violencia-policial
2 comentários:
adorei!
Interessante texto do GT Juventudes e Violências. Tanto para pensarmos os sentidos desta última expressão e seu caráter sociológico e antropológico mais geral, quanto para pensarmos o tema das Juventudes. Violências físicas e simbólicas, violência como dispositivo e como sensação, mas também como representação objetificada de "sujeitos violentos", e a questão moral que pesa sobre estes. Como pensar nossos temas diversos - para além das Juventudes - que implicam relações de poder a partir deste debate sobre Violências? Quais as especificidades deste debate - para não cairmos na estigmatizacão - quando falamos de jovens?
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